Douglas Murray: "A nossa sociedade acolheu uma série de ideias radicais sem as interrogar devidamente"
Em 2017, após ter percorrido alguns países e visitado os campos de refugiados na Grécia, Douglas Murray publicou A Estranha Morte da Europa, um best-seller no qual pôs em causa ideias feitas sobre a política de imigração na Europa e os efeitos da mesma na identidade e na cultura do continente.
O livro valeu-lhe elogios pela crítica ao modelo de migração em massa e do multiculturalismo enquanto resposta a um sentimento de culpa e de vazio espiritual dos europeus. O escritor e editor da revista Spectator também foi acusado de ter uma visão preconceituosa e xenófoba e de ter dado argumentos a um líder autoritário como o húngaro Viktor Orbán, que destacou a obra do inglês na sua conta de Facebook.
Murray, ateu e homossexual, faz parte do grupo informal Intellectual Dark Web, conservador e antipoliticamente correto. E como não se furta a uma boa polémica, regressa agora com A Insanidade das Massas. Um livro que tem como objetivo desmistificar a natureza das atuais lutas de justiça social, que começaram como "legítimas campanhas de direitos humanos" e que descarrilaram no que o autor considera ser a doutrinação de uma nova metafísica ou nova religião através das grandes empresas tecnológicas. Conclui: "Apesar de a igualdade racial, os direitos das minorias e das mulheres se encontrarem entre os melhores produtos do liberalismo, constituem as fundações mais desestabilizadoras. Tentar que sejam a fundação é como virar um banco de bar e tentar equilibrar-se em cima dele."
Antes de ter escrito A Insanidade das Massas assinalou o paradoxo de os políticos da era das redes sociais não dizerem o que pensam. Por outro lado, afirma no livro que um novo consenso nos diz para aceitarmos opiniões da interseccionalidade veiculadas nas mesmas redes sociais e nos meios de comunicação social. Porque devemos preocupar-nos com isso?
É claro que tudo isto pode ficar para trás na crise atual. Quando as pessoas enfrentam uma crise real as imaginárias tendem a ficar para trás. E temos vindo a sofrer ultimamente muitas crises imaginárias. Em particular a ideia de que as sociedades mais livres do mundo são, de alguma forma, as mais opressoras. Que as sociedades com direitos mais igualitários são, de facto, as mais "patriarcais". Que as sociedades mais diversas etnicamente e tolerantes são, de facto, as mais "racistas". O problema, tal como exponho no livro, é que nos últimos anos a luta por "questões de justiça social" não tem sido apenas uma questão de rendimentos decrescentes, mas (não por acaso) de volume crescente. Assim, os políticos e outros que dizem coisas que são do senso comum, verdadeiras e aceites pela maioria do público, são intimidados por ativistas muito agressivos e extremistas. Estes ativistas procuram impor uma teoria "interseccional" ao mundo. A teoria não só é intelectualmente insípida e contraditória, como demonstro, como nunca foi aplicada com sucesso em parte alguma. No entanto, governos, empresas e outras entidades em todo o mundo têm tentado levar a cabo esta experiência não testada, impraticável e fraturante.
Uma vez comparou interseccionalistas num jogo de Lego em que pensam que podem encaixar gays, mulheres, negros e outras minorias. Qual é o problema: as peças não encaixam ou algumas pessoas estão a jogar com Meccano e pensam que é Lego?
A beleza de desmontar um pensamento tão pobre é que as suas contradições são bastante óbvias. Os interseccionalistas estão a testar um jogo que não pode ser ganho. Por exemplo, fingem que todas as opressões "se entrelaçam" e que para enfrentar uma é preciso enfrentar todas. Mas os direitos trans, por exemplo, são claramente contrários não só aos direitos dos homossexuais, mas também (o que é mais significativo) aos direitos das mulheres. Será isto resolúvel? Possivelmente, mas não nos termos que estes militantes imaginam. O plano é ignorar as contradições da sua própria teoria. Ou então, um dos outros jogos em voga - o jogo dos "privilégios". Quem tem privilégio, como pode ser ponderado e avaliado? Este jogo convida-nos a ponderar o nosso privilégio e a dar algum do nosso tempo, riqueza e voz àqueles que têm menos. Mas esta hierarquia é mal definida, impraticável e não tem em conta o facto de as hierarquias mudarem constantemente. Por exemplo, agora ouvimos falar muito de "privilégio branco". Será que um homem branco desempregado tem ou não esse privilégio? Onde está uma tal pessoa em comparação com uma mulher negra rica? Mais uma vez, o que vemos é uma ideologia que finge procurar justiça e que, na realidade, prossegue uma agenda que é, entre muitas outras coisas, racista e altamente facciosa.
Acusa a Google de utilizar a ferramenta Aprendizagem da Justiça pelas Máquinas para extirpar os preconceitos das pessoas, mesmo que isso "sacrifique a verdade". Pode explicar?
Penso que muitas pessoas desconhecem até que ponto empresas da internet como a Google influenciam agora aquilo que somos capazes de saber. Não se trata de uma conspiração, mas de um facto demonstrável - como expus num capítulo sobre este assunto no livro - que a Google e outros estão a tentar moldar socialmente a população na linha dos combatentes da justiça social. Estão a manipular o passado e o presente para tentar encaixar as suas opiniões dominantes de "combatentes da justiça social" preexistentes. Trata-se de um grande esforço de "reeducação" ou de "deseducação". É insidioso e espero que mais pessoas tenham agora consciência disso.
Dá exemplos de extremismo o discurso de ódio das feministas da nova geração contra os homens, os estudos sobre brancos nas universidades e o direito de qualquer homem a considerar-se mulher (e vice-versa) e, a partir daí, ser tratado como do outro sexo. Que mal vem ao mundo?
Penso que o feminismo da quarta vaga se tornou, em grande parte, dominado pelo ódio ao homem (misandria). Slogans como "Matem todos os homens" e "Os homens são lixo" não são piadas. São usadas sinceramente por feministas da quarta vaga que decidiram que gostariam de passar da igualdade para uma forma em que "as mulheres são melhores do que os homens e os homens são o inimigo". Penso que o seu ideal não só é chocante e anti-humano, como é profundamente autodestrutivo. As feministas mais antigas consideram-nas, com razão, uma vergonha. A igualdade de género que as feministas da primeira e da segunda vaga lutaram não tem nada que ver com esta última variedade de feminismo. O mesmo se passa com a cartada racial que, sob o pretexto dos estudos universitários, inventaram coisas como "estudos da branquitude", uma "disciplina" dedicada à "problematização" dos brancos. Também estas são pessoas que não querem a igualdade racial como eu e a maioria das outras pessoas querem. Querem que não sejamos iguais, e que menosprezemos os brancos durante algum tempo como uma espécie de ato de vingança. Quanto à questão trans: escrevo sobre isto de uma forma extremamente cuidadosa e compreensiva. Tentei ponderar quais as afirmações dos trans que são plausíveis e quais as que são simplesmente falsas, loucas e socialmente desvairadas. Para mim, as pessoas podem viver o que quer que seja que as faça felizes. Mas não estou disposto a fingir que o género não existe, que homens e mulheres não têm diferenças, e penso que há algo profundamente desmoralizante numa sociedade que alinha com tais inverdades apenas em nome de uma vida pacífica. A sociedade acolheu uma série de ideias radicais sem as interrogar devidamente. Como escritor, considero que faz parte do meu dever olhar para questões tão difíceis e interrogá-las honesta e abertamente porque tantas outras pessoas não se atrevem a fazê-lo.
Citou o trabalho de um marxista, Ernesto Laclau, como precursor do movimento interseccional. Estes grupos estão a ser usados para dividir a sociedade? Não têm motivos para reivindicar os seus direitos como os trabalhadores o fazem há décadas?
Creio que muitos marxistas ficaram sem energia nas últimas fases da desastrosa experiência comunista. Não conseguiram perceber por que razão as suas revoluções em todo o lado não só falharam como foram fracassos cruéis. Alguns destes marxistas chegaram a acreditar que, uma vez que as classes trabalhadoras tinham sido tão desleixadas, os novos revolucionários podiam ser grupos minoritários, incluindo minorias sexuais e raciais e mulheres. Eram explícitos quanto ao facto de quererem utilizar questões sociais como aríetes para derrubar as sociedades. Penso que, entre muitas outras coisas, estes revolucionários precisam de ser mais bem compreendidos - e expostos - devido a esta pretensão.
Porque se deve ouvir um "branco privilegiado" e conservador que beneficia de um sistema de "patriarcado"?
Ninguém tem o direito de julgar onde alguém (incluindo eu próprio) se encontra em qualquer hierarquia de privilégios. De vez em quando tenho sido repreendido sobre o meu "privilégio". Na maioria das vezes, por figuras de esquerda que têm muito mais dinheiro e poder do que eu tive na maior parte da minha vida. Tenho pena de quem pensa que pessoas como eu, que trabalharam durante toda a vida, são "privilegiadas" simplesmente por causa da cor da pele. Penso que muitas das pessoas hostis ao "privilégio" procuram simplesmente obter privilégios próprios, tentando silenciar as pessoas que conseguiram mais do que elas. E não posso deixar de reparar como muitas dessas pessoas são preguiçosas.
A sua mensagem sofreu tentativas de ser silenciada?
Nenhuma tentativa de me silenciar ainda foi bem-sucedida, e não vejo nenhuma a resultar tão cedo. Os protestos e os ataques de que sou alvo são risíveis e são as coisas menos prováveis no mundo para me intimidar ou silenciar.
A Insanidade das Massas - Como a Opinião e a Histeria Envenenam a Nossa Sociedade
Douglas Murray
Ed. Desassossego
288 págs.
18,80 €