Brasil 2022. Bolsonaro, Haddad e Ciro confirmados. Falta o nome do centro-direita
"Lula me chamou para conversar no sábado. Passámos a tarde juntos e ele falou: "Haddad, não há mais tempo, você tem que colocar o bloco na rua."" Com esta frase, Fernando Haddad lançou a pré-candidatura à presidência do Brasil, abençoado, claro, por Lula da Silva, o líder espiritual do Partido dos Trabalhadores (PT). Como Ciro Gomes já se declarou pré-candidato, inclusivamente em entrevista ao DN, e Jair Bolsonaro dá sinais inequívocos de desejar a reeleição, os três mais votados em 2018 voltarão à arena em 2022. Com mais quem?
Para Flávio Dino, o governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil, que também é apontado como presidenciável, "é indiscutível o direito de qualquer partido lançar candidato". "As questões são outras", defendeu. "Qual o programa e quais as alianças para derrotar Bolsonaro? Pois se há uma coisa que não temos o "direito" é de perder novamente para ele e prolongar tantas tragédias."
Pelo Partido Democrático Trabalhista, o de Ciro, reagiu o deputado André Figueiredo. "O exemplo da Cristina Kirchner nunca servirá para Lula. Só que, desta vez, não será bem assim. Ciro cresce a cada dia. Venceremos!", disse o parlamentar, aludindo à decisão da ex-presidente argentina de abdicar de liderar a lista que ganhou as últimas eleições.
O Cidadania, ainda do campo da centro-esquerda, também foi crítico. "Com certeza [Haddad] vai ficar falando apenas para lulistas e petistas", disse Roberto Freire, presidente do partido.
Guilherme Boulos foi mais apaziguador. O também pré-candidato, pelo esquerdista PSOL, que foi apenas o 10.º mais votado em 2018 mas brilhou nas urnas no ano passado ao chegar à segunda volta das municipais na cidade de São Paulo, elogiou Haddad. Mas disse preferir "discutir programas". "O PT tem o direito de lançar nomes [...]. E eu tenho o direito de defender que o melhor caminho para a esquerda é construir um programa unitário e depois definir nomes. No mais, Haddad é meu amigo e um grande quadro."
No PT, o cuidado em não afastar a restante esquerda, cuja união numa eventual segunda volta é fundamental, veio à tona no discurso da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. "[O avanço de Haddad] não impede a construção, desde já, de um movimento de unidade em torno de um projeto para salvar o país dessa crise medonha e enfrentar Bolsonaro."
Para Wagner Romão, cientista político da Universidade de Campinas, o momento do anúncio "veio numa hora que se pode considerar acertada", diz ao DN. "Após as eleições municipais e após a união entre Bolsonaro e o 'centrão' [grupo de parlamentares que domina a Câmara dos Deputados, trocando apoio político por cargos e orçamento], o PT corria o risco de se atrasar".
Vinícius Vieira, da Fundação Armando Álvares Penteado, considera que a candidatura de Haddad surge também para "impedir que o Ciro ganhe substância". Mas o cientista político defende que veio cedo demais - "porque não sabemos qual é a agenda da esquerda, por isso, a crítica do Boulos, de o PT ter colocado a carroça à frente dos bois, parece-me justa".
Na mais recente das sondagens, da XP/Ipespe, o presidente da República é aprovado por 30% e rejeitado por 42% dos inquiridos - na anterior avaliação o resultado era de 32% a 40%. No entanto, segue como favorito na eleição de 2022 com 28 pontos, muito acima do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e de Haddad, ambos com 12, de Ciro, com 11, e de outros nomes.
Mas além da(s) esquerda(s) e de Bolsonaro há um campo, o de centro-direita, a ser explorado. Se em 2018, esse campo foi amplamente derrotado - Geraldo Alckmin, o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), seu principal expoente, não chegou a 5% -, nas municipais de novembro ganhou ao bolsonarismo e às esquerdas.
O presidenciável do PSDB hoje é João Doria, governador de São Paulo, assim como Alckmin, à época da sua candidatura. "No entanto, os governadores de São Paulo têm o problema histórico, não só Alckmin, também José Serra ou, mais atrás, Ademar de Barros, de serem muito populares no seu estado [o mais populoso do Brasil] mas ruins de voto fora dele, veremos como Doria se sairá."
"Além disso, Doria corre o risco de ser 'cristianizado' [referência na gíria política brasileira a Cristiano Machado, político dos anos de 1950], isto é, de perder o apoio do próprio partido caso Luciano Huck avance", continua o politólogo. Huck, apresentador da TV Globo, é muito apreciado por Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2002 e líder honorário do PSDB.
"É um candidato que será, já está sendo aliás, alvo de uma violenta campanha do bolsonarismo por ser judeu, por ter admitido o uso de drogas, por afirmações de cariz sexual da sua mulher [a também apresentadora Angélica], questões relevantes para o segmento evangélico, mas que tem imenso apelo entre os mais pobres, o que pode tirar votos a Doria, a Ciro, a Haddad..."
Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde demitido por Bolsonaro no auge da sua popularidade e da pandemia, "no máximo será candidato a senador", aposta Romão. "Talvez ministro de um governo de centro-direita", avança Vieira.
"No fundo, como Bolsonaro vai caminhar para um segundo bloco do mandato muito menos disruptivo e polémico e muito mais na busca do "meio-campo político", o tal "centrão" deve se agregar ao atual presidente e à extrema-direita", afirma. Com isso, "os candidatos a contraponto a Bolsonaro ou à esquerda vão, provavelmente, esfumar-se, como se esfumou Alckmin, em 2018".
Cai nas sondagens mas mantém à volta de 30% de intenção de voto, margem suficiente para ser quase certo na segunda volta
Segundo nas eleições de 2018
Terceiro nas eleições de 2018
João Doria
Governador de São Paulo
Com a vacina contra a covid 19 como troféu, vai assumir-se como o anti-Bolsonaro e anti-PT para conquistar o centro
Ex-ministro da Justica e da Segurança Pública
Não tem partido e o seu trunfo, a Lava Jato, foi desmantelado por Bolsonaro e desmoralizado pela Vaza Jato. Mas segue firme nas sondagens
Ex-ministro da Saúde
Apresentador de TV
Quinto em 2018
Liberal, perdeu para o voto útil da direita em Bolsonaro contra o PT. Na primeira volta, parte dessa direita pode votar no presidente do Partido Novo
Governador do Maranhão
Décimo em 2018
Surpreendente segundo classificado na eleição para a prefeitura de São Paulo, pode roubar votos a Haddad na esquerda urbana