O bom, o mau e o assim-assim. Dez medidas-chave neste Orçamento

OE 2020 dá sinais... mas revela pouca margem ou efeitos práticos previsíveis. Eis o que precisa de saber para entender o Orçamento de Costa e de Centeno.
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Centeno falou em tempo recorde para apresentar o Orçamento do Estado, cuja entrega estava marcada para ontem, mas foi preciso esperar até depois das 23.00 para o documento chegar ao Parlamento, empurrando para hoje quer a tradicional conferência de imprensa de apresentação do ministro das Finanças quer as reações dos partidos.

No momento da entrega, Mário Centeno falou a uma voz com o primeiro-ministro, António Costa, que quase em simultâneo fazia publicar um vídeo com os pontos altos deste OE 2020: Um Orçamento de "continuidade das boas políticas", "atento às necessidades do presente e que olha para o futuro", com um "reforço substancial do investimento público", nomeadamente na Saúde, sendo o "SNS a principal prioridade deste OE".

E nenhum dos dois governantes esqueceu as restantes guias: o "financiamento da cultura e do ensino superior, mais rendimento para as famílias e uma aposta na melhoria da qualidade dos serviços públicos - tudo isto mantendo responsavelmente as contas certas e equilibradas, o que é essencial para o país continuar a reduzir a elevada dívida pública" (leia mais aqui) .

Com um cenário de crescimento revisto em ligeira baixa, para 1,9% em 2020, o consumo a crescer menos e o investimento também, o défice mantém-se em 0,1% do produto interno bruto (PIB) em 2019 e confirma-se o excedente de 0,2% do PIB em 2020, como foi sendo acenado nas últimas semanas.

E o que mostram as medidas do OE 2020? Que há sinais... mas pouca margem ou efeitos práticos previsíveis, como revelam estas dez medidas-chave.

1. Pensões mais baixas com aumento extraordinário... mas aumento regular não chega à inflação de 2020.

Em 2019, a atualização mínima foi de dez euros para quem recebia até 653,6 euros. Agora, "o mecanismo de atualização regular das pensões irá permitir aumentos até seis IAS, beneficiando as pensões mais baixas, no primeiro escalão (até dois IAS), de um aumento real em três anos consecutivos (2018 a 2020)", sublinha Centeno no OE 2020. "Esta atualização, com efeitos logo a partir de janeiro de 2020, vai tornar possível o aumento real do poder de compra à generalidade dos pensionistas." Mas não é bem assim, já que, nas pensões acima do limiar mínimo, a atualização não irá além dos 0,7%, estando prevista uma taxa de inflação de 1,1% - ou seja, a maioria dos pensionistas até perde.

Quem ganhe mais do que os 658 euros referidos mas menos do que 877,6 euros não deverá ver a pensão subir mais do que 0,7%; além desse valor e até aos 2632,8 euros a atualização não excederá os 0,2% - e acima disso não há aumento. Basta ver que, para a atualização extra das pensões, estão previstos 337,8 milhões, praticamente o mesmo que o governo gastou em 2019.

2. Benefícios fiscais para os mais jovens... com "ses"; incentivo à natalidade... mas só a partir do segundo filho e até aos 3 anos.

O novo OE quer ajudar os mais jovens a construir a sua vida e por isso prevê um benefício à medida deles: jovens que ganhem até 25 075 euros brutos por ano terão desconto no IRS. Para aceder a esse benefício - previsto para quem recebe cerca de 1791 euros brutos por mês, assumindo 14 pagamentos no ano, e num prazo de três anos -, porém, é preciso que tenham entre 18 e 26 anos, o ensino secundário completo (12.º ano) e um estágio profissional de pelo menos seis meses. (Veja aqui como funciona). No primeiro ano, o IRS Jovem equivale a um desconto de 30% dos rendimentos; no segundo ano desce para 20% e no derradeiro ano em que podem beneficiar do apoio será reduzido a 10%. Evidentemente, esta medida que pretende "incentivar a qualificação dos mais jovens e apoiar a sua integração na vida adulta e no mercado de trabalho" é aplicável a quem já não está na dependência dos pais.

Desde 2016 que o governo do PS dá uma dedução fixa de 600 euros por cada menor dependente, valor que tinha um prémio de 126 euros no caso de crianças até aos 3 anos. Agora, a dedução no IRS para o segundo filho e seguintes vai mais do que duplicar, para 300 euros. A ideia é premiar a natalidade, mas para tal é preciso que os pais tenham vários filhos num curto espaço de tempo, pois a dedução reforçada de 300 euros só será atribuída "quando existam dois ou mais dependentes que não ultrapassem três anos de idade até 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto". O que limitará o alcance da medida: por exemplo, um casal que tenha um filho com mais de 3 anos e um bebé de meses não deve beneficiar deste bónus. No caso de gémeos, o segundo poderá beneficiar. O governo adjudica 24,3 milhões de euros para fazer face a esta medida.

3. Função pública não vai além dos 0,3% - quase um quarto da inflação. Reformas continuam congeladas para forças de segurança.

A expectativa dos sindicatos da função pública é que ainda seja possível negociar subidas no subsídios de refeição e ajudas de custo, e trazer às ruas contestação para fazer recuar um aumento "vexatório" de 0,3% nos salários após uma década sem atualização. Mas o que a proposta de Orçamento do Estado para 2020 apresenta, para já, são as linhas gerais de um "programa plurianual" para rejuvenescer quadros e simplificar procedimentos. Vai ser negociado no primeiro trimestre do próximo ano, segundo o calendário já apresentado por Alexandra Leitão, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública. Apesar da intenção do governo de conter o ritmo da subida na despesa com pessoal (cresce ao longo deste ano acima dos 4%), algumas áreas vão beneficiar de folga relativa para recrutar e gastar mais com o seu pessoal, como o ensino superior, que, no próximo ano, vai poder subir as despesas com pessoal em 5%.

Onde continua a não haver margem é no orçamento para as forças de segurança. Pelo sétimo ano consecutivo, o governo invoca "necessidades de equilíbrio orçamental" para manter congelado o acesso das forças de segurança a situações de reserva ou disponibilidade. Este congelamento vai afetar "militares da GNR, pessoal com funções policiais da PSP, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), da Polícia Judiciária, da Polícia Marítima e de outro pessoal militarizado e de pessoal do corpo da Guarda Prisional", fazendo prever o regresso das forças de segurança às ruas.

4. Escalões de IRS atualizados com inflação... e quem é aumentado sobe de escalão.

O governo pretende atualizar os escalões do IRS à taxa de inflação verificada até novembro último (0,3%), pelo que o limite mínimo de rendimento coletável a partir do qual há lugar a tributação em sede de IRS deverá ter uma ligeira subida, dos atuais 7091 euros anuais para 7112 euros anuais. Ou seja, quem ganhe até 7112 euros fica livre de IRS (até agora, o limite estava nos 7091 euros). O que significa que os rendimentos (salário e pensões) que tenham aumentos 0,3% em 2020 podem vir a pagar mais imposto, uma vez que os que estiverem na fronteira saltam para o escalão acima, que tem taxas de tributação superiores. O escalão dos mais ricos começa agora a partir dos 80 882 euros anuais.

5. Saúde reforçada e fim das taxas moderadoras... mas devagarinho.

Depois de ser objeto das cativações de Centeno durante toda a última legislatura, com pagamentos atrasados a fornecedores, falta de pessoal e listas de espera a atingir proporções dramáticas em certos casos, a saúde é a grande prioridade anunciada pelo governo. E a maior prova disso é a inscrição no OE 2020 de que as taxas moderadoras nas consultas nos centros de saúde vão mesmo acabar. Será porém uma eliminação gradual. "Feito de forma faseada", a eliminação de taxas moderadoras nas consultas dos centros de saúde já constava do programa do governo, mas a proposta de Orçamento não detalha como será faseado esse fim. O documento prevê ainda alargar o Programa Nacional de Vacinação - com um investimento de quase 11 milhões de euros - mas também não entra em detalhes.

Quanto ao tão necessário pessoal, a ideia é atraí-lo com maiores rendimentos, que implica maior compromisso da parte dos profissionais. Para a "motivação dos profissionais de saúde, propõe-se rever o modelo de pagamento pelo desempenho das unidades de saúde familiar (USF) de modelo B (o mais avançado e com mais incentivos, bem como alargar este pagamento aos profissionais que trabalhem nos hospitais em centros de responsabilidade integrados.

Os profissionais de saúde que queiram integrar estes centros terão de ter uma maior dedicação e há uma parte significativa que terá de abandonar a atividade privada para se dedicar a estes projetos.

6. Promover rendas baixas, penalizar o alojamento local

O governo já tinha sinalizado a intenção de reforçar incentivos ao aumento de casas no mercado de arrendamento regular, por oposição à oferta em alojamento local, e traduziu essa vontade no Orçamento do Estado para 2020. Quem transfira uma casa do AL para o arrendamento de longa duração e aí a mantenha durante um período mínimo de cinco anos fica isento de mais-valias.

Em contrapartida, quando localizados em áreas de contenção os apartamentos ou casas em alojamento local terão uma penalização com um coeficiente de 0,5. Quer isto dizer que essas casas passam a pagar uma taxa de 50% quando estejam localizadas nas zonas incluídas nas áreas de contenção definidas (em Lisboa, incluem bairros como Alfama, Castelo, Av. Liberdade, Baixa, Bairro Alto ou Almirante Reis, entre outras). O imposto municipal sobre imóveis (IMI) também vai ser agravado para imóveis em ruínas e terrenos para construção em zonas consideradas de "pressão urbanística".

Por outro lado, quem recupere prédios e promova rendas abaixo do custo definido pelo mercado para dinamizar o arrendamento terá isenções fiscais e outros benefícios (leia mais aqui).

7. Transportes dão 15 milhões para autocarros nas comunidades intermunicipais

Confirma-se o lançamento de um programa para reforçar os transportes públicos nas 21 comunidades intermunicipais, que vai contar com um orçamento anual até 15 milhões de euros e será financiado com verbas do Fundo Ambiental - as verbas não executadas em cada ano poderão transitar para o ano seguinte (saiba tudo aqui) . O novo OE reforça ainda o programa para baixar o preço dos passes sociais, que ganha 46 milhões de euros.

Outra medida para incentivar a transição para os transportes públicos é a dedução permitida às empresas que paguem os passes sociais aos colaboradores: até agora, podiam deduzir o valor gasto, agora vão poder deduzir aos seus lucros tributáveis em 130% do custo que suportaram a pagar os passes. (Leia mais aqui)

Por outro lado, as tabelas relativas ao imposto sobre veículos cria uma maior distinção entre os patamares de emissões de dióxido de carbono: são nove escalões na gasolina e oito no diesel (eram seis). Esta tabela pretende valorizar os veículos menos poluentes e penaliza aqueles que, por oposto, são mais poluentes, à imagem do que acontece com o IUC, que sofre agravamento associado à componente ambiental (cerca de 0,3%). De resto, o benefício fiscal ao abastecimento associado aos carros a GPL desaparece, passando a beneficiar apenas a eletricidade e gás natural.

"Os gastos suportados com a aquisição, em território português, de eletricidade e gás natural veicular (GNV) para abastecimento de veículos são dedutíveis em valor correspondente a 130 %, no caso de eletricidade, e a 120 %, no caso de GNV, do respetivo montante, para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRC e da categoria B do IRS", lê-se no documento. (Saiba mais aqui) Ainda assim, o governo reserva mais um milhão de euros para comprar carros elétricos. (Leia aqui)

8. Impostos verdes também deixam refeições de take away mais caras

Não é só nos carros que há penalização para os consumidores. O governo vai criar uma contribuição para as embalagens de uso único, utilizadas em refeições prontas a consumir ou com entregas ao domicílio. O imposto surge num momento em que as entregas ao domicílio vivem um boom, com o surgimento de plataformas de entrega como o Uber Eats ou a Glovo, tendo esta área de negócio ganho peso no retalho alimentar e de restauração. O imposto vai repercutir-se "sobre o adquirente final, devendo, para o efeito, os agentes económicos inseridos na cadeia comercial inseri-la a título de preço, o qual é obrigatoriamente discriminado na fatura" e pode variar consoante a embalagem - podendo até discriminar positivamente embalagens de material reciclado (Veja aqui) .

9. IVA na luz dependente do consumo e nova tentativa de taxar a tauromaquia a 23%

Tal como o primeiro-ministro tinha antecipado, o OE para 2020 prevê a criação de escalões de consumo de eletricidade, com os consumos mais baixos a pagarem menos IVA - uma ideia que apresenta dificuldades de aplicação, por um lado, e que ainda depende da autorização de Bruxelas. "Ou o pedido é feito já ou a medida não vai entrar em vigor com o Orçamento do Estado, tal como aconteceu com a medida de redução do IVA da potência contratada", recorda Ricardo Reis, da Deloitte.

Há ainda um regresso da tentativa de taxar as corridas de toiros no IVA máximo. "As entradas em espetáculos tauromáquicos passam a ser novamente tributadas em sede de IVA à taxa normal de 23%", propõe o governo, ao mesmo tempo que reduz para 6% as entradas em jardins zoológicos, botânicos e aquários públicos e as visitas a museus. A tauromaquia mantém-se a 6%, depois de o Parlamento ter chumbado, no ano passado, a intenção do governo de fazer deste espetáculo uma exceção, mantendo-o nos 23% enquanto baixou os restantes para a taxa reduzida - resta saber se a nova configuração passará no Parlamento (leia mais aqui) .

10. Um sinal às empresas

Benefícios fiscais às exportadoras, alívio para as PME e incentivos às que se fixem no interior são os sinais mais significativos que este OE traz para as empresas. No que respeita ao aumento do teto máximo dos lucros reinvestidos, irá garantir deduções em IRC para micro, pequenas e médias empresas. O valor global do reinvestimento chega, como previsto, aos 12 milhões de euros - com a dedução máxima a ficar assim em 1,2 milhões de euros (10%), e as empresas têm quatro anos para gozar desta dedução após as operações de recapitalização. Para o setor exportador, o governo fala em criar mais benefícios fiscais para sustentar a internacionalização - trata-se de mais uma autorização legislativa para isentar de imposto de selo na compra de seguros de crédito à exportação, "com possível inclusão de outras formas de garantias de financiamento à exportação".

Mas deverá haver ainda mais alterações. Desde logo, por via das medidas destinadas à valorização do interior: a taxa mais reduzida de IRC, de 12,5%, para os negócios que se fixem nos concelhos de menor densidade, também se estende aos 25 mil euros de matéria coletável. Por outro lado, haverá deduções em IRC para 20% dos encargos com salários acima dos 635 euros de retribuição mínima garantida.

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