Os industriais do otimismo
Na sua autobiografia literária, Ecce Homo (1888), Nietzsche defendeu que a verdade não dependeria tanto da questão gnosiológica da adequação entre a nossa representação e a realidade objetiva, mas antes da coragem moral para ousar suportar o seu peso tantas vezes amargo. O erro não seria, desse modo, um problema de cegueira ou falta de rigor, mas teria origem no mal moral da "cobardia" (feigheit), na recusa em olhar a verdade de frente, delineando a partir dessa contemplação todas as consequências práticas e existenciais necessárias.
Recordei-me de Nietzsche ao ler no Expresso de 12 de outubro um artigo do economista Ricardo Reis (RR), intitulado "Factos contra o populismo". O texto, isoladamente, não mereceria qualquer menção. O autor, assumido campeão do neoliberalismo como modelo económico e visão do mundo, resolveu meter-se por uma, para ele, terra incógnita, e até os disparates factuais marcaram farta presença. Apenas três exemplos: a Convenção de Viena para a proteção da camada de ozono não é de 1987 (como a peça erradamente indica), mas de 1985; o Protocolo de Toronto de 1989, a que o articulista se refere, é uma ficção saída da precipitação do autor, pois o que foi decisivo para o combate contra os CFC, substâncias químicas sintéticas que causam a depleção do ozono, foi o Protocolo de Montreal, em 1987. O que destaco neste artigo é o facto de RR habitar, desembaraçadamente, no terreno daqueles que face às duras verdades empíricas das alterações climáticas não seguem o apelo à coragem de Nietzsche, preferindo fugir para o colo de um otimismo sem qualquer suporte que não seja o recalcamento do pânico face ao futuro. Uma das maneiras de fugir, é a de passar ao ataque contra adversários imaginários. Neste caso, RR inventa a curiosa categoria de um "populismo no ambiente", que não cessaria de nos inundar com "gráficos" cheios de más notícias. A resposta de RR não consiste em disputar seriamente essa informação, mas, simplesmente, em refugiar-se nos "bons resultados do passado". E é aqui que entra a desengonçada história de sucesso da diplomacia do ozono, acima mencionada. Percebe-se que RR tenta explorar, sem base nem brilho para tal, o filão do que designo como "industriais do otimismo". Autores que, mesmo à custa de muitos atropelos à metodologia científica (como Bjorn Lomborg e o seu livro O Ambientalista Cético, de 2001), ou deixando de fora uma enorme quantidade de "factos inconvenientes" e dinâmicas objetivas negativas, acabam por exaltar numa retórica estatística a ordem neoliberal do mundo, omitindo quem vai pagar a conta (o grande especialista nesta arte da ilusão é Steven Pinker, autor de grandes êxitos literários em 2011 e 2018). Para cúmulo, RR termina com conselhos paternalistas a Greta e aos jovens ativistas pelo clima: "(...) a mudança é possível e os problemas resolvem-se", através de "pequenos passos". Infelizmente, foram décadas a marcar passo nas fantasias negligentes e hedonistas, como as que RR propala, que transformaram o futuro comum numa habitação cada vez mais precária.
Professor universitário