Um amigo ligado aos mercados financeiros explicou-me, há muitos anos, que o mercado é o ponto de encontro entre o medo e a ganância. Quando temos medo, o coração bate mais forte. Quanto somos gananciosos, acelera ainda mais..A máxima continua atual e aplica-se, na perfeição, ao mercado do imobiliário em Portugal. Investidores, especuladores, aforradores, o que há mais por aí, neste momento, são corações a querer saltar do peito, ansiosos que estão pela próxima venda ou pelo próximo arrendamento..A primeira vez que tive de arrendar um quarto nos arredores de Lisboa pediram-me 250 euros. Foi há 14 anos. Hoje, o mesmo quarto pode custar 500 e, quanto mais nos aproximarmos do centro da cidade, mais caro fica..Em Lisboa, fala-se de um milhão de euros por um apartamento com a mesma facilidade com que os americanos falam em um milhão de dólares em Los Angeles ou em Nova Iorque. Arrendam-se T1 a 1300 euros como se estivéssemos nos arredores de Paris. Há até quem alugue beliches a 350 euros por mês. Vale tudo, menos arrancar olhos..Numa espécie de corrida mais louca do mundo, os agentes imobiliários esgadanham-se à procura do próximo prédio, apartamento ou pardieiro, para lá colocarem a sua cara sorridente com um "Vende-se" ou "Arrenda-se" garrafal. Alguns nem precisam de se dar a esse trabalho. A fila de clientes para comprar e arrendar é tão grande que as casas, muitas vezes, nem sequer chegam ao mercado..Portugal vive - já o escrevi - uma bolha do imobiliário. E, se o primeiro passo para se resolver um problema é reconhecê-lo, não faltam organismos a hastear bandeiras vermelhas. O BCE, o Banco de Portugal, até o FMI, já todos vieram alertar para a formação de uma bolha especulativa que merece a atenção de todos..O problema, é preciso também reconhecê-lo, não é de fácil resolução. Conseguir um mercado de habitação equilibrado, acessível a todos, sem com isso manietar a iniciativa privada, não é, convenhamos, uma tarefa fácil. Sobretudo quando o mercado cresce a um ritmo muito superior ao dos rendimentos da população..A primeira tentação de muitos, quando olham para este problema, é responder com a lei da oferta e da procura. Se os preços sobem é porque há quem os possa pagar. Acontece que não é bem assim..O inflacionar dos preços das casas deve-se não ao aumento do poder de compra das pessoas, mas a um circuito que está cada vez mais fechado, de gente - estrangeiros, na maior parte dos casos -, empresas, fundos de investimento, todos com liquidez suficiente para comprar sem discutir o preço. Muitos deles não procuram uma casa para viver ou um espaço para abrir a sua empresa, mas antes o lucro rápido e fácil. E se a ganância não é crime, a lei da oferta e da procura também não é isto..Quando a economia não encontra um ponto de equilíbrio, é ao Estado que cabe encontrar esse ponto. Sem dogmas nem demagogias. Olhando para os problemas de forma séria. E não é isso que está a acontecer..Toda a discussão das últimas semanas sobre as soluções para travar a especulação imobiliária é paradigmática da leviandade com que se discutem questões sérias em Portugal..Para os partidos políticos, todos os problemas se resolvem com impostos. Não se consegue baixar as rendas da energia? Taxa-se mais as empresas. A riqueza está mal distribuída? Criam-se sobretaxas para os muito ricos, mesmo que eles não paguem impostos cá. A especulação imobiliária está fora de controlo? Cria-se uma nova taxa contra os especuladores. Como se quem pode pagar milhões por uma casa tivesse algum problema em dar mais uns "trocos" ao Estado. Ou, pior ainda, como se não soubéssemos todos que os grandes especuladores - fundos imobiliários, muitos deles - nem sequer pagam impostos em Portugal..É, por isso, pouco relevante para mim se o Bloco de Esquerda está ou não diminuído politicamente nas matérias que dizem respeito à habitação. Menos ainda se Rui Rio concorda ou discorda de uma proposta dos bloquistas..Interessava-me muito mais saber que o Parlamento está à procura de uma resposta transversal para este problema. Fazendo os ajustes necessários à lei do arrendamento, por exemplo. Criando condições para que os estudantes do ensino superior possam viver nas grandes cidades. Interessava-me muito mais saber que os partidos políticos - e o governo, claro - estão a trabalhar com os municípios para se colocarem no mercado mais casas a preços controlados. Para que as pessoas não se sintam expulsas da sua própria cidade..Interessava-me muito mais isto do que propostas avulsas e mal-amanhadas, que resultam quase sempre numa discussão estéril. Elas têm um objetivo claro, bem sei, de propaganda eleitoral. Só não resolvem é problema nenhum..Ganância e medo. A metáfora que o meu amigo encontrou há uns anos para me descrever os mercados financeiros pode, perfeitamente, aplicar-se à política. O ponto de encontro entre a ganância pelo poder e o medo de o perder.