Novas marés, melhores marinheiros
Pode fazer-se muitas interpretações das intenções de voto que os portugueses dizem ter para as legislativas que hão de acontecer daqui a dois anos - aceitando que este governo se mantém até ao final da legislatura, claro. Mas há leituras que são óbvias e inevitáveis. A primeira é que o PS de António Costa - que, no que um estudo do ICS identificou como "o melhor contexto possível", não conseguiu a maioria absoluta - não é capaz de descolar. O voto nos socialistas fica apenas um ponto percentual acima dos resultados obtidos em 2019, quando se inverteu o ciclo da austeridade.
A segunda conclusão é que o PSD com Rui Rio à frente não é uma alternativa que seja levada a sério, incapaz que é de convencer mais do que um quarto dos votantes e mantendo o maior partido da oposição amarrado a um resultado miserável.
A terceira ideia é que a direita está sustentadamente a ganhar ímpeto, imune ou até reforçada pelos ataques que lhe são dirigidos e mesmo com o CDS (0,9%) a passar o pior momento da sua história. Juntos, bastam Chega e Iniciativa Liberal (13,2%) para ultrapassar a esquerda radical composta por BE e PCP (12,6%).
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Seja pelos sucessivos casos que se colam à pele do governo seja pela gestão da pandemia ou até pela crise económica e social desta decorrente - a que já está entre nós e a que virá em força quando os milagrosos apoios esgotarem o prazo de validade e a bazuca europeia disparar pouco mais do que pólvora seca sobre os negócios que neste ano e meio minguaram e secaram -,tudo isto sem que se veja oposição que lhe mereça o nome, vinda do PSD ou da esquerda que tem suportado os sucessivos Orçamentos do Estado e alimentado a estabilidade parlamentar, tem-se corroído a fé nesta histórica conjugação de forças.
É um facto que quase dois terços dos portugueses continuam a votar ao centro. No entanto, aqueles que já não acreditam ou simplesmente não se reveem nesse discurso de bloco central - que já foi muito mais ao centro do que hoje, na verdade - radicalizaram-se. À esquerda e à direita, procuram-se agora soluções muito diferentes daquelas que os primeiros anos da democracia criaram. Quer seja pela via de um discurso radicalmente conservador, servido ainda por PCP e agora também pelo Chega, quer seja pela via radicalmente liberal, garantida por BE e IL, cada qual à medida da sua ideologia, valores e bandeiras.
Com a possibilidade de vitórias absolutas cada vez menos provável no horizonte e a força dos grandes partidos a esbater-se em nome de soluções diferentes, o que acontecer ao país nos próximos dois anos - a perceção de famílias e empresas sobre a margem e condições que têm para progredir económica e socialmente - será determinante para ditar o que vem a seguir.
Qualquer que seja o caminho, uma coisa é certa: se não se trabalhar compromissos de longo prazo, sem chantagens e clientelismos, sem amarras ideológicas e contrapartidas de bolso, mas antes assumindo o objetivo claro de melhorar e fazer crescer o país, Portugal arrisca tornar-se ingovernável e preso a mais umas décadas de miséria.