Lituânia. O centro geográfico da Europa
A primeira experiência que tive na Lituânia foi verdadeiramente inimaginável. O Governo lituano tem um produto turístico surreal que faz com que se sinta o quotidiano dos tempos do regime soviético. Os turistas ficam em confronto com normas e práticas dos tempos em que se acreditava que uma sociedade sem a exploração capitalista era factualmente possível, que o desemprego era virtualmente inexistente e que o capital cultural tinha uma importância essencial na sociedade para se conseguir um emprego ou um médico de referência. O comunismo prometia utopia. Durante três horas, os turistas são tratados como quem vivia anteriormente, numa simulação ao vivo: comprar comida racionada ou um casaco de inverno para se proteger do frio a preço proibitivo para grande parte da população soviética, cantar canções em coro perfeitamente sincronizado e desenhar figuras do Estado soviético. Estes exemplos são tomados como realidades até que a Lituânia se tornou o primeiro país independente da União Soviética. O Pacto Germano-Soviético de Não-Agressão, em 1939, levou a Lituânia à esfera da influência alemã e, depois, ao domínio soviético. Em 1940, a Lituânia foi proclamada República Socialista Soviética, e o Governo foi estabelecido com a sovietização da economia e da cultura até à nova independência (1990). Territorialmente, é um país pequeno, mas já foi um dos maiores da Europa, com território que incluía a atual Bielorrússia, a parte oeste da Ucrânia e partes da atual Rússia e da atual Polónia. Curiosamente, apesar da sua dimensão, há quem afirme que a Lituânia é o centro geográfico da Europa, embora esse centro seja difícil de definir, pois não se sabe bem onde começam e acabam os limites entre a Europa e a Ásia. Este centro geográfico é perto de Vilnius, a capital, por sinal o único com reconhecimento no "Guinness Book of World Records"; foi determinado, desde 1989, por cientistas do Instituto Nacional de Geografia de França, de acordo com os novos pontos estabelecidos das fronteiras do continente europeu e usando o método de centros gravitacionais. Em 1992, a área em redor do centro geográfico foi designada como reserva. Esta inclui o lago Girija, o monte Bernotai, a encosta e a floresta adjacente. Em 24 de maio de 1997, foi inaugurada uma pedra que marca o centro geográfico, entre as aldeias de Purnuškės e Bernotai. Como tal, dirigi-me no autocarro que liga Vilnius a Radžiuliai. O tempo da viagem foi cerca de 30 minutos até à placa que refere "Centro Geográfico da Europa". O elemento preponderante é o padrão feito com uma coluna de granito branco e uma coroa de estrelas no topo, da autoria do escultor lituano Gediminas Jokūbonis. O marco foi inaugurado em 2004, dois anos antes do falecimento do seu autor. Em 2010, por resolução do Governo da República, os limites da reserva foram alterados e, a partir dessa circunstância, passou a pertencer à floresta, sem atividades de recreio, onde se sente um aroma agradável. O país também se recentrou politicamente e ganhou um aroma próprio, porque é o único país do mundo a tê-lo, efetivamente, chamado "Aroma da Lituânia", composto de uma mistura de flores silvestres, sândalo, almíscar, gengibre e framboesa. Por vezes, para descobrir novos perfumes, é necessário deixar os aromas antigos no passado, tal como os regimes políticos.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.