Netanyahu extrema posições antes do tira-teimas
É uma frase feita quando se diz que Benjamin Netanyahu joga a sobrevivência política nas eleições legislativas. Como líder da oposição, ministro ou chefe do governo, o líder do Likud (direita) faz parte da paisagem política de Israel desde os anos 1990, exceto um período entre 1999 e 2002, na sequência da derrota eleitoral que sofreu. Desta vez, porém, o sufrágio de terça-feira ocorre numa situação de particular fragilidade para Netanyahu.
Nas eleições de abril, o Likud cimentou a sua posição no Knesset (o Parlamento israelita), mas a aliança centrista e liberal Azul e Branca, dirigida por Benny Gantz, alcançou igual percentagem (menos 0,33%) e número de deputados, 35. À sombra projetada pela oposição à esquerda somou-se à direita um falhanço histórico: Netanyahu não conseguiu formar uma coligação governamental e, pela primeira vez na história do Knesset, este foi dissolvido sem que um governo tivesse chegado a formar-se.
O antigo militar, de 69 anos, tem feito um pouco de tudo para conquistar o voto à direita. Na segunda-feira apareceu nas televisões a acusar o Irão de ter construído um local secreto de fabrico de armas nucleares ao sul de Isfahan.
"Nesse local, o Irão realizou experiências para desenvolver armas nucleares, mas quando percebeu que tínhamos descoberto esse local, eis o que eles fizeram: destruíram-no, apagaram-no do mapa", disse Netanyahu. Uma fatia muito significativa do eleitorado dá prioridade à segurança nacional. No entanto, a oposição acusou-o de propaganda eleitoral.
Ainda no mesmo dia, o chefe do governo de gestão propôs a introdução de câmaras de vigilância nas assembleias de voto, tendo justificado a medida para combater a fraude eleitoral.
Não há razão para que aqueles que querem eleições reais se oponham ao projeto de lei da câmara para evitar fraudes", disse Netanyahu. Para a oposição, a ideia visa intimidar os árabes israelitas. Na quarta-feira, Ayman Odeh, o deputado que encabeça a Lista Unida (de partidos árabes e comunistas), acompanhou de perto Netanyahu a descer a tribuna, de telemóvel na mão. "De repente ele tem um problema com as câmaras", escreveu no Twitter.
"A única fraude no nosso sistema político é Netanyahu", respondeu Benny Gantz, o líder da oposição, em alusão às várias investigações de que é alvo.
"Está a lutar pela sua sobrevivência, para não ter de enfrentar a justiça. Esta é uma guerra pessoal", disse à AFP Gideon Rahat, professor de Ciência Política na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Mas há mais: uma semana antes das eleições, Netanyahu apelou ao voto dos 400 mil colonos ao prometer a anexação do vale do Jordão (cerca de 30% da Cisjordânia ocupada) caso seja eleito.
A parada aumentou na véspera do escrutínio. "Pretendo estender a soberania a todos os colonatos e bairros (colonatos)" na Cisjordânia, incluindo "locais que tenham importância de segurança ou que sejam importantes para a herança de Israel", disse Netanyahu numa entrevista à Rádio do Exército de Israel. Essa promessa inclui especificamente o enclave judaico em Hebron.
As redes sociais também não ficaram de fora. Na conta do Facebook do primeiro-ministro leu-se: "Os árabes querem destruir-nos a todos." A mensagem foi depois apagada e 'Bibi' disse que o autor da tirada foi um funcionários da campanha.
Se Donald Trump é usado nos cartazes como um ativo para a sua política -- reconheceu Jerusalém como capital e a soberania de Israel em relação aos Golã sírios --, os últimos dias não correram particularmente bem na aliança entre Telavive e Washington. O presidente dos EUA manteve-se em silêncio no que respeita à ideia de anexar o vale do Jordão.
Por outro lado, o despedimento do conselheiro de Segurança Nacional John Bolton poderá tornar mais viável um encontro de Trump com o presidente iraniano Hassan Rouhani dentro de duas semanas, o que é inaceitável para a linha dura israelita. Por fim, o site Politico revelou que os serviços secretos israelitas tinham plantado aparelhos de vigilância capazes de intercetar conteúdos das chamadas em redor da Casa Branca e de outros locais sensíveis na capital dos EUA.
As últimas sondagens realizadas antes do dia das eleições mostram um empate técnico entre o partido de Netanyahu e a coligação Azul e Branca, liderada por Benny Gantz. No entanto, cerca de 10 partidos podem chegar ao Knesset, caso ultrapassem a fasquia de 3,25% dos votos. As sondagens mostram um crescente apoio a partidos de direita, o que poderá ser um trunfo na hora de fazer alianças. Nas eleições de abril, Likud e Azul e Branca empataram ao eleger 35 deputados. Em 71 anos partido algum obteve uma maioria absoluta, o que torna as coligações pós-eleitorais fulcrais. As negociações podem durar semanas.
O Likud conquista a maioria dos lugares em conjunto com os três partidos de direita e religiosos que já declararam o seu apoio. Com pelo menos 61 deputados em 120, Netanyahu teria caminho aberto para permanecer no poder -- inclusive aprovando legislação que asseguraria imunidade parlamentar ao chefe do governo. O procurador-geral de Israel, que anunciou a sua intenção de acusar Netanyahu em três investigações de corrupção, deverá decidir se o acusa formalmente até ao final do ano. Antes, em outubro, está prevista a realização de audiência preliminar, na qual Netanyahu se poderá defender.
Com uma maioria parlamentar, Netanyahu poderá manter a sua política dura em relação ao regime iraniano e promovendo a expansão dos colonatos na Cisjordânia, tornando cada vez mais inviável a solução dos dois Estados.
Na quarta-feira, o presidente de Israel Reuven Rivlin consulta os líderes partidários, perguntando-lhes quem apoiariam para o cargo de primeiro-ministro. Nas úlltimas eleições, em abril, Netanyahu não conseguiu reunir apoios para uma coligação maioritária no prazo de 42 dias previstos. E em vez de arriscar que Rivlin nomeasse outra pessoa para fazer uma tentativa, Netanyahu optou por voltar às urnas.
Se for escolhido de novo pelo chefe de Estado, e enfrentar novo impasse, Netanyahu poderá ser tentado a expandir os seus apoios além dos partidos religiosos e de extrema-direita para formar um governo de unidade nacional. Nesse cenário, seria mais natural propor um acordo com o líder da oposição. Porém, é um cenário improvável: Benny Gantz já avisou que não se juntaria a um governo liderado por Netanyahu, tendo alegado as possíveis acusações de corrupção contra Netanyahu.
Se Netanyahu falhar de novo na formação de um governo, o seu próprio partido poderia afastá-lo para preparar o caminho para uma coligação governamental entre o Likud e a aliança Azul e Branca de Gantz. Ninguém no Likud até agora abordou publicamente tal ideia. Mas tudo pode mudar se o chefe do governo e do partido não conseguir materializar uma coligação.
Se os partidos de centro e de esquerda obtiver uma maioria no Parlamento, Gantz poderá chefiar um governo que inclua o seu próprio partido, bem como o Partido Trabalhista e o recém-formado Campo Democrático (união do Meretz e do Israel Democrático, do ex-primeiro-ministro Ehud Barak), que se afirma ambientalista e secular. Seria a primeira vez desde a década de 1990 que a esquerda controlaria o Knesset. Mas as sondagens não mostram grande probabilidade de tal cenário, com o eleitorado em contínua deslocação para a direita, .
Se uma coligação de esquerda se formasse, seria provável que as conversações de paz com os palestinianos ganhassem nova vida, bem como poderia olhar de outra forma para o acordo nuclear celebrado entre as potências mundiais e o Irão.
Se nenhum candidato conseguir formar um executivo, Israel iria para novas eleições. Porém, é natural que os deputados façam tudo o que estiver ao seu alcance para evitar um terceiro voto num espaço tão curto de tempo.