Um néctar para os líderes europeus. Quadro financeiro discute-se hoje
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia vão estar reunidos nesta quinta-feira, em Bruxelas, para discutir o quadro financeiro plurianual para 2021-2027. A cimeira promete ser regada a sumo, ou não estivessem os agricultores do Báltico a preparar um protesto na capital belga, que visa alertar para os cortes no orçamento de longo prazo da UE.
O sumo em causa - significativamente chamado Summit Juice, "o sumo da cimeira" - reflete a opinião daqueles que contam com as políticas tradicionalmente ligadas à história da integração comunitária. Ou seja, bem espremido, o orçamento deixa pouco sumo aos que lutam por aproximar as suas economias dos padrões dos mais desenvolvidos da Europa.
O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, já avisou: a proposta que circula antes da cimeira "está a 230 mil milhões de euros de distância" do que seria aceitável para os eurodeputados. O quadro financeiro plurianual é uma matéria de codecisão, e é preciso ter em conta que o Parlamento Europeu tem uma palavra determinante e vinculativa sobre a proposta final.
Mas o esboço que o presidente do Conselho Europeu traçou está longe de seduzir os colegisladores. É relativamente contido. Fica muito aquém da proposta do Parlamento Europeu. Ainda mais controverso, parece até ressuscitar a criticada proposta da presidência finlandesa, que todos julgavam morta e enterrada na cimeira de dezembro.
A presidência finlandesa apresentou uma proposta de orçamento de longo prazo, com um nível global de 1087 mil milhões de euros, representando 1,07% do rendimento nacional bruto da UE 27. O plano é mesmo substancialmente inferior à proposta da Comissão Europeia. Em maio de 2018, ainda durante o mandato de Jean-Claude Juncker, Bruxelas preparou um esboço que, em termos globais, propõe um orçamento de longo prazo de 1135 mil milhões de euros de autorizações para o período de 2021 a 2027, equivalente a 1,11% do rendimento nacional bruto da UE 27.
Agora - exceção feita de uma parcela de 7,5 mil milhões de euros, para o Fundo para a Transição Justa, que será organizado pela comissária portuguesa, Elisa Ferreira -, a proposta do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pouco acrescenta ao que já vinha do plano finlandês, apresentando um montante global de 1094 mil milhões de euros, equivalente a 1,074% do rendimento nacional bruto da UE 27.
O documento de trabalho apresentado por Charles Michel propõe 323 mil milhões de euros para os fundos da política de coesão, representando um corte, em termos reais, face aos 367 mil milhões do atual quadro financeiro 2014-2020, descontando já a parte do Reino Unido. No que diz respeito à Política Agrícola Comum, o montante agora proposto é de 329,3 mil milhões de euros para a PAC, quando o quadro atual contou com 367,7 mil milhões.
É por isso que o Parlamento Europeu já emitiu um novo aviso, desta vez assinado também pelo presidente da instituição, David Sassoli, a dizer que "espera uma proposta mais ambiciosa", deixando entender que a que está em cima da mesa não serve "nem para começar as negociações".
Na semana passada, os presidentes dos grupos políticos já antecipavam o cenário de uma crise institucional, a ameaçar com o voto contra uma proposta que não consiga "manter o mesmo nível de financiamento para as políticas de agricultura, pesca e coesão, em termos reais", ou seja, descontada a inflação.
Porém, a reunião magna arrancará na tarde desta quinta-feira em Bruxelas, com os membros do Conselho divididos em dois grandes grupos, que estão, na prática, de costas voltadas. As fortes divisões entre o grupo dos contribuintes líquidos, e os chamados Amigos da Coesão, em que se inclui Portugal e outros 15 países, mantêm-se. E, neste momento, não há a unanimidade - absolutamente necessária - para aprovar o quadro financeiro.
Esta reunião será, portanto, a primeira prova de fogo para Charles Michel, que terá por missão aproximar os pontos de vista entre os beneficiários das políticas desenhadas para aproximar níveis de desenvolvimento dos padrões das economias mais avançadas da Europa e os dez países do chamado grupo dos "frugais" que têm vindo a opor-se à expansão do orçamento.
Entre estes últimos há ainda os que se escusam mesmo a cobrir as perdas que resultam da saída do Reino Unido, que no quadro financeiro em vigor contribui com 77 mil milhões de euros no período de sete anos.
Como é previsível, levará tempo a unir posições e a encontrar um denominador comum que permita fechar um acordo atempadamente. Isto é, sem pôr em risco a entrada em vigor do próximo quadro financeiro, do qual depende a distribuição de fundos comunitários.
O governo português chegará à reunião com uma posição bem definida, traçada em Beja, na cimeira em que António Costa assumiu os comandos do chamado grupo dos Amigos da Coesão. Estes consideram, "unanimemente", que o futuro quadro financeiro, para ser apoiado pelo grupo de 16, não poderá implicar perdas nomeadamente "na coesão".
"O financiamento para a política de coesão para o período de 2021-2027 deve manter o nível do quadro financeiro plurianual 2014-2021 em termos reais", lia-se na declaração assinada em Beja, pelos chefes de Estado e de governo do grupo dos países beneficiários do orçamento da União.
Na semana passada, os grupos políticos do Parlamento Europeu apoiaram esta posição, traçada em Beja, colocando o cenário da rejeição em cima da mesa. Embora, nesta fase, "ninguém queira uma crise institucional", como disse, ao DN, a eurodeputada socialista Margarida Marques.
A correlatora do quadro financeiro plurianual espera que na cimeira desta quinta-feira "cada Estado membro possa sair dos seus egoísmos nacionais", para chegarem a uma posição comum, porém, avisa que os eurodeputados "só estão dispostos a dar o consentimento, (...) a um orçamento à altura das prioridades políticas e um acordo político sobre recursos próprios".
O social-democrata José Manuel Fernandes, correlator na parte dos recursos próprios, avisa que "a proposta será rejeitada" caso o Conselho não respeite "as obrigações". Nomeadamente "que não prejudique os agricultores, as regiões mais pobres, o desenvolvimento rural, e que ajude também a um crescimento amigo do ambiente".
Os Açores e a Madeira juntaram-se também ao coro de críticas antes da cimeira. Numa declaração conjunta assinada pelos presidentes dos dois governos regionais, Vasco Cordeiro (PS) e Miguel Albuquerque (PSD) consideram que a proposta apresentada por Charles Michel "constitui um retrocesso inaceitável e falha, inequivocamente, na conciliação de posições e de interesses não só entre Estados membros e Instituições Europeias mas também face às próprias pretensões e objetivos a que se propõe a União Europeia para o futuro".
Posteriormente afirmam que "a redução do montante global para a política de coesão é particularmente perigosa", com prejuízo acentuado nas "regiões ultraperiféricas".
"A redução da taxa de cofinanciamento que, no caso das regiões ultraperiféricas passaria de 85% para 75%, obrigaria a um aumento do esforço próprio destas regiões de 66% (o esforço próprio das regiões ultraperiféricas passaria de 15% para 25% dos investimentos cofinanciados)", apontam no texto.
Numa afirmação que contraria uma das frases favoritas da presidente Ursula Von der Leyen, Vasco Cordeiro e Miguel Albuquerque afirmam que "esta proposta deixa regiões e europeus para trás porque, ao fragilizar a política de coesão, fragiliza o núcleo essencial do projeto europeu".
A presidente da Comissão Europeia tem por hábito afirmar que com o seu plano de combate às alterações climáticas, o chamado Green Deal, "nenhuma cidade ou região será deixada para trás", através do Fundo para a Transição Justa, do qual Açores e Madeira também dizem não beneficiar.
Em Bruxelas, o recém-eleito presidente do Comité das Regiões, Apostolos Tzitzikostas, que partilhará o mandato com Vasco Cordeiro afirmou que este orçamento "corre o risco de ser um falhanço".
Assumindo uma posição idêntica à do grupo de Beja, Tzitzikostas afirma que, nos seus cálculos, "a última proposta do quadro financeiro plurianual atinge a política de coesão fortemente, com uma redução de 12% em relação ao atual quadro e com taxas de cofinanciamento ainda abaixo do período atual".
"A decisão de reduzir o apoio ao desenvolvimento regional, nomeadamente através da política de coesão, não aproximará a UE dos seus cidadãos", lamenta.