Horas antes da publicação deste texto, Fabrício Queiroz ainda prestava depoimento ao Ministério Público naquilo que a imprensa local definiu como "bolsogate" ou "coafgate" e está para Jair Bolsonaro mais ou menos como a interferência russa nas eleições está para o seu ídolo Donald Trump - uma controvérsia nascida ainda antes da tomada de posse com potencial para ensombrar todo o mandato..No dia 6 de dezembro, o jornal OEstado de S. Paulo divulgou um relatório do COAF, órgão público de controle de atividades financeiras, que demonstrava "movimentações atípicas" de 1,2 milhões de reais (perto de 400 mil euros) em um ano na conta de Fabrício Queiroz, motorista e segurança de Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente eleito, na assembleia legislativa do Rio de Janeiro..Como Queiroz demorou 13 dias para dar a sua versão do caso e tanto Bolsonaro pai como Bolsonaro filho se foram explicando aos trambolhões, intermediados por uns palpites de Eduardo Bolsonaro, outro membro do clã, de um chilique do futuro ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni e de ziguezagues assustados do próximo chefe do COAF na qualidade de ministro da justiça Sergio Moro, o que sobram são especulações..Vamos resumi-las: suspeita-se que Queiroz, cujo vencimento não comportaria aquelas quantias transferidas, recolhia parte do salário de todos os assessores de Flávio na sua conta e depois os entregava ao chefe. No caso de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício que também assessorava o primogénito do presidente eleito, 99% do que ela recebeu foi devolvido ao pai. Com a assessora Márcia Aguiar, mulher de Fabrício, passou-se mais ou menos a mesma coisa, e assim sucessivamente com mais um, outro e mais outro assessor, investigou a revista Veja..Ou seja, os assessores pagavam a Flavio uma espécie de portagem. E porque o faziam? Porque eram funcionários-fantasmas: Nathalia, por exemplo, é uma personal trainer de famosos, que não consta tenha assinado o ponto na assembleia legislativa do Rio uma vez sequer. Outro caso emblemático é o do assessor Wellington Romano da Silva, que durante o período de um ano e quatro meses em que serviu Flávio passou 248 dias em Portugal. Ele também transferiu o seu salário para Fabrício..O caso não é exclusivo do filho mais velho do presidente. O próprio Jair teve durante a campanha de explicar (ou pelo menos tentar) qual a função específica da sua secretária parlamentar na Câmara dos Deputados Walderice da Conceição. Afinal, Dona Wal, como é conhecida, foi descoberta pelo jornal Folha de S. Paulo a vender açaí em Mambucaba, cidade no litoral do Rio a 1200 quilómetros do gabinete do deputado, em Brasília. Meses mais tarde, já depois de insultar os repórteres que descobriram o caso, Bolsonaro explicou que a função dela era recolher solicitações na cidade e transmiti-las ao então parlamentar..O vereador carioca Carlos Bolsonaro, um terceiro filho do capitão, tem entre os seus assessores Tercio Tomaz, conta a Globo. Tomaz, que recebe salário pago pelos contribuintes, tem páginas nas redes sociais de apoio ao futuro presidente e jamais foi visto no gabinete de Carlos, onde supostamente trabalha..Acresce que o caso não só entrou qual furacão Palácio do Planalto adentro - na sede do governo, garante-se que a ala militar do executivo está, no mínimo, desiludida - como também se infiltrou no Palácio do Alvorada - a nova inquilina Michelle Bolsonaro, primeira-dama a partir de 1 de janeiro, foi a destinatária de um dos cheques de Fabrício Queiroz..Jair Bolsonaro nunca se destacou pelo brilhantismo, pelo contrário, nem pela capacidade de trabalho, depois de aprovar dois projetos em 28 anos de Brasília; muitos dos seus mais civilizados eleitores até admitiram estar a engolir um sapo ao votarem em alguém que se destacou atacando minorias e elogiando torturadores; mas dada a corrupção reinante no país, perpetrada nalguns acasos por gente muito mais notável, produtiva e urbana, o candidato do PSL foi o mais votado porque, justificaram, nunca foi corrupto..Ou então nunca fora suficientemente escrutinado.