Torra no banco dos réus por causa dos laços amarelos
O líder do governo catalão, Quim Torra, senta-se nesta segunda-feira no banco dos réus do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, acusado de desobediência por ter recusado retirar da fachada do Palácio da Generalitat um cartaz com um laço amarelo, símbolo dos ativistas e políticos independentistas que estão presos, durante a campanha eleitoral para as eleições gerais de abril.
A procuradoria pede uma pena de um ano e oito meses de proibição de concorrer a cargos públicos e uma multa de 30 mil euros para Torra, que pode recorrer da sentença para o Supremo Tribunal. Logo, caso seja condenado, não terá de deixar de imediato a presidência da Generalitat. O Vox também participa como acusação popular, pedindo uma multa de 72 mil euros e a inabilização por dois anos.
Em maio, quando respondeu pela primeira vez em tribunal, Torra admitiu o crime: "Sim, desobedeci, porque eu respondo a um mandato mais alto de cidadania para a defesa dos direitos humanos", alegou então. "Era uma ordem manifestamente ilegal emitida por um órgão que não era de todo competente, não era uma autoridade competente superior a mim", acrescentou.
Neste domingo, Torra, de 56 anos e desde 17 de maio de 2018 presidente da Generalitat, assegurou que no julgamento (que deverá ser rápido e pode acabar nesta mesma segunda) não vai defender-se "de nada", mas o que fará é "acusar o Estado" por ter "violado" os seus direitos e os de todos os catalães.
Foi a Junta Eleitoral Central (JEC) que, na véspera da campanha para as eleições gerais de abril e das municipais e europeias de maio, deu ordens para que Torra retirasse os laços amarelos e as bandeiras independentistas dos edifícios públicos.
"A igualdade no sufrágio é essencial na representação democrática e, por isso, a lei pede à administração eleitoral que a preserve e proíbe os poderes públicos - que estão ao serviço de todos os cidadãos - de participar nas eleições", segundo a decisão de 11 de março de 2019. A Junta Eleitoral Central deixava claro que o laço e a bandeira "estelada" são símbolos partidários usados pelas formações eleitorais que concorriam às eleições.
E acrescentava: "As liberdades ideológicas e de expressão são direitos fundamentais das pessoas, não dos governantes, pelo que os cidadãos podem exercê-los sem mais restrições do que as impostas pelo respeito dos direitos dos outros." Tal ia ao encontro da sentença do Supremo Tribunal, em 2016, na altura apenas sobre o uso da "estelada" em edifícios públicos durante períodos eleitorais.
O cartaz foi colocado na janela da Generalitat pela primeira vez em junho de 2018, depois da tomada de posse do novo executivo catalão, liderado pelos independentistas. Além do laço amarelo incluía a inscrição, em catalão e em inglês: "Liberdade para presos políticos e exilados". Desde finais de outubro que um grupo de políticos e ativistas independentistas estava detido por causa do referendo de 1 de outubro de 2017.
Foi uma queixa do Ciudadanos que desencadeou a primeira decisão da Junta Eleitoral Central sobre o cartaz, já a 11 de março de 2019. Esta pedia a Torra que, no prazo máximo de 48 horas, retirasse de imediato as bandeiras independentistas ou laços amarelos não apenas do Palácio da Generalitat, mas de todos os edifícios públicos dependentes do governo catalão.
Torra ignorou o pedido e respondeu à Junta Eleitoral, alegando que a bandeira "estelada" era um "símbolo que representa um desejo de liberdade e uma reivindicação democrática, legítima, legal e não violenta". Mas em nova decisão, após nova queixa do Ciudadanos, esta rejeita o argumento de Torra e volta a dar-lhe, desta vez, 24 horas para retirar o cartaz e o laço.
A 21 de março de 2019, cumprindo o ultimato das autoridades eleitorais, Torra acabou por retirar o cartaz. Ou melhor, substituiu-o: a frase era a mesma, mas o laço amarelo deu lugar a um branco, com uma risca vermelha por cima. O mesmo traço que tapava a boca de um rosto num outro cartaz, onde se lia "liberdade de expressão" em catalão.
A JEC voltou por isso a pronunciar-se sobre o caso, novamente a pedido do Ciudadanos. Consideraram que o presidente da Generalitat não tinha cumprido a decisão, mas apenas "se tinha limitado a aparentar tal cumprimento", ao substituir um símbolo por outro, desencadeando procedimentos legais contra Torra. Este acabaria por ceder a 22 de março, mas então a Procuradoria-Geral do Estado já tinha desencadeado os procedimentos que culminam neste julgamento.
A substituição do cartaz pela indicação "Liberdade de opinião e expressão, artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos" também foi analisada, já a 27 de março. A JEC decidiu então que esta não incumpria a decisão tomada previamente, deixando contudo claro que tal poderia mudar posteriormente.
Depois de uma investigação, já em junho, a JEC pronunciou uma resolução contra Torra por "incumprimento", multando-o em três mil euros. Uma de várias contra Torra, igualmente multado por enviar e-mails aos funcionários da Generalitat a falar do "maldito 155" (o artigo da Constituição espanhola que suspendeu a autonomia).
Nessa altura, e já depois do final do ciclo eleitoral (que incluiu ainda as municipais e europeias), o cartaz original já estava de volta. Foi a 27 de maio de 2018. A falta de acordo para a formação de governo em Espanha obrigou a novas eleições a 12 de novembro e o Ciudadanos voltou a apresentar queixa contra a presença do laço amarelo, com a JEC a pronunciar-se da mesma maneira que tinha feito em março.
Torra recorreu, mas em castelhano, com a JEC a 17 de outubro a não dar como válido o recurso por causa disso.
A 25 de setembro, o presidente da Generalitat volta a não cumprir uma ordem, desta vez pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, após queixa de uma associação anti-independentista. Mais uma vez argumentou com a liberdade de expressão.
A 27 de setembro, o cartaz em que se lia "liberdade para presos políticos e exilados" em catalão e inglês, junto com um laço amarelo, foi retirado por funcionários da Generalitat, obedecendo a uma ordem judicial. Mas, uma hora depois, um grupo de independentistas, liderados pelo ex-deputado e cantautor Lluís Llach e o líder da Candidatura de Unidade Popular (antissistema), Antonio Baños, penduraram outro
Do outro lado da Praça de Sant Jaume, no edifício da Câmara de Barcelona, também estava pendurado um laço amarelo, que também foi sendo posto e tirado ao sabor dos períodos eleitorais, com a presidente da câmara, Ada Colau, sempre a cumprir as decisões.
Inicialmente marcado para setembro, o julgamento foi adiado para esta segunda-feira. "O Tribunal Superior de Justiça da Catalunha notificou-me que a 18 de novembro me vai julgar por me ter mantido firme no meu compromisso com a liberdade de expressão. Uma vez mais, não podemos ceder à involução democrática promovida pelo Estado espanhol", escreveu no Twitter.
"O objetivo final deste processo não é a sentença, que seria o normal em qualquer julgamento penal, mas a inabilitação do presidente [da Generalitat} para o poder substituir por quem seja mais cómodo para o poder central... isto é, querem ser eles a eleger o presidente da Generalitat e não que o façam os catalães", escreveu Gonzalo Boye, advogado de Torra, no jornal digital catalão El Nacional.
No mesmo artigo alegou que Torra não teve direito à presunção de inocência, que a Junta Eleitoral Central não tinha competência para dar a ordem que deu e que o presidente da Generalitat não terá direito a um julgamento justo.