Pedrógão Grande. Depois do fogo, a seca que consome o Pinhal Interior
José Pais caminha vagarosamente pela rampa que desce desde a estrada até à praia fluvial da albufeira do Cabril, junto à barragem, em Pedrógão Grande. Fevereiro vai em contraciclo, está um sol de primavera, com mais de 20ºC, que se reflete em todo o caudal que resta do rio Zêzere - e que é muito pouco. "Eles apontam 30 e tal por cento... não sei se chegará a tanto", diz ao DN o atual gerente do parque de campismo, única infraestrutura que se mantém aberta. À volta, tudo fechou: o restaurante Lago Verde (propriedade da câmara, está para concessão) e dois ou três bares.
José Pais, engenheiro florestal de formação, já foi responsável pela Praia das Rocas, em Castanheira de Pera (aquela que produz ondas artificiais, a 80 km do mar). Era lá que estava em junho de 2017, quando deflagrou o incêndio em Pedrógão Grande que haveria de colocar no mapa do país toda aquela região pelas piores razões.
No verão passado, quando acabara de ganhar a concessão do parque de campismo, começou a aperceber-se de que o nível das águas "estava a baixar continuamente, de semana para semana. Muitos turistas, habituais frequentadores, também se aperceberam do mesmo. Por isso isto não é uma situação de agora. Há muito que andamos a alertar e questionámos, mesmo. Este verão foi descarregar água de uma forma anormal. O que nos foi dito foi que a energia estava mais cara, os espanhóis estavam com necessidade e foi preciso fazê-lo". José Pais percebeu que o timing não tinha sido o melhor: "Levámos com tudo; foi a alteração da lei que regula as autocaravanas, foi o covid, foi os testes e as implicações que tudo isso trouxe e depois a barragem a sumir-se, que no fundo é o nosso postal, a nossa imagem." O engenheiro conhece o território há mais de 30 anos, já viu outras secas. Nesta altura preocupa-o ainda outra questão: "Se não chove em quantidade daqui até ao verão, corremos um enorme risco, por várias razões: é mau para a produção de energia, é mau para todos os desportos náuticos associados a esta albufeira e a todas as outras. E depois não nos podemos esquecer da questão dos incêndios."
Esse é o ponto que nesta altura preocupa autarcas e população em geral, para lá da questão turística. Porque mesmo antes do grande incêndio de 2017, que matou 66 pessoas, feriu 250 e deixou um rasto de destruição sem precedentes, já havia um histórico de fogo com muita expressão em toda aquela região. E a Barragem do Cabril sempre foi o ponto de abastecimento de água para os bombeiros, a reserva dos helicópteros e dos aviões de grande porte, como os Canadair. "Estamos muito preocupados", afirma ao DN o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, António José Lopes, que assinou uma posição conjunta com os demais autarcas que integram a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria. "Isto prejudica o turismo, prejudica o abastecimento, prejudica tudo", acrescenta o autarca, que ainda assim recorda estar previsto um leilão para a instalação de painéis solares flutuantes na albufeira, "para uma produção de 33,3 megawatts. Mas vamos ver se com a instabilidade do nível das águas ainda é possível realizar esse investimento."
O autarca apela a "uma gestão mais cuidada da albufeira", uma vez que "era do conhecimento das autoridades e de quem está a gerir as barragens as condições de meteorologia que se adivinhavam".
Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em janeiro "verificou-se um agravamento muito significativo da situação de seca meteorológica, com um aumento da área e da intensidade, estando no final do mês todo o território em seca, com 1% em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema".
Ainda de acordo com o IPMA, em relação à precipitação, janeiro de 2022 foi o 6.º mais seco desde 1931 e o 2.º mais seco desde 2000. Como consequência da falta de chuva, numa medida preventiva, o governo restringiu o uso de várias barragens para produção de eletricidade e para rega agrícola, devido à seca em Portugal continental.
Para já, há quatro barragens cuja água só será usada para produzir eletricidade cerca de duas horas por semana, garantindo valores mínimos para a manutenção do sistema: Alto Lindoso e Touvedo, no distrito de Viana do Castelo, Castelo de Bode (Santarém) e Cabril, precisamente no limite do distrito de Leiria com o distrito de Castelo Branco.
Entretanto, o tema vai ser discutido amanhã no Conselho de Ministros Europeu da Agricultura e Pescas, onde serão debatidas medidas concretas de mitigação dos impactos da seca em Portugal e Espanha, designadamente nas atividades pecuárias e agroalimentares.
O eurodeputado socialista Carlos Zorrinho defendeu, na semana passada, que "os agricultores têm de continuar a dispor da água para produzir de forma eficiente os bens de que necessitamos, a água tem de continuar a estar disponível nas torneiras para um uso racional", bem como a indústria e os serviços que dela precisam "para disponibilizar produtos essenciais". De resto, salientou que o Fundo de Solidariedade da União Europeia "está cá para isso quando for necessário, complementando as ações dos Estados-membros e das suas instituições".
"A Agência Europeia do Ambiente, no relatório recentemente divulgado sobre Riscos climáticos em mutação na Europa, adverte que o Sul da Europa deve preparar-se para verões mais quentes, secas mais frequentes e um maior risco de incêndio", recordou Zorrinho, que sublinhou também o facto de a mesma instituição referir ser "provável que a Europa Central registe uma menor precipitação estival e fenómenos meteorológicos extremos mais frequentes e mais fortes, incluindo precipitação intensa, cheias, secas e riscos de incêndio".
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