Se der uma volta na despensa, facilmente se apercebe que existem vários códigos de cores nos rótulos dos alimentos. Há fabricantes que usam o semáforo nutricional desenvolvido no Reino Unido, outros adotaram o modelo de cinco cores (Nutri-Score) criado em França e há ainda algumas variações. Para evitar que existam múltiplos semáforos no mercado, um grupo de especialistas publicou um artigo científico, no qual defende que o governo português deve adotar o sistema de rotulagem Nutri-Score e torná-lo o único sistema usado a nível nacional..Portugal passou da ausência quase total de sistemas interpretativos nos rótulos para uma grande variedade de semáforos nutricionais. "Não há uma linha guia concreta para as empresas, que começaram a usar múltiplos sistemas interpretativos", diz o médico Francisco Goiana da Silva, principal autor do estudo. O Continente usa o semáforo nutricional há dez anos, por exemplo, enquanto a Auchan utiliza o Nutri-Score. E há multinacionais que querem desenvolver os seus próprios modelos. Perante este cenário, o investigador do Centre for Health Policy of Global Health do Imperial College de Londres reuniu um grupo de especialistas para "produzir evidência científica" sobre o modelo o usar.."A nossa recomendação é que o governo dê instruções diretas ao mercado alimentar para que seja usado apenas um sistema, que apresente mais evidências científicas de efetividade a ajudar as pessoas a fazer escolhas mais saudáveis para evitar uma multiplicidade de sistemas, que criam confusão no consumidor", refere o médico, destacando que esse sistema "é o Nutri-Score". Uma recomendação, assegura, que vai ao encontro do que são as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS): um único sistema, que seja determinado pelo Estado e não pelas empresas..Trata-se de uma escala de cinco cores - que vai do verde-escuro até ao vermelho - que classifica os alimentos consoante a sua qualidade nutricional. Desenvolvido pelo Ministério da Saúde francês, este modelo foi entretanto adotado por outros países, nomeadamente Espanha e Bélgica. "Não condiciona, não é proibitivo, mas ajuda as pessoas a fazerem escolhas alimentares mais saudáveis", destaca Francisco Goiana da Silva. Entre as principais vantagens, o médico destaca, por exemplo, o facto de ter cinco cores e cinco letras, o que evita confusões entre a população daltónica..A recomendação dos especialistas é para que o uso deste modelo seja voluntário, "mas, para as empresas que quiserem usar um destes sistemas, que seja este [o Nutri-Score]". No entanto, assume, o ideal "era que todos os operadores do setor fossem incentivados a usar este sistema interpretativo em todos os seus alimentos". Segundo o médico, o governo pode determinar que em Portugal só pode ser usado o Nutri-Score e, paralelamente, dar formação às pessoas para uma melhor interpretação dos rótulos..Direção-Geral da Saúde (DGS) estuda qual o melhor modelo.Até ao momento, não há qualquer recomendação do governo nesta área. Maria João Gregório, responsável pelo Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde e coautora do estudo, explica que este tipo de modelos "podem ser recomendados pelo governo, mas não podem ter um carácter obrigatório". Ao contrário da declaração nutricional, que é obrigatória em todos os produtos, "os modelos que aparecem na parte da frente têm de ser facultativos". No entanto, frisa, "seria importante que Portugal recomendasse um modelo específico", porque com a adoção de vários sistemas, o momento da compra pode tornar-se "ainda mais confuso"..Apesar de considerar que a consulta dos rótulos pode ser muito importante, cerca de 40% dos consumidores portugueses não compreendem a informação nutricional básica contida nos rótulos dos alimentos, segundo um estudo encomendado pela DGS, cujos resultados foram apresentados em 2017. "É preciso ter alternativas, apresentar a informação num formato que permita que a sua leitura seja mais fácil e que isso se reflita em escolhas mais saudáveis", afirma Maria João Gregório, destacando que estes modelos constituem também um incentivo à reformulação dos produtos. "Ninguém quer ter vermelhos na parte da frente das embalagens.".Neste momento, a DGS encontra-se a desenvolver um estudo para determinar qual o melhor modelo a implementar em Portugal, sendo expectável que os resultados possam ser apresentados dentro de um mês. "Em Portugal, será melhor implementar o semáforo nutricional, o Nutri-Score, um modelo que combine os dois ou um sistema de warming que alerta para elevadas quantidades de açúcar ou sal?" Uma recolha de informação que poderá "gerar uma tomada de decisão". No entanto, sublinha, "qualquer modelo é melhor do que não ter nada"..Ordem defende Nutri-Score.Na opinião de Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, o Nutri-Score é o sistema mais adequado "porque reúne evidências científicas mais robustas para promover escolhas alimentares mais saudáveis", independentemente "do estatuto socioeconómico dos indivíduos". Em França, por exemplo, tem vindo a demonstrar vantagens mesmo na população mais desfavorecida e exposta a alimentos menos interessantes do ponto de vista nutricional.."Está na altura de o governo e os vários stakeholders avançarem com um instrumento destes", alerta a bastonária. Paralelamente, prossegue, "é necessário promover uma abordagem integrada de políticas de alimentação saudável e trabalhar as questões da capacitação dos consumidores ao nível da literacia alimentar e nutricional"..Em Portugal, mais de metade da população tem excesso de peso. De acordo com os dados mais recentes, a prevalência da obesidade, ponderada para a distribuição da população portuguesa, é de 22,3% e a prevalência de pré-obesidade a nível nacional é de 34,8%.