Escolas abertas e 52 exceções provocam rutura no bloco central

Sociais-democratas aprovaram estado de emergência mas exigem encerramento de escolas e de serviços públicos "cujo contributo para a produção nacional é mais reduzido".
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Está por um fio o consenso entre o PSD e o governo no que toca ao estado de emergência. O PSD foi até agora o único partido que votou sempre a favor todos os decretos presidenciais, ao lado do PS. Mas agora as medidas concretas que regulamentam o novo estado de emergência, traduzidas num decreto aprovado na quarta-feira da semana passada em Conselho de Ministros, merecem discordância frontal da direção do PSD, começando pelo seu líder.

O caso poderá ter contornos mais graves do que um mero arrufo político. Um estado de emergência representa um estado de exceção com forte compressão de direitos dos cidadãos - e, nesse contexto, o Presidente da República tem feito questão de sublinhar a importância de os seus decretos terem uma forte base de apoio no parlamento (ou seja: merecerem pelo menos o apoio conjugado do PS e do PSD, o que tem sempre acontecido desde o princípio).

Seria um tiro de morte na estratégia do governo se os decretos do Presidente - que dão ao governo as balizas onde se depois se encaixam medidas concretas - passassem a ser aprovados sem o PSD e, consequentemente, por margens mínimas no parlamento (como aconteceu por exemplo com o último Orçamento do Estado).

Acontece que agora o PSD discorda frontalmente da tradução concreta que o governo deu ao novo estado de emergência aprovado na quarta-feira passada no parlamento. E não ficou à espera do agravamento da situação pandémica para o dizer.

Ricardo Baptista Leite, deputado e vice-presidente do partido - além de médico -, afirmou-o logo na quinta-feira, quando entrou em vigor o novo decreto governamental regulamentador do estado de emergência. O foco então foi colocado no facto de o executivo ter decidido manter as escolas abertas (decisão que, de resto, teve o apoio do Presidente da República).

Dois dias antes já Rui Rio tinha dito que o PSD era a favor do encerramento dos estabelecimentos de ensino do 7.º ano ao 12.º ano.

Para Baptista Leite - cujo tom cerrado de críticas ao governo tem sido muito mais acentuado do que o de Rio - o decreto do governo representava, no seu entender, "mais um conjunto de meias medidas", particularmente no que dizia respeito à "situação nas escolas".

Segundo afirmava então, "o mínimo dos mínimos" seria o encerramento dos estabelecimentos de ensino "a partir do sétimo ano de escolaridade". "É a diferença entre conseguirmos conter esta pandemia em três, quatro semanas, ou podermos ver um arrastar de mais e mais medidas ao longo de semanas sucessivas, seis, oito semanas, o que tem consequências absolutamente devastadoras", completou o deputado, considerando que a manutenção das aulas presenciais em todos os graus de ensino é "contraproducente", na mesma altura em que "se pede à economia para travar a fundo", considerou.

Baptista Leite defendia assim que era preferível encerrar os estabelecimentos de ensino até 30 de janeiro e reavaliar o impacto desta decisão, ao nível da contenção dos contágios, daqui a duas semanas.

Ao mesmo tempo deixava no ar uma ameaça, recordando o quanto o PSD tem sido indispensável para sucessivas renovações do estado de emergência: "Se não fosse o PSD, se dependesse dos parceiros habituais do governo [BE, PCP e PEV], estaríamos numa situação sem estado de emergência, o que impediria todas as medidas. Isso colocaria o país numa situação de sermos lançados pelo precipício abaixo", completou.

Nesta segunda-feira, face ao agravamento da situação pandémica - com o sistema hospitalar a dar sinais de rutura, como se viu no fim de semana -, o PSD voltou a manifestar profunda discordância face ao conteúdo concreto das medidas aprovadas pelo governo para o novo confinamento geral.

Falando em nome da direção do PSD, o vice-presidente do partido David Justino exortou o executivo a "restringir de forma drástica o número de exceções" existentes para o confinamento decretado para mitigar a propagação da pandemia, porque "quando as exceções abundam a regra desaparece".

"Quando se elencam 52 exceções, isto é dar o sinal contrário ao reforço da regra. Se sabemos que não há regra sem exceção, quando as exceções abundam, a regra desaparece", disse, numa conferência de imprensa na sede do PSD, em Lisboa.

Mais uma vez os sociais-democratas sugeriram o fecho das escolas, ao apelarem ao governo que restrinja "de forma drástica o número de exceções e a rever algumas situações com maior poder estruturante, como sejam a maioria dos serviços públicos, o setor da educação e da administração central e local, cujo contributo direto para a produção nacional é mais reduzido". "O problema não está na ligeireza das medidas, está, precisamente, na imagem que se transmitiu" com um número "tão elevado de exceções", disse ainda o dirigente social-democrata. "A regra do confinamento, que era a regra que devia estar a ser seguida por todos, não está a ser seguida", significando isso que a mais recente declaração do estado de emergência "não está a ser consequente com a gravidade da situação".

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