Quem é Thiele, o multimilionário que faz frente a Merkel e pode fazer falir a Lufthansa?
"Até que ponto está a senhora Merkel fora da realidade quando já não é permitido falar sobre determinados temas, como os refugiados? Merkel nunca foi uma democrata. Desde o início, como aprendeu na RDA, ela era uma autocrata! Este país está a enfrentar uma situação altamente crítica. Gostaria de ver mais resistência por parte dos cidadãos. A classe média é demasiado tolerante."
As críticas são de 2018, mas o antagonismo mantém-se. Heinz Hermann Thiele, multimilionário de 79 anos, entrou em nova e bem mais sonante controvérsia. Em jogo está a companhia aérea Lufthansa, uma das maiores do mundo.
O governo de coligação liderado por Angela Merkel propôs um plano de resgate da empresa de nove mil milhões de euros. Porém, Thiele apareceu como um poderoso opositor dessa solução.
A Lufthansa advertiu que o investidor milionário pode vir a bloquear o negócio com o Estado alemão. Na próxima quinta-feira, dia 25, vai realizar-se a assembleia geral da empresa e como se espera que a participação seja baixa, "o conselho de administração considera possível que o pacote de estabilização possa falhar", disse a Lufthansa em comunicado, tendo em linha de conta "as últimas declarações públicas do maior acionista único da empresa, Heinz Hermann Thiele".
"O conselho de administração apela urgentemente a todos os acionistas para que exerçam o seu direito de voto", acrescentou a administração da empresa.
Basta uma maioria simples, se mais de metade dos acionistas votarem; no entanto uma participação mais baixa aumenta a fasquia de aprovação para dois terços.
Na última reunião de acionistas, no início de maio, a participação foi de 33%.
Thiele é um dos homens mais ricos da Alemanha, com uma riqueza estimada em 15,3 mil milhões de dólares pela Forbes. Nascido em plena Alemanha nazi, em 1941, é um self made man que surpreendeu todos ao aproveitar a desvalorização das ações da Lufthansa para se tornar acionista da empresa. E em apenas três meses no principal acionista, com 15,2%.
O aumento da participação no capital da Lufthansa remonta ao início de março, quando as ações da Lufthansa perderam valor na bolsa em resultado do abrandamento do tráfego aéreo devido à propagação do coronavírus na China. Como experiente homem de negócios, Thiele tirou partido dos preços de venda, primeiro comprando uma quota de 3%, que subiu para 5% e depois duplicou para 10%, até ao novo salto em maio, para 15,52%,
O empresário só anunciou que tinha aumentado a sua participação na Lufthansa para 15%, num investimento estimado em 250 milhões de euros, na terça-feira à noite, numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. E fê-lo ao mesmo tempo que criticou a gestão do grupo e o pacote de resgate planeado.
Casado, com dois filhos, Thiele licenciou-se em Direito, tendo entrado no final dos anos 60 para o departamento jurídico da Knorr-Bremse, a empresa líder mundial em sistemas de travagem para veículos ferroviários e comerciais. Cerca de duas décadas depois, em meados da década de 80, assumiu o controlo da empresa.
Em 2007, retirou-se das funções operacionais mas continuando a presidir ao conselho fiscal. Em 2016, foi nomeado presidente honorário e a empresa foi cotada na bolsa em 2018.
Thiele detém igualmente 50% do fabricante de equipamento ferroviário Vossloh.
Em termos políticos, Thiele não esconde a oposição a Angela Merkel. Mais do que uma vez manifestou-se contra a chanceler Angela Merkel, de quem foi um dos opositores mais críticos da abertura da Alemanha aos migrantes, mas também contra as sanções impostas à Rússia.
Sobre a sua jogada na Lufthansa, um amigo diz ao Handelblatt: "Thiele é um empresário conservador de valores. E a Knorr-Bremse não é suficiente para ele, ele também quer mostrar à Lufthansa como é importante o verdadeiro empreendedorismo."
O plano de ajuda do governo à Lufthansa, no valor de 9 mil milhões, está agora na corda bamba.
Parte dos nove mil milhões de euros do pacote de ajuda é uma participação passiva do governo no montante de 4,7 mil milhões de euros, que é classificada como capital próprio. Por outro lado, o governo alemão está comprador, por 300 milhões de euros, de 20% da empresa. Se o plano for aceite, o Estado alemão receberá uma participação na companhia aérea europeia com o maior volume de negócios a um preço preferencial, a uma fração do que Thiele pagou.
Segundo fontes ouvidas pelo Handelsblatt, esse aproveitamento das circunstâncias pelo Estado perturba o empresário. Também na entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, o empresário duvidou da adequação de um Estado ser em geral o proprietário certo.
"Na minha opinião, nem todas as possibilidades foram esgotadas", disse também na entrevista. "A Lufthansa não precisa de qualquer participação estatal para a reestruturação e recuperação", afirmou.
Ou seja, Thiele poderá assumir a iniciativa da recuperação da empresa com cinco mil milhões de euros e o Estado ficaria de fora.
Contudo, a administração da Lufthansa alertou para as consequências de um eventual veto na assembleia geral: "Isto significaria que a Lufthansa teria possivelmente de requerer, num futuro próximo, um processo de proteção ao abrigo da lei da insolvência.
Tendo em conta o seu peso enquanto acionista principal, o sentido de voto será decisivo. Se rejeitar o pacote, o acordo com o governo fica sem efeito. A administração da Lufthansa teria de declarar a insolvência e estaria confrontada com créditos que não conseguiria cumprir. Neste caso, o grupo irá avançar tenciona solicitar o chamado procedimento de salvaguarda, ou seja, uma reestruturação por iniciativa da própria empresa..
Para Thiele o cenário da insolvência não é necessariamente mau: "Isto também pode abrir novas oportunidades, mesmo que o risco esteja naturalmente a aumentar."
Quando disse ao Frankfurter Allgemeine Zeitung que a administração da companhia aérea "podia ter negociado mais duramente" com Berlim sobre o pacote de resgate, Thiele estava a querer negociar antes da assembleia geral de dia 25. "É concebível que possamos discutir e esclarecer onde ainda há margem de manobra", disse.
No entanto, para o ministro da Economia, o social-democrata Olaf Scholz, não há mais nada a dizer sobre o tema. "As negociações terminaram", afirmou, em resposta às exigências de Thiele, pelo que não é possível alterar o pacote de resgate, que considera "uma solução boa e equilibrada".
Scholz disse também não temer um fracasso do plano de resgate, antevendo como certa a aprovação dos acionistas.
Thiele indicou outras companhias aéreas europeias, como a Air France/KLM, que receberam auxílios estatais sob a forma de empréstimos e não de participações do Estado.
Com os membros nomeados pelo governo em torno da mesa do conselho fiscal no âmbito do plano de resgate da Lufthansa, as medidas de reestruturação consideradas necessárias, como a supressão de postos de trabalho, poderiam ser dificultadas ou mesmo bloqueadas, argumentou Thiele.
O grupo já alertou para a necessidade de reduzir 22 000 postos de trabalho a tempo inteiro num total de 135 000 a nível mundial, uma vez que se espera que a procura se mantenha muito abaixo dos níveis anteriores à pandemia durante os próximos anos.