Um olho no prato e outro no saldo bancário

O Banco Central Europeu voltou a subir as taxas de juro. Apesar dos muitos apelos para que congelasse a decisão, a batalha contra a inflação exige, no entender do BCE, arremessar de novo a mesma arma: aumentar o custo do dinheiro. O problema é que sobem as taxas de juro do crédito à habitação e sobem também os produtos alimentares. As famílias portuguesas - que, em média, auferem baixos salários - sentem-se com a corda na garganta. Com o mesmo dinheiro, compram cada vez menos alimentos.

Por vezes, nem aqueles que são considerados bens essenciais cabem na cesta básica semanal. Sete em cada dez famílias nacionais tiveram dificuldades financeiras no ano passado, segundo um estudo da DECO Proteste e são precisamente os custos com a alimentação e a habitação que mais pesaram na fatura. Parte destes agregados não conseguiu pagar despesas consideradas essenciais. Hoje, o aumento do custo de vida é muitíssimo superior à taxa de inflação de 8,2%, registada em fevereiro. Nos alimentos, as subidas são sempre a dois dígitos: 20%, 30% ou mais. A escalada é assustadora para o comum dos cidadãos. O cabaz de alimentos criado pela DECO Proteste aumentou de 185 euros para 222 euros no espaço de um ano.

A fiscalização dos preços dos alimentos, de que dá conta hoje e em detalhe, o ministro da Economia e do Mar (em entrevista ao DN e TSF) ajuda, mas pode não chegar. António Costa Silva não fala em congelamento de preços, mas refere que será feito o que for preciso para esclarecer se há ou não a "especulação" de que já falou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

O ministro da Economia e do Mar não acredita nos eventuais efeitos de uma redução do IVA sobre alguns alimentos, como fez a Espanha, e fala em maior regulação. Também o Nobel da Economia, Joseph Stiglitz defende mais regulação para controlar os preços. Por exemplo, Stiglitz diz que é preciso reforçar as investigações anticoncorrenciais para apoiar o controlo do preço final.

Ativar o Observatório de Preços - na alçada do Ministério da Agricultura e já criado há 5 meses, mas paralisado até agora - também não basta. Com tantas medidas insuficientes na eficácia e abrangência, o governo decidiu ontem lançar um novo apoio para quem paga renda de casa. As famílias com contratos de arrendamento vão ter acesso a um apoio extraordinário, previsto no pacote Mais Habitação, por cinco anos. A ajuda vai ser retroativa a janeiro, pode ir aos 200 euros e vai depender da taxa de esforço das famílias.

Já para quem paga empréstimos da habitação à banca, o Executivo subiu para 250 mil euros (em vez dos 200 mil) de dívida o limite máximo para a bonificação de juros até 75%. Medidas que podem dar uma ajuda às famílias, mas também à banca, numa tentativa de evitar um aumento do crédito malparado.

Perante as falências de bancos nos Estados Unidos, a crise no Crédit Suisse e receios de contágio à banca europeia, o sistema financeiro voltou a estar na mesa das preocupações, mas ainda ao de leve. Para já não há razões para sustos. O ministro das Finanças afirmou ontem que há "solidez" no sistema financeiro europeu. Fernando Medina lembrou que depois da crise financeira foram alteradas as regras do funcionamento das instituições financeiras, nomeadamente da revisão e regulação do sistema financeiro. "Os principais bancos portugueses têm hoje supervisão direta através do BCE", pelo que "há uma monitorização permanente da situação".

Em Portugal, alguns bancos tiraram os esqueletos do armário nos últimos anos, arrumaram as contas e alteraram os rácios de risco e parecem estar de boa saúde. Mas acompanhar a par e passo o que se passa fora de portas nunca é de mais.

Diretora do Diário de Notícias

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