Brasil 2022. Bolsonaro, Haddad e Ciro confirmados. Falta o nome do centro-direita

Feito o anúncio de que o candidato do PT nas presidenciais será o ex-prefeito de São Paulo, concorrentes alinham-se para uma eleição cada vez mais parecida com a de 2018, isto é, sem espaço no "meio-campo".

"Lula me chamou para conversar no sábado. Passámos a tarde juntos e ele falou: "Haddad, não há mais tempo, você tem que colocar o bloco na rua."" Com esta frase, Fernando Haddad lançou a pré-candidatura à presidência do Brasil, abençoado, claro, por Lula da Silva, o líder espiritual do Partido dos Trabalhadores (PT). Como Ciro Gomes já se declarou pré-candidato, inclusivamente em entrevista ao DN, e Jair Bolsonaro dá sinais inequívocos de desejar a reeleição, os três mais votados em 2018 voltarão à arena em 2022. Com mais quem?

Na esquerda, o campo onde a candidatura de Haddad e também a de Ciro se situam, o anúncio do PT gerou reações mistas. Parte dessa esquerda reclamou por não ter sido ouvida e chamou o partido que esteve 13 anos no poder e se vem revelando poderoso a cada eleição presidencial de "individualista".

Para Flávio Dino, o governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil, que também é apontado como presidenciável, "é indiscutível o direito de qualquer partido lançar candidato". "As questões são outras", defendeu. "Qual o programa e quais as alianças para derrotar Bolsonaro? Pois se há uma coisa que não temos o "direito" é de perder novamente para ele e prolongar tantas tragédias."

Pelo Partido Democrático Trabalhista, o de Ciro, reagiu o deputado André Figueiredo. "O exemplo da Cristina Kirchner nunca servirá para Lula. Só que, desta vez, não será bem assim. Ciro cresce a cada dia. Venceremos!", disse o parlamentar, aludindo à decisão da ex-presidente argentina de abdicar de liderar a lista que ganhou as últimas eleições.

O Cidadania, ainda do campo da centro-esquerda, também foi crítico. "Com certeza [Haddad] vai ficar falando apenas para lulistas e petistas", disse Roberto Freire, presidente do partido.

Guilherme Boulos foi mais apaziguador. O também pré-candidato, pelo esquerdista PSOL, que foi apenas o 10.º mais votado em 2018 mas brilhou nas urnas no ano passado ao chegar à segunda volta das municipais na cidade de São Paulo, elogiou Haddad. Mas disse preferir "discutir programas". "O PT tem o direito de lançar nomes [...]. E eu tenho o direito de defender que o melhor caminho para a esquerda é construir um programa unitário e depois definir nomes. No mais, Haddad é meu amigo e um grande quadro."

No PT, o cuidado em não afastar a restante esquerda, cuja união numa eventual segunda volta é fundamental, veio à tona no discurso da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. "[O avanço de Haddad] não impede a construção, desde já, de um movimento de unidade em torno de um projeto para salvar o país dessa crise medonha e enfrentar Bolsonaro."

O próprio Haddad justificou o que motivou a sua conversa com Lula. "Se nós não começarmos agora a discutir com o país, em 2021, como combater a fome, o desemprego e a questão sanitária, nós não vamos ter 2022."

Para Wagner Romão, cientista político da Universidade de Campinas, o momento do anúncio "veio numa hora que se pode considerar acertada", diz ao DN. "Após as eleições municipais e após a união entre Bolsonaro e o 'centrão' [grupo de parlamentares que domina a Câmara dos Deputados, trocando apoio político por cargos e orçamento], o PT corria o risco de se atrasar".

Vinícius Vieira, da Fundação Armando Álvares Penteado, considera que a candidatura de Haddad surge também para "impedir que o Ciro ganhe substância". Mas o cientista político defende que veio cedo demais - "porque não sabemos qual é a agenda da esquerda, por isso, a crítica do Boulos, de o PT ter colocado a carroça à frente dos bois, parece-me justa".

"É ruim, claro, para a esquerda haver as candidaturas de Ciro, talvez do Dino, provavelmente do Boulos e a do Haddad mas é muito difícil unidade nesse campo numa primeira volta", acrescenta, entretanto, Romão.

Segundo Vieira, "essa primeira volta funcionará, como em 2018, como umas primárias da esquerda para ver quem vai enfrentar, ao que tudo indica, segundo as sondagens, o Bolsonaro".

"Bolsonaro está e estará forte, a não ser que aconteça alguma tragédia - na verdade, com 240 mil mortes na pandemia, a tragédia já aconteceu mas não o abalou assim tanto, uma vez que valerá, hoje, uns 30% de votos numa primeira volta, número que o coloca fatalmente na segunda" concorda Romão.

Na mais recente das sondagens, da XP/Ipespe, o presidente da República é aprovado por 30% e rejeitado por 42% dos inquiridos - na anterior avaliação o resultado era de 32% a 40%. No entanto, segue como favorito na eleição de 2022 com 28 pontos, muito acima do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e de Haddad, ambos com 12, de Ciro, com 11, e de outros nomes.

Mas além da(s) esquerda(s) e de Bolsonaro há um campo, o de centro-direita, a ser explorado. Se em 2018, esse campo foi amplamente derrotado - Geraldo Alckmin, o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), seu principal expoente, não chegou a 5% -, nas municipais de novembro ganhou ao bolsonarismo e às esquerdas.

O presidenciável do PSDB hoje é João Doria, governador de São Paulo, assim como Alckmin, à época da sua candidatura. "No entanto, os governadores de São Paulo têm o problema histórico, não só Alckmin, também José Serra ou, mais atrás, Ademar de Barros, de serem muito populares no seu estado [o mais populoso do Brasil] mas ruins de voto fora dele, veremos como Doria se sairá."

"Além disso, Doria corre o risco de ser 'cristianizado' [referência na gíria política brasileira a Cristiano Machado, político dos anos de 1950], isto é, de perder o apoio do próprio partido caso Luciano Huck avance", continua o politólogo. Huck, apresentador da TV Globo, é muito apreciado por Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2002 e líder honorário do PSDB.

"É um candidato que será, já está sendo aliás, alvo de uma violenta campanha do bolsonarismo por ser judeu, por ter admitido o uso de drogas, por afirmações de cariz sexual da sua mulher [a também apresentadora Angélica], questões relevantes para o segmento evangélico, mas que tem imenso apelo entre os mais pobres, o que pode tirar votos a Doria, a Ciro, a Haddad..."

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde demitido por Bolsonaro no auge da sua popularidade e da pandemia, "no máximo será candidato a senador", aposta Romão. "Talvez ministro de um governo de centro-direita", avança Vieira.

E a carreira política do ex-juiz Moro, apesar da razoável prestação nas sondagens, parece ser passado. "Está desmoralizado ao perder a batalha contra Bolsonaro, por um lado, e com as revelações das conversas dele com os promotores na Vaza Jato, por outro", diz Romão.

"No fundo, como Bolsonaro vai caminhar para um segundo bloco do mandato muito menos disruptivo e polémico e muito mais na busca do "meio-campo político", o tal "centrão" deve se agregar ao atual presidente e à extrema-direita", afirma. Com isso, "os candidatos a contraponto a Bolsonaro ou à esquerda vão, provavelmente, esfumar-se, como se esfumou Alckmin, em 2018".

PRÉ-CANDIDATOS

Jair Bolsonaro

Presidente da República

Cai nas sondagens mas mantém à volta de 30% de intenção de voto, margem suficiente para ser quase certo na segunda volta

Fernando Haddad

Segundo nas eleições de 2018

Avança, com a benção de Lula e o problema de sempre: conseguirá unir, numa eventual segunda volta, toda a oposição a Bolsonaro?

Ciro Gomes

Terceiro nas eleições de 2018

O objetivo é encarnar a pele de "opção pelo centro" e bater Haddad na primeira volta. Mas num partido médio, o PDT, e com 12% em 2018, a missão é difícil

EVENTUAIS CANDIDATOS

João Doria

Governador de São Paulo

Com a vacina contra a covid 19 como troféu, vai assumir-se como o anti-Bolsonaro e anti-PT para conquistar o centro

Sérgio Moro

Ex-ministro da Justica e da Segurança Pública

Não tem partido e o seu trunfo, a Lava Jato, foi desmantelado por Bolsonaro e desmoralizado pela Vaza Jato. Mas segue firme nas sondagens

Luiz Henrique Mandetta

Ex-ministro da Saúde

Em maio, era um dos políticos mais populares do país, graças à sua ação na pandemia mas, entretanto, o seu partido, o DEM, aliou-se a Bolsonaro

Luciano Huck

Apresentador de TV

Vítima dessa aliança do DEM, pelo qual poderia concorrer, com Bolsonaro, ainda estuda se vale a pena mudar de carreira

João Amoêdo

Quinto em 2018

Liberal, perdeu para o voto útil da direita em Bolsonaro contra o PT. Na primeira volta, parte dessa direita pode votar no presidente do Partido Novo

Flávio Dino

Governador do Maranhão

Funcionaria como solução consensual de esquerda mas dadas as candidaturas de Haddad e Ciro corre o risco de ficar sem espaço

Guilherme Boulos

Décimo em 2018

Surpreendente segundo classificado na eleição para a prefeitura de São Paulo, pode roubar votos a Haddad na esquerda urbana

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