Terceira noite de tensão na Catalunha. Sánchez não exclui qualquer cenário

Protestos em Barcelona marcados pelo incendiar de barricadas e de caixotes de lixo, que alastraram para alguns veículos estacionados. Primeiro-ministro pressionado pela oposição do PP e Ciudadanos a aplicar o artigo 155.º da Constituição e suspender autonomia da Catalunha.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, afirmou esta quarta-feira que não exclui "qualquer cenário na Catalunha", que está "tudo previsto" e, se for necessário, atuará com "firmeza, proporcionalidade e unidade". Contudo, segundo o líder do Podemos, Pablo Iglesias, e o do Ciudadanos, Albert Rivera, o socialista não considera oportuno para já aplicar o artigo 155.º da Constituição e suspender a autonomia da Catalunha.

Na Catalunha, e pela terceira noite consecutiva, houve protestos nas ruas, com 33 pessoas detidas e 80 feridos durante mais de cinco horas de violência. Desta vez, com 45 barricadas a arder, dez veículos queimados, além de se ter registado o arremesso de ácido e de cocktails molotov contra as autoridades e até o lançamento de artefactos pirotécnicos contra um helicóptero policial. Foi a reação à sentença dos líderes independentistas, condenados na segunda-feira a penas entre os 9 e os 13 anos de prisão por sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência.

"Faço um apelo à calma e à serenidade. O movimento independentista não foi nem é violento", disse o presidente da Generalitat, Quim Torra, numa reação aos acontecimentos da noite. "É normal e bom protestar por umas sentenças injustas e absolutamente aberrantes. As marchas de hoje são um magnífico exemplo", indicou Torra, que liderou uma dessas marchas, apontando a violência a um grupo de infiltrados. "Não se pode permitir que um grupo de infiltrados prejudiquem a imagem do independentismo", explicou.

Torra reiterou que "os protestos têm que ser pacíficos" e não se podem permitir "estes incidentes que estamos a ver". E pediu: "Isto tem que acabar agora mesmo".

Durante a noite, grupos radicais assumiram o controlo de um troço de quase um quilómetro da Gran Vía. Pouco antes das 23.00, a polícia abandonou o local, com os grupos de encapuzados a gritar "ganhámos" e cânticos de "Liberdade para os presos políticos".

Os manifestantes concentraram-se primeiro junto ao ministério regional do Interior, convocados pelos Comités de Defesa da República (CDR) lançando papel higiénico, pedras e petardos contra os Mossos d'Esquadra (a polícia catalã), que avisou no Twitter que a sua intervenção estava iminente, falando de um "grupo reduzido de pessoas com atitudes violentas". Minutos depois, realizavam-se as primeiras cargas policiais.

Os manifestantes -- segundo a polícia eram 22 mil -- pediram a demissão do conselheiro do Interior, Miquel Buch, que defendeu durante a tarde a atuação dos Mossos durante os protestos, culpando grupos minoritários de agitadores pela violência que tem ocorrido durante as manifestações. Por prevenção, foi mobilizado para o local o camião da polícia equipado com um canhão de água anti-distúrbios, que nunca foi usado na Catalunha.

Esses mesmos grupos, cujos membros surgiram de cara tapada, voltaram a sair durante a noite, incendiando várias barricadas em várias ruas da cidade, com o fogo a alastrar a alguns veículos estacionados.

33 pessoas foram detidas e registaram-se 80 feridos nos protestos em toda a Catalunha. Uma dezena de carros terão sido queimados, havendo notícia de pelo menos 45 incêndios em simultâneo.

A polícia assegura, segundo o La Vanguardia, que os manifestantes lançaram ácido e pedras de grandes dimensões contra a linha policial na praça Tetuan. Os Mossos, segundo o El País, denunciam ainda que estes grupos radicais lançaram material pirotécnico contra o helicóptero da polícia que sobrevoa a zona.

Os protestos não ocorreram só em Barcelona, com o relato de que pelo menos dois manifestantes terão sido atropelados pelos carros dos Mossos d'Esquadra em Tarragona. (Atenção que o vídeo pode ferir a suscetibilidade dos leitores). Um dos atropelados será um jovem de 17 anos, que foi transportado para o hospital com várias contusões.

O Ministério Público anunciou entretanto que pediu prisão sem fiança para quatro detidos nos protestos de terça-feira na capital catalã e que o juiz acedeu a essa medida cautelar.

Sánchez deixou aviso

O primeiro-ministro esteve reunido com o líder do Partido Popular (PP), Pablo Casado, recebendo depois Iglesias e Rivera. No encontro com Casado, o primeiro-ministro disse que "não exclui qualquer cenário e atuará, se for necessário, com firmeza, proporcionalidade e unidade", segundo fontes governamentais citadas pela agência noticiosa espanhola EFE.

Ao final do dia, o próprio Sánchez transmitiu a sua tomada de posição. "Diante dos atos violentos o governo reitera que não vai consentir que a violência se imponha à convivência", disse o primeiro-ministro. "O governo atua para garantir os direitos plenos e a manutenção da ordem na Catalunha", acrescentou, agradecendo o trabalho das forças de segurança.

Sánchez deixou ainda um aviso. "A sociedade catalã, o conjunto da sociedade espanhola, devem saber que o governo de Espanha considera todos os cenários e responderá com três regras: firmeza democrática, unidade dos partidos políticos e proporcionalidade na resposta".

"A única esperança dos grupos violentos é que nós cometamos erros. Querem-nos exaltados e divididos", afirmou o primeiro-ministro, reiterando que pediu "união" aos líderes da oposição. "Devem-nos encontrar como exige a gravidade do momento: firmes, serenos e unidos".

Sánchez, em direto do palácio da Moncloa, deixou ainda um apelo ao presidente da Generalitat, Quim Torra. "tanto ele como os membros do seu governo têm o dever moral de condenar sem desculpas nem paliativos o uso da violência na Catalunha." O primeiro-ministro disse ainda acreditar que "Torra governa cada vez mais para um radicalismo", lembrando que o independentismo "apesar de ser importante, não é maioritário, como reconhecem alguns partidos independentistas".

O primeiro-ministro anunciou a criação de um comité que reúne vários ministérios para dar resposta à crise na Catalunha, sendo que o ministro do Interior será o porta-voz. E reiterou que "qualquer diálogo tem que ser feito respeitando a lei".

"Estou convencido que vamos superar estes episódios de violência. E que não fique dúvida alguma de que mais cedo do que tarde se restabelecerá a convivência na Catalunha", acrescentou.

O primeiro-ministro deixou ainda claro que o governo tem informação sobre a plataforma Tsunami Democràtic, que esteve por detrás do bloqueio do aeroporto de El Prat, na segunda-feira.

Casado defende 155.º

Em conferência de imprensa, depois de se reunir com Sánchez, o líder do PP declarou: "Saio desta reunião com a preocupação de que o imprevisível ultrapassou Pedro Sánchez. E por isso disse-lhe que conta com todos os mecanismos, instrumentos do Estado de direito, para fazer frente a uma escalada de violência inadmissível"

"Para ser credível, o que tem que fazer, em primeiro lugar, como secretário-geral do PSOE é romper com os acordos institucionais que existem em mais de 40 autarquias e em Barcelona, onde está a governar com o Junts per Catalunya e a Esquerda Republicana da Catalunha. E nalguns casos com a necessidade de abstenção da Candidatura de Unidade Popular. Isto se quiser que os constitucionalistas estejam juntos na hora de enfrentar o desafio independentista. O que tem que fazer é romper com eles nas instituições e aliar-se a nós", afirmou.

"Em segundo lugar", sublinhou Casado, "voltei a recordar-lhe, que antes dos acontecimentos que vivemos ontem e anteontem e os que hoje se estão a viver nas infraestruturas básicas do Estado, o governo deve aplicar já a lei de Segurança Nacional, para que Quim Torra não esteja, em momento algum, na cadeia de comando da segurança e das políticas de Segurança Interna na Generalitat".

O líder do PP continuou: "Em terceiro lugar, defendi que a procuradoria-geral tem que atuar de imediato, em relação ao presidente do Parlamento catalão, outros membros da Generalitat e o próprio presidente da Generalitat, por incitarem à desordem pública e à desobediência, inclusivamente por estar a participar, neste momento, em sabotagens a infraestruturas do Estado juntamente com os violentos. Considero também que a procuradoria-geral deve atuar já, contra os Comités de Defesa da República (CDR) e o Tsunami Democràtic, pelos delitos de estragos, desordem, atentados contra a autoridade, que o código penal especifica muito claramente nos seus artigos 346, 560 e 550".

O líder da oposição espanhola indicou ainda que pediu ao primeiro-ministro em funções que dê início aos procedimentos para voltara a ativar o Artigo 155.º da Constituição espanhola, como fez no passado Mariano Rajoy, no sentido se suspender a autonomia da Catalunha e passar para o Estado central o governo de todos os assuntos daquela região. "Pedi ainda que o Conselho de Ministros envie ao presidente da Generalitat um requerimento para que proceda ao cumprimento das suas obrigações constitucionais e legais e à cessação dos seus atos gravemente contrários ao interesse geral de Espanha".

Na sexta-feira, está marcada uma greve geral na Catalunha.

Numa reação já ao discurso de Sánchez, ao final da noite, Casado reiterou que há dias que diz ao governo que pode contar com o apoio do PP para garantir a ordem pública. "Mas não o está a fazer. Se não o faz, tenho que continuar a apoiar a inação do governo? Terei que mandar uma mensagem de tranquilidade. Em apenas três semanas há uma alternativa que garante que haverá ordem nas ruas da Catalunha", afirmou, citado pelo jornal ABC.

Iglesias pede diálogo

O líder da aliança Unidas Podemos, Pablo Iglesias, esteve reunido durante mais de uma hora com Pedro Sánchez, defendendo o diálogo na Catalunha.

"A minha impressão é que o governo em funções não tem pensado tomar qualquer medida de excecionalidade", afirmou aos jornalistas Iglesias, após o encontro, dizendo apoiar "todas as iniciativas para acalmar" a situação. "O Código Penal e o 155.º não podem resolver o problema na Catalunha", referiu.

"Acho que a inteligência, a tranquilidade e a sensatez são os princípios que devem orientar a ação política para solucionar um conflito. Alguns podem ver-se atraídos pelos interesses eleitorais. O que a Catalunha precisa é empatia, é diálogo e procurar soluções políticas no marco da lei", acrescentou o líder da aliança Unidas Podemos.

Segundo o La Vanguardia, o primeiro-ministro transmitiu a Iglesias a "importância da unidade de ação" para enfrentar a situação na Catalunha, assegurando que "não descarta nenhum cenário", como já tinha dito a Casado.

Rivera fala em "emergência nacional" e pede demissão de Torra

O líder do Ciudadanos, Albert Rivera, foi o último a reunir-se esta quarta-feira com Sánchez, tendo defendido que devia ter sido uma reunião a três, junto com Casado. "A situação na Catalunha merece que estejamos juntos e de mão dada. Acho que é uma questão de Estado e é preciso resolvê-la como uma coisa de Estado", afirmou no final do encontro.

Rivera disse a Sánchez estar preocupado "porque na Catalunha está a viver-se no medo", alegando que a situação é de "emergência nacional".

O líder do Ciudadanos indicou ainda estar disposto a estar ao lado do Governo porque "acho que um patriota tem que estar ao lado do Governo", defendendo contudo que este deve estar disposto "a usar todos os recursos do Estado de Direito para garantir a convivência na Catalunha".

Rivera pediu o reforço da segurança. "O tsunami precisa de mais guardas civis, mais polícias. Pedi ao governo que não poupe nenhum recurso", afirmou, agradecendo o trabalho dos Mossos d'Esquadra (a polícia catalã).

Na reunião com Sánchez, o líder do Ciudadanos defendeu ainda a demissão "de quem está à frente de tudo isto", apontando diretamente o dedo ao presidente da Generalitat, Quim Torra.

E defendeu a aplicação do artigo 155.º da Constituição para suspender a autonomia da Catalunha. "É preciso aplicar o 155.º. Mas um 155.º de verdade, planeado".

Rivera esteve esta quarta-feira em Barcelona, num evento do partido, tendo precisado de escolta dos Mossos d'Esquadra para sair do local. O Ciudadanos é um partido que nasceu para lutar contra a independência da Catalunha.

À noite, partilhou no Twitter o vídeo de um pai a fugir com o filho nos braços de um dos incêndios causados pelos manifestantes, junto com o texto: "Não há direito. Que raiva tão grande sinto ao ver estas imagens... Um pai a tirar o seu bebé diante do tsunami de violência e fogo dos radicais separatistas em Barcelona. Ou o governo atua já ou lamentaremos muitas desgraças."

Quim Torra encabeçou marcha de protesto

Quim Torra, presidente da Generalitat e sucessor de Carles Puigdemont (exilado na Bélgica e alvo de mandado de captura europeu pela organização do referendo de 1 de outubro de 2017), surgiu esta quarta-feira a encabeçar a marcha de protesto que cortou a autoestrada que liga Girona a Barcelona. Os protestos estão relacionados com as condenações de prisão que o Supremo Tribunal espanhol decidiu para os 12 dirigentes catalães envolvidos na organização daquele referendo ilegal sobre a independência de uma República da Catalunha.

Enquanto, no Twitter, alguns desses líderes sentenciados pela justiça espanhola condenavam os atos de violência que se têm registado na Catalunha desde que o veredito foi conhecido, na segunda-feira, Torra evitou fazer o mesmo. Citado pela imprensa espanhola, o presidente da Generalitat disse apenas: ""É fantástico ver o povo mobilizado. Que ninguém duvide de que este presidente e que este Govern estão ao lado das pessoas".

Oriol Junqueras, Raul Romeva, Carme Forcadell, Dolors Bassa Josep Ruy, Jordi Turull, Joaquim Forn, Jordi Sánchez e Jordi Cuixart publicaram na rede social Twitter a mesma mensagem: "Apoiamos as mobilizações e as marchas pacíficas. Nenhuma violência nos representa", referem na mensagem.

Noutra mensagem no Twitter, quando se espalhavam as imagens dos vários incêndios nos protestos em Barcelona, Junqueras escreveu: "Este país é o resultado das lutas sociais, um país que custa muito construir e coser. Precisamos da República e precisamos de todos e todas. Precisamos de todos mobilizados, mas rejeitando a violência, onde quer que venha. Não nos vamos dividir nem cair na armadilha da violência!"

O ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, também condenou a violência no Twitter: "Viram estes incendiários a esconder urnas ou a imprimir boletins de voto? Eles nunca estiveram entre nós. Vamos derrotar o Estado sem pedra, sem fogo, sem destroços. Não precisamos de violência para ganhar, precisa o Estado para nos derrotar. Serenidade, mobilização e não violência."

É neste contexto de tensão que Espanha se dirige para mais umas eleições legislativas antecipadas a 10 de novembro, as quartas em quatro anos. Ao caos na Catalunha falta juntar também, até ao dia 25 de outubro, a crispação que vai ressuscitar a exumação do antigo ditador Franco. Os seus restos mortais encontram-se no Vale dos Caídos e vão ser transferidos para El Pardo. Pedro Sánchez vê nisto uma vitória política. O Vox, partido de extrema-direita liderado pelo neto de um franquista, Santiago Abascal, uma oportunidade para potenciar ainda mais a revolta e o descontentamento dos espanhóis e conquistar mais votos.

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