Imagine-se de férias no Luxemburgo. Tem consigo uma receita médica eletrónica do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para levantar. A partir deste ano é possível fazê-lo numa qualquer farmácia deste país. Tem a mensagem com a receita no seu telemóvel com todos os seus códigos e vai poder comprar o medicamento como faz atualmente numa farmácia em Lisboa ou no Porto..Mais! Médicos de países europeus vão ter acesso ao resumo de saúde pessoal dos portugueses, mediante autorização expressa dos cidadãos, que inclui por exemplo as vacinas e as alergias que constam no registo de cada utente: o chamado Patient Summary. Um sistema que vai poder ser usado por turistas e emigrantes portugueses - só no Luxemburgo representam 19% da população..Dois serviços que vão começar a ser implementados já a partir de julho, avança ao DN o presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), Henrique Martins. Para já, esta partilha de informação entre países vai abranger Luxemburgo, Finlândia, Estónia, República Checa e, até ao final do ano, a Croácia. Uma nova funcionalidade que vai ser abordada no Portugal eHealth Summit 2019, cuja terceira edição vai decorrer entre os dias 19 e 22 de março no Altice Arena - Sala Tejo e no PT Meeting Center, em Lisboa.."Em 2020 há a expectativa de ter a Suécia e também a Espanha para alguns serviços. A Alemanha será só em 2021 ou 2022, uma vez que está muito atrasada nesta área da saúde digital, eHealth. Com a França o compromisso é para ser em 2021", revela o presidente do organismo do governo responsável pelos sistemas informáticos no Serviço Nacional de Saúde.."Parte da nossa informação clínica passa a ser partilhada com hospitais de outros países".Devido à instabilidade criada pelo processo de saída da União Europeia (Brexit), ainda não há data para a Inglaterra. O que não quer dizer que não venha a fazer parte deste grupo de países que vão partilhar a informação, mesmo fora da UE. Basta cumprir as mesmas regras europeias de segurança e de privacidade dos dados. Até porque "há países que não são da UE, como a Noruega, que também estão a acompanhar e vão preparar-se para fazer esta partilha"..A implementação deste sistema "está a ser feita de forma faseada em quatro anos", porque "nem todos estão preparados" para receber a informação clínica de cidadãos de outros países. "Portugal entrou logo no primeiro grupo", congratula-se Henrique Martins..O objetivo é ter todos os países da União Europeia a partilhar a informação de saúde dos cidadãos, mas são 22, para já, os que estão a trabalhar no projeto eHealth Network, um grupo de trabalho que envolve a colaboração de todos os Estados membros da União Europeia, no qual é decidida "a estratégia em saúde digital em colaboração com a Comissão Europeia" na área dos registos eletrónicos e das receitas em papel. O trabalho de partilha de informação está a ser realizado há anos neste órgão que tem a liderança de Portugal até 2021..Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde também estão à frente da eHealth Action, um subgrupo de trabalho da eHealth Network. "É, no fundo, uma colaboração com todos os países para preparar os documentos" relativos à partilha de informação entre países.."Significa que parte da nossa informação clínica passa a ser partilhada com hospitais de outros países, desde que a pessoa autorize. Isso vai ser uma mais-valia nos cuidados de saúde de quem precise deles fora de Portugal", exemplifica. Mas abrange muito mais do que isso..Emigrantes e lusodescendentes vão beneficiar da partilha de informação.A partilha de informação de saúde começou a ser delineada com um projeto-piloto no SNS em 2014, tendo sido "criado o conceito e alguma da infraestrutura" do sistema que vai começar agora a ser implementado..A partir de julho há dois tipos de informação que se vai partilhar: a receita sem papel, eletrónica, e o chamado Patient Summary. "No fundo, o resumo que tem os diagnósticos principais, as vacinas, as alergias e mais alguma informação administrativa, que permite ao médico de outro pais poder ter acesso a uma informação mínima de um doente na língua dele, porque nós não só enviamos informação como também o sistema traduz para a língua do país de destino", explica Henrique Martins..O presidente dos SPMS, entidade tutelada pelo Ministério da Saúde e das Finanças, ressalva, no entanto, que o médico de outro pais "vai ter acesso a uma parte" da informação. Não se trata de todo o processo clínico do doente. "Não é a história completa da vida das pessoas", concretiza..Como funciona o processo?.Dados de saúde que vão poder ser partilhados com o devido consentimento. "A partir de maio, ou até mesmo antes", os portugueses vão poder autorizar o seu resumo de saúde a partir do espaço cidadão do portal do SNS, explica Henrique Martins como vai ser o processo. "O resumo é criado automaticamente através da extração da informação de saúde que existe em vários sistemas do SNS e, depois de se ter dado essa autorização expressa e um consentimento devido ao Regulamento Geral da Proteção de Dados, essa informação fica disponível para poder ser pedida por um médico noutro país. Desde que esse país já esteja preparado para fazer toda a trajetória que é contactar o pedido digital que vem do hospital para o equivalente à SPMS do país em causa.".Caso o cidadão não tenha autorizado a partilha de dados a informação não é enviada, reforça o responsável..Para ter o máximo de portugueses neste projeto, estão já previstas iniciativas para sensibilizar os médicos para este assunto, de modo a informar os utentes sobre esta funcionalidade..Luxemburgo é um dos países que já estão preparados para aceder à informação de saúde. Um país relevante, uma vez que são cerca de mais de cem mil os emigrantes que lá vivem, o que significa que 19% da população é portuguesa ou lusodescendentes, como faz notar Henrique Martins. Esta funcionalidade não interessa só aos turistas e estudantes, mas também aos emigrantes.."Sabemos que muitos portugueses, apesar de lá estarem, vêm ao seu país um mês ou dois meses no verão. Portanto têm informação em Portugal que pode ser relevante no Luxemburgo e vice-versa. As pessoas não estão estanques", exemplifica Henrique Martins..Portugal vai adotar o software do serviço de urgência.No caso dos estudantes portugueses, este serviço também se torna relevante quando vão para fora do país completar os seus estudos, uma vez que todo o historial de saúde está cá. "Informação que pode ser útil no caso de alguma emergência.".E o contrário também vai acontecer. Entre os beneficiários deste sistema de partilha estão os milhares de turistas que nos visitam e estudantes que escolhem Portugal no âmbito de programas de intercâmbio..Um projeto complexo de partilha de informação que "ainda vai demorar muito tempo". "Os próprios profissionais de saúde de cada país têm de saber, quando veem um doente estrangeiro, que é possível aceder à informação dessa pessoa vinda fora do país", conta o presidente dos SPMS..Para que isso aconteça, Portugal vai "adotar o software de [serviço] urgência" para que possa avisar o profissional de saúde que o doente estrangeiro que está a atender é um cidadão de um país onde há informação clínica que pode ser pedida. A partir deste momento, se o médico entender, escolhe a opção para que possa aceder a esses dados e "isso desencadeia um pedido digital que vai parar ao outro país"..Projeto vai estender-se à informação proveniente das TAC e raio-X.A partilha do resumo de saúde do cidadão e das receitas eletrónicas é só o início. O objetivo é "ir mais longe". Henrique Martins explica como: "A ideia é expandir para partilhas de imagem, de TAC e raio-X, resultados laboratoriais. Tudo isso está agora ser trabalhado na eHealth Network e estamos a começar a definir as regras com que vamos partilhar estas coisas mais concretas."."Três próximos componentes prioritários" que, segundo o presidente do SPMS, eleva para outro patamar a importância da partilha de informação na área da saúde. E volta a dar um exemplo: "Uma pessoa que vive no Luxemburgo e no verão vem a Portugal ter com a família, e há milhares de pessoas que o fazem, e sofre uma queda. Vai a um hospital português, faz um raio-X, fica internado um dia, tem uma nota de alta e essa informação é muito pertinente para quando ele chegar ao Luxemburgo. Volta de férias e o médico que o acompanha pode tomar nota dessa informação.".Auditorias para garantir segurança de dados.O projeto do eHealth Network é "muito complexo tecnicamente" e não é fácil prever quando é que todos os países vão estar preparados para esta troca de informações da saúde. Além disso, a questão da segurança é crucial em todo o trabalho que está a ser desenvolvido..Há auditorias de segurança e procedimentais que têm de ser feitas. A primeira em Portugal realizou-se no ano passado e está já agendada uma auditoria final para este ano, em abril. "Servem para verificar se todo o sistema em cada país tem segurança, robustez." No fundo, trata-se de uma questão de confiança", afirma Henrique Martins. "Porque estou a partilhar dados de saúde dos meus cidadãos com outros países e tenho de ter a garantia de que eles têm um sistema robusto, seguro", conclui..Transformação digital e inovação tecnológica no Portugal eHealth Summit 2019.A partilha de informação de dados de saúde e das receitas eletrónicas do eHealth Network vai ser dada a conhecer no Portugal eHealth Summit 2019. A cimeira tecnológica na área da saúde vai já na terceira edição e realiza-se nos entre os dias 19 e 22 de março na Altice Arena - Sala Tejo e no PT Meeting Center, em Lisboa..O processo de transformação digital e a inovação tecnológica da administração pública na área da saúde são alguns dos temas em destaque no evento. "Reforçamos muito a participação de oradores internacionais", destaca Henrique Martins, que salienta a realização de uma conferência internacional de telemedicina com a participação de vários Estados membros da União Europeia, mas também do Brasil, com o qual a SPMS vai celebrar um protocolo de colaboração..Além das novidades na área da saúde digital, cibersegurança, estratégias dos sistemas de informação, o evento pretende também dar a conhecer os próximos desafios tecnológicos, sendo o principal objetivo a divulgação para o cidadão do que está a ser feito em Portugal, nomeadamente no SNS. "No ano passado, na semana do evento, tivemos um aumento de três a quatro vezes mais de pessoas a usar a área do cidadão do portal do SNS, a conhecer funcionalidades que não usavam por desconhecimento", refere Henrique Martins. Uma cimeira tecnológica que nesta terceira edição tem mais de sete mil inscritos - dados da semana que antecedeu o início do evento..Mais de 1800 médicos descarregaram nova aplicação móvel.Uma das novidades nesta área foi apresentada neste ano pelo governo. Chama-se Prescrição Eletrónica Médica. A aplicação móvel permite aos médicos passar receitas através do telemóvel. Mais de 1800 médicos já descarregaram a aplicação. Uma nova funcionalidade que será especialmente útil nos casos de consultas ao domicílio ou quando o médico se encontra longe do doente..Uma aplicação móvel que se junta às já existentes como a My SNS, que permite aceder aos serviços digitais da saúde nos dispositivos móveis, o My SNS Tempos, que dá a conhecer o tempo médio de espera nas instituições hospitalares do SNS, o My SNS Carteira, que reúne a informação de saúde do cidadão, entre outras.."Um SNS sem papel" é o objetivo.E um dos novos desafios na saúde digital é "terminar" o processo dos "exames sem papel". Como por exemplo em análises e TAC. "A ideia é a atingir os níveis que já temos nas receitas." Ou seja, esclarece Henrique Martins, "todos os dias cerca de 12% a 13% das pessoas" conseguem "sem qualquer folha de papel" levantar os seus medicamentos nas farmácias..São funcionalidades que o avanço tecnológico já permite, mas Henrique Martins reconhece que "os cidadãos não estão todos preparados para o digital". Assim como alguns médicos, apesar de dizer que são atualmente poucos. E essa inclusão, bem como a literacia digital, vai ser debatida no eHealth Summith desta semana. Até porque o objetivo é claro: "Chegar a um SNS sem papel."."Gostava de que 2020 fosse um ano de eliminação muito grande do papel", diz o presidente dos SPMS..Médicos queixam-se de "graves problemas informáticos".Embora haja avanços na saúde digital em Portugal, há problemas e as queixas dos médicos são recorrentes, quer no âmbito dos hospitais quer nos centros de saúde. O bastonário da Ordem dos Médicos chegou a falar em "graves problemas informáticos" no SNS. Num encontro com jornalistas, Miguel Guimarães deu um exemplo: "É muito excessivo o tempo que os médicos perdem com a utilização dos sistemas. Podem estar mais de uma hora sem conseguir usar o programa de prescrição, é uma coisa frequente.".Nesse sentido, o bastonário afirmou que iria apresentar uma "proposta concreta" aos SPMS, dando conta também do documento à ministra da Saúde, Marta Temido. "Lamentavelmente, ainda não apresentou", diz Henrique Martins. Pelo menos, até à semana passada não recebeu nenhum documento..Reconhece que as falhas de informática vão sempre existir, mas é importante perceber do que se está a falar, "se do software ou do computador que [os profissionais de saúde] têm à sua frente, que é antigo". O responsável afirma que tem de se continuar com o investimento na modernização dos equipamentos informáticos. "E tem sido feito um investimento muito grande nos últimos anos para substituir computadores muito antigos, mas de facto existia e há ainda uma infraestrutura que está velha e que tem de ser modernizada.".Investimento de cinco milhões para melhorar sistemas.O responsável do SPMS diz que nos últimos três anos foram comprados mais de 27 mil novos computadores para o SNS. "Isso chega? Não. Vamos ter de continuar o esforço de modernização do SNS ", assume..Salvaguarda que são números por alto, mas estima-se que "neste ano" vão ser gastos "mais de cinco milhões de euros só no esforço de melhoria dos sistemas que estão instalados nos hospitais e nos cuidados primários", revela o presidente dos SPMS.