O "isto ou o caos" não funciona
Sempre me confortou a presença do Reino Unido na União Europeia. Como adepto do mercado livre e das liberdades de circulação, encontrei nos ingleses uma inclinação importante para a liberdade económica, para a abertura da economia, para a desburocratização e a desregulação. Como reticente do centralismo de Bruxelas e do reforço da integração europeia, confiei nos ingleses como contrapeso, como elemento desacelerador.
Nunca fui, por isso, um entusiasta da saída do Reino Unido. Por egoísmo, evidentemente. Porque se olharmos para a União Europeia aos dias de hoje, para o estado das suas economias e das suas instituições, para a ascensão de populismos que percebem pouco de economia, para a irresponsabilidade de vários governos, encontramos poucas coisas que possam atrair uma economia com as possibilidades da britânica (é do Reino Unido que falamos, não de Portugal e das suas históricas debilidades).
Não foi por acaso que o lado do remain teve tantas dificuldades em transmitir uma mensagem empolgante, inspiradora. Os motivos escasseiam, muito por culpa dos dirigentes europeus e dos governos de toda a Europa, que são muito europeístas na hora de falar do Reino Unido mas nunca perderam uma oportunidade de culpar Bruxelas por aquilo que lhes corre mal. Não é um cenário apetecível.
Claro que a saída pode trazer muitos problemas. Mas nenhum eleitor se deixa convencer pela conversa do "ou isto ou o caos". Há na população, e logo na britânica, um sentido comum que escapa aos economistas planificadores: com todos os problemas, que os há, a economia adaptar-se-á, novos equilíbrios gerar-se-ão.
É por isso que o discurso do caos vale quase nada. Aquilo de que os eleitores precisam é de inspiração, liderança, motivação, e estão prontos a aderir a quem as ostentar. Não é mais possível fazer política sem apresentar projetos mobilizadores, e é por isso que há tanta adesão a populismos e nacionalistas, como já aqui referi.
Não houve disso por parte dos remainers no referendo, e não houve disso no desenho e na apresentação do acordo por parte de Theresa May. Fazer do acordo a única alternativa ao caos deu por isso no mesmo: a rejeição. É uma lição para os políticos atuais.
Mas não vale a pena tratar este assunto como se ele fosse fácil, como se May fosse apenas inábil, como se um acordo entre o Reino Unido e a União Europeia fosse espontâneo, como se um acordo só com vantagens estivesse ao virar da esquina. Não está, e por isso mesmo fui crítico de um processo de referendo único, colocando nas mãos de uma maioria conjuntural, num só dia, uma tomada de decisão com tão pouca informação e tantas consequências. Não estou a defender um segundo referendo, que desconfio não mudaria grande coisa. Estou a dizer que um processo referendário num assunto como este deveria ter sido inicialmente pensado em várias fases. Agora é tarde.
Advogado e vice-presidente do CDS