Estou preocupada com o PSD
A tarefa de Rui Rio não era fácil: impor a sua orientação a uma bancada parlamentar escolhida pelo antecessor e na qual vários elementos não disfarçam a intenção de boicote; ressocial-democratizar um partido que no consulado anterior se encostou à direita e tem mesmo afloramentos alt-right; encontrar um discurso mobilizador.
Começou de mansinho. Sem grandes proclamações nem afrontamentos e sobretudo sem parecer querer ceder a demagogias e populismos, foi surpreendendo ao dizer coisas extremamente sensatas - como quando, ainda candidato à liderança, se recusou a capitalizar a tragédia dos incêndios de 2017 (ao contrário de Passos, que chegou ao ponto de falar de suicídios que não existiram)- e por vezes muito corajosas, como quando elegeu a justiça como um dos maiores problemas da democracia e se atreveu a enfrentar as corporações dos magistrados.
Depois da crispação e da radicalização passistas, Rio parecia ter escolhido, face a um PS aliado aos partidos da esquerda, seguir a estratégia de tentar disputar o centro com os socialistas e construir uma imagem de seriedade, serenidade e capacidade de diálogo quando o interesse do país o impunha, enquanto deixava a demagogia trauliteira para o CDS.
Parecia. Porque ultimamente parece pouco.
Com um cabeça-de-lista das europeias apostado em cavalgar todos os "casos" possíveis e imaginários e que deverá ter prometido ao santo da sua devoção dizer Sócrates a cada frase (não haverá melhor certificação de falta de assunto, desorientação programática e deriva populista que a de agitar o fantasma do ex-líder do PS a cada campanha); com uma mão-cheia de deputados a mascararem-se de Bolsonaro uivando contra as banais - e consagradas no plano aprovado pelo governo PSD-PP - sessões de promoção da igualdade nas escolas, apelando ao pior do preconceito e candidatando-se a um estágio de guerrilheiros do ódio no mosteiro medieval de Bannon; e, por fim, com a pirueta empranchada de mortal à retaguarda na contagem de serviço dos professores, a estratégia de Rio não se parece aliás com nada que se pareça com uma estratégia.
O homem que andou a repetir que não embarca em demagogias e golpes baixos, que usa como mote "ainda que todos, eu não" e que conta no seu passado com posições que só podem ser interpretadas como relevando de alguma ou mesmo muita indiferença face a conveniências conjunturais e da determinação de seguir a sua consciência, como a sua recusa de prestar vassalagem ao Futebol Clube do Porto quando candidato à autarquia, o seu voto em 1997, enquanto deputado, a favor da legalização da interrupção voluntária da gravidez e a sua participação, a favor do SIM, na campanha do referendo em 2007 - tem um Paulo Rangel aos uivos a surfar qualquer coisa que lhe cheire a azedo; foi confrontado pelo DN com uma rede de desinformação aparentemente ligada a um consultor que escolheu (e que já se demitiu, sem que a direção do partido tenha dito uma palavra para esclarecer o assunto e demarcar-se das práticas descritas); e perante a encrenca da contagem do tempo de serviço dos professores insiste em apresentar-se como vítima de uma manipulação de António Costa. Como se essa alegada manipulação tivesse podido sequer ser gizada se o PSD não se tivesse juntado ao CDS, BE, PCP e Verdes para aprovar aquilo. Das duas uma: ou Rio pode alegar que não sabia, o que sendo desastroso e expondo-o como um líder incapaz de pôr ordem nas tropas serviria para retirar a confiança aos deputados rebeldes, ou admitindo que estava a par, de acordo e que participou na decisão, não pode queixar-se de mais alguém que de si próprio (que estaria a pensar? Qual era o objetivo daquela votação? Adorava perceber).
Pelo meio de tudo isto, ainda comete o erro de fazer queixa à ERC de jornalistas do Expresso, alegando que "assumiram o papel de oposição" e publicaram "notícias negativas" e "sem contraditório". Algo que um líder político, por mais que sinta estar a ser injustiçado (coisa muito diferente de ser difamado), se deve coibir de fazer porque daí não virá decerto nada de útil: a ideia de que quer condicionar os media, aliás fama que Rio traz da sua passagem pela Câmara do Porto, prejudica-o decerto muito mais do que o poderia favorecer qualquer decisão do regulador que lhe desse razão (coisa de resto improvável).
Chegada aqui, suponho que quem me lê conclui que o título desde texto é irónico. Não é. Acho importante que o PSD se mantenha no campo da social-democracia, no qual situo Rio, e como um dos grandes partidos portugueses, porque é no centro-direita, e não à esquerda, que se trava a grande batalha contra os populistas da extrema-direita e o seu discurso de ódio.
O PSD deve ser um cordão sanitário contra essas forças; enfraquecido ou a assumir-lhes o discurso (como se viu o Partido Popular fazer em Espanha, com o resultado conhecido) não serve. Espero pois que o partido e o seu líder encontrem rapidamente um caminho minimamente estruturado e coerente que lhes permita manter o seu eleitorado tradicional e atrair novos eleitores. A social-democracia precisa de defensores; a democracia precisa do PSD. E Rio já demonstrou ter qualidades: convinha que puxasse por elas.