A liberdade de um deputado

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Quando votei a favor da possibilidade de adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, afastando-me do sentido de voto maioritário do meu partido, não invoquei o argumento da liberdade de consciência. Como expliquei numa declaração de voto, o voto não era desconforme com o programa eleitoral com que o partido se tinha apresentado, era coerente com as minhas posições de sempre, e seguia uma linha argumentativa compatível com o espaço político da direita. Por toda a Europa, deputados e partidos de direita votavam de forma semelhante.

Não usei esse argumento porque me parece insuficiente no nosso sistema. Sendo eleitos em listas plurinominais, apresentando-se com um programa eleitoral, os deputados devem ponderar na hora de votar outros aspetos para além da sua consciência, desde logo as suas posições públicas, os manifestos eleitorais, tudo aquilo que tenha criado expectativas nos eleitores.

É perfeitamente normal que um deputado pondere, no momento da votação, esses aspetos. E recuso-me a achar que essa ponderação representa um atentado à liberdade, um atropelo à consciência. Faz parte do seu processo decisório. É preciso mais do que a consciência.

Não me interpretem mal: em última instância, é a consciência do deputado que deve nortear o seu sentido de voto, porque é a ela que os deputados são fiéis. O que penso é que a questão de consciência não é um argumento completo, irrebatível, se o voto representar, de alguma forma, uma surpresa, um desvio ao que estiver expresso no programa eleitoral (expresso quer dizer expresso, não sujeito a interpretações diversas). Isso não retira legitimidade ao voto, mas mostra como o exercício do mandato não é daquelas coisas muito simples, branco e negro, chegar lá e votar.

Por vezes, quando alguém de esquerda elogiava aquele meu voto com as questões de consciência, numa espécie de acusação à direita castradora, ou criticando os deputados que pensando de forma semelhante à minha optaram por outro sentido de voto, fazia questão de devolver: se um deputado do Bloco, sem nunca ter dado sinal de ter essa opinião, e indo contra o programa eleitoral do partido, tivesse votado contra a adoção, invocando a liberdade de consciência, a vossa reação seria a mesma?

Como é evidente, e como infelizmente sucede em questões de liberdade, a mediática glorificação das questões de consciência só acontece quando a consciência dita um sentido de voto que de alguma forma satisfaz a maioria mediática. Se satisfaz, é a liberdade em seu esplendor. Se não satisfaz, é o quê? É o que agora se vê no Livre com Joacine Katar-Moreira.

Não faço ideia quem tem razão e quem não tem, e pode haver um conjunto de argumentos para retirar a confiança política a Joacine. Não é o meu ponto. O meu ponto é mostrar que o argumento da liberdade de consciência, sendo relevante, é insuficiente para fundamentar o exercício do mandato. Como a esquerda agora descobre.

Advogado

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