Cenário de eleições afastado. May oferece diálogo para salvar Brexit

Theresa May venceu a moção de censura apresentada por Jeremy Corbyn por 325 contra 306. Primeira-ministra está a reunir-se com partidos. O líder do Labour recusa falar se cenário de Brexit sem acordo não for afastado. Extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, discutida nos bastidores, poderia ir até um ano.
Publicado a

Um dia de vitória, a seguir a um dia de uma derrota histórica, foi assim nesta quarta-feira para Theresa May. A primeira-ministra sobreviveu à moção de censura apresentada pelo líder do Labour, Jeremy Corbyn, por 325 votos contra 306. Graças ao apoio dos deputados conservadores rebeldes e dos do Partido Unionista Democrático que, na véspera, tinham estado ao lado dos trabalhistas para chumbar o acordo do Brexit na Câmara dos Comuns por 432 votos contra e 202 a favor.

"Estou satisfeita que esta câmara tenha confirmado a sua confiança no governo. Vamos continuar a trabalhar para cumprir o que prometemos ao povo deste país", começou por reagir Theresa May, a seguir à divulgação do resultado da votação."Proponho uma série de encontros com os representantes dos partidos e gostaria de começar estes encontros esta noite. Temos de encontrar soluções que tenham o apoio deste Parlamento e voltaremos a este Parlamento na segunda-feira", sublinhou a chefe do governo britânico e líder do Partido Conservador.

Jeremy Corbyn, que queria provocar eleições antecipadas no Reino Unido com esta moção, reagiu ao resultado da votação nos Comuns, entre apupos, obrigando à intervenção do speaker do Parlamento John Bercow. Sem dar mostras de desistir da estratégia de usar a saída do Reino Unido da UE para enfraquecer o executivo de May afirmou: "O governo tem de afastar de vez o cenário de um Brexit sem acordo e desafio a primeira-ministra a afastar aqui e agora essa hipótese." Corbyn esclareceu desde logo que não falará com a primeira-ministra se ela não garantir que não haverá Brexit sem acordo.

Ian Blackford, do Partido Nacionalista Escocês, aceitou a oferta de diálogo de May, mas apresentou uma condição: só haverá diálogo se May disser se está preparada para admitir como opções a extensão do Artigo 50.º ou um segundo referendo. Os liberais-democratas, pela voz do deputado Ed Davey, aceitaram a oferta de diálogo, mas também com a exigência de que May deixe claro que não haverá um Brexit sem acordo a 29 de março.

O vice-presidente do DUP, Nigel Dodds, congratulou-se com a rejeição da moção de censura um dia depois de ter contribuído para o chumbo do acordo do Brexit por causa do backstop (mecanismo de salvaguarda para evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda quando o Reino Unido sair da União Europeia). "O povo da Irlanda do Norte ainda irá agradecer a este Parlamento e a este governo", declarou, entre risadas de alguns dos presentes nos Comuns.

Ao final da noite, pelas 22.00, Theresa May voltou a falar ao país, em frente ao n.º 10 de Downing Street: "Nesta noite o governo ganhou a confiança do Parlamento. Os eventos das últimas 24 horas foram desestabilizadores. O acordo que negociei com a União Europeia foi rejeitado pelo Parlamento mas tenciono fazer cumprir o Brexit."

A primeira-ministra fez um ponto da situação dos encontros com os outros partidos: "Os deputados deixaram claro o que não querem. É preciso saber agora o que o Parlamento quer. Por isso convido todos os deputados a dialogar e já me reuni nesta noite com o líder dos liberais-democratas [Vince Cable] e os líderes no Parlamento de Westminster do Partido Nacionalista Escocês [Ian Blackford] e do Plaid Cymru [Liz Saville]."

"Estou desiludida que o líder do Labour tenha escolhido, até agora, não participar, mas a nossa porta continua aberta", sublinhou, devolvendo a pressão ao líder do Partido Trabalhista, o qual reafirmou, através do Twitter, que não aceitará falar com May enquanto ela não afastar de vez a hipótese de uma saída sem acordo da UE. Lembrando que, em 2016, num voto histórico os britânicos escolheram sair da UE (por 52% contra 48%) a líder conservadora concluiu: "Agora é hora de pôr o interesse nacional acima de tudo e fazer cumprir o resultado do referendo."

O que acontece após a rejeição da moção de censura de Corbyn?

Num tom conciliador e dialogante, que muitos lamentam não ter surgido antes neste processo, Theresa May ofereceu diálogo, já a partir desta quarta-feira à noite, aos restantes partidos. Jeremy Corbyn e os dirigentes dos restantes partidos apresentaram as suas exigências para tal: se May descartar que não haverá um Brexit sem acordo, o que segundo o seu porta-voz não tenciona fazer, se admitir como hipóteses a realização de um segundo referendo e uma extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, tendo sempre rejeitado a primeira e evitado comprometer-se com a segunda.

No Twitter, pouco antes de May voltar a falar ao país em frente ao n.º 10 de Downing Street, Corbyn reafirmou que não participará neste diálogo com a primeira-ministra se ela não afastar de vez um cenário de Brexit sem acordo. "Agora que o acordo de Theresa May foi decididamente rejeitado, o ponto de partida para quaisquer conversações tem de ser o de que um No Deal está fora da mesa", escreveu, no Twitter, o líder trabalhista. A pressão está agora sobre Corbyn, havendo alguns jornais britânicos a notar que a sua recusa pode não ser produtiva, nas edições desta quinta-feira.

Afastado, para já, um cenário de eleições antecipadas no Reino Unido, hipótese que Corbyn preferia ver tornar-se realidade apesar de pelo menos 71 deputados do Labour quererem um segundo referendo, May vai procurar, através desse diálogo, salvar o Brexit através de um qualquer acordo.

Quais as probabilidades de haver ainda um acordo?


A primeira-ministra tem para resolver, numa corrida contra o tempo, a questão de uma eventual alteração ao backstop, que motivou o chumbo de terça-feira ao acordo do Brexit que o seu governo tinha acordado com a UE27 no final de dezembro.

A líder conservadora, que além desta moção de censura ao seu governo sobreviveu em dezembro a uma moção de desconfiança apresentada pelos rebeldes do seu próprio partido contra si, poderá oferecer agora deixar cair algumas das que foram as suas linhas vermelhas. No sentido de conseguir, eventualmente, o apoio do Labour, May poderia aceitar discutir agora pontos como o de uma união aduaneira permanente, o fim da jurisdição do Tribunal de Justiça da UE ou, até mesmo, o fim do princípio da liberdade de circulação.

Na segunda-feira, fruto de uma emenda aprovada na semana passada em Westminster, May tem de comparecer na Câmara dos Comuns com um Plano B para o Brexit. Portanto, serão dias agitados, de diálogo interno, no Reino Unido, em paralelo com algumas conversas com a UE. Mas, para já, a bola parece estar totalmente do lado do campo dos britânicos. Sair a 29 de março, com acordo, é por agora o objetivo que May mantém, a nível oficial, pelo menos.

O que diz a UE sobre toda esta confusão no Reino Unido?

O negociador-chefe da UE para o Brexit, Michel Barnier, abriu a porta a negociações, numa intervenção que fez nesta quarta-feira no Parlamento Europeu em Estrasburgo. "Se o Reino Unido escolher fazer evoluir as suas próprias linhas vermelhas e que faça a escolha vantajosa de ambicionar ir além de um simples acordo comercial, a União Europeia estará imediatamente pronta para acompanhar esta evolução e a responder favoravelmente", disse o francês, sem deixar porém de avisar que a saída desordenada é agora uma probabilidade mais alta do que nunca.

Barnier estará nesta quinta-feira em Lisboa para encontros com o governo de António Costa e participar no Conselho de Estado presidido por Marcelo Rebelo de Sousa. O Brexit será igualmente o tema do Conselho de Ministros e o plano de contingência português para um cenário de Brexit sem acordo será debatido na Assembleia da República a pedido do PSD e do CDS-PP.

Uma extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa tem sido falada como hipótese e nesta quarta-feira à noite o correspondente diplomático da Sky News em Bruxelas, Dominic Waghorn, avançou que os diplomatas europeus estão a discutir um cenário de extensão que poderia ir até um ano, ou seja, 2020. Segundo o jornalista, a França exige que o backstop continue a fazer parte de um acordo do Brexit, enquanto a Alemanha estará menos condicional.

"Boa sorte para os representantes de uma nação que têm de implementar uma coisa que não existe e explicar ao povo: 'Vocês votaram numa coisa, nós mentimos.' É por isso que eles terão de passar", afirmou o presidente francês, Emmanuel Macron, na terça-feira à noite, numa intervenção que fez na Normandia. E sublinhou que a UE não irá deixar de defender os interesses europeus "apenas para resolver os problemas de política interna britânicos".

"Eu penso que agora é com o lado britânico. Queremos limitar os danos, pois haverá danos com a saída dos britânicos. Iremos certamente tentar chegar a uma solução herdeira, mas também estamos preparados para um cenário que não seja o de uma solução ordeira", declarou, por seu lado, a chanceler alemã, Angela Merkel, no Bundestag. A líder democrata-cristã foi mesmo citada dizendo que uma extensão do Artigo 50.º "é ficção".

Quais as probabilidades de um Brexit sem acordo ou de cancelamento do Brexit?


O primeiro cenário é cada vez mais provável e, por isso, os vários países, a Comissão Europeia e o Reino Unido têm posto em marcha os seus próprios planos de contingência para essa eventualidade. Mas esse é também um desfecho que ninguém quer no Parlamento do Reino Unido. À exceção, claro, de alguns brexiteers mais radicais que não veem problema num No Deal Brexit.

Aí entra, precisamente, a conversa sobre a extensão do Artigo 50.º, que teria de ser pedida pelo governo do Reino Unido e aprovada por unanimidade pela UE 27.

O cancelamento do Brexit pode acontecer a qualquer momento. Basta o governo de May retirar a ativação do Artigo 50.º. Pode fazê-lo de forma unilateral. Sem precisar de aval da UE. Isso mesmo confirmou em dezembro a decisão do Tribunal de Justiça da UE.

May pode voltar a ser alvo de nova moção de censura?

Sim. Não há limite. Corbyn pode voltar a apresentar uma moção contra May. Mas o líder do Labour não acabou esta quarta-feira numa posição reforçada face à da primeira-ministra. Corbyn é contra um segundo referendo sobre o Brexit. Alguns trabalhistas são a favor. E podem pressioná-lo a apresentar isso como sendo um Plano B do Partido Trabalhista.

Após anunciar que vai encetar conversações com os partidos já nesta noite, a chefe do governo britânico voltou a falar ao país à porta do n.º 10 de Downing Street às 22.00.

Diário de Notícias
www.dn.pt