Bloomberg vs. Trump. É preciso um milionário para derrotar outro milionário?
Quando em 2016, depois de ser eleito presidente, Donald Trump lhe pediu conselho sobre o que devia fazer, Michael Bloomberg não hesitou: "Não sabes nada disto. Contrata pessoas mais inteligentes do que tu". O milionário da construção garantiu ao milionário dos media que não havia ninguém mais inteligente do que ele. E a conversa terá ficado por aqui. Passados três anos, e contrariando o que dissera há meses, Bloomberg estará a pensar seriamente em entrar na corrida à nomeação democrata para as presidenciais de 2020. Aos 77 anos, o ex-mayor de Nova Iorque ainda não confirmou oficialmente que é candidato para impedir um segundo mandato de Trump, mas já foi ao Arkansas inscrever-se nas primárias.
Será preciso um milionário para derrotar um milionário? A pergunta impõe-se e revela bem o estado do Partido Democrata. Com 17 candidatos ainda na corrida à nomeação - o ex-governador do Massachusetts Deval Patrick a juntar-se à lista, há dias - a verdade é que nenhum parece convencer totalmente os eleitores. Ou ter os argumentos necessários para derrotar Trump. Nas últimas semanas, a senadora Elizabeth Warren impôs-se como a favorita, surgindo em primeiro lugar nas sondagens, como na última do instituto YouGov que lhe dá 26% das intenções de voto. O ex-vice-presidente Joe Biden surge em segundo, com 23% e o senador Bernie Sanders é terceiro com 17%. Depois deste trio da frente, segue-se um enorme pelotão de candidatos, cujas hipóteses de obter a nomeação parecem muito remotas.
Ora se Joe Biden, o primeiro grande favorito, muito graças às suas posições moderadas e à herança de oito anos ao lado do presidente Barack Obama, tem vindo a perder terreno, Sanders e Warren partilham do mesmo "problema": são vistos como demasiado liberais e radicalmente de esquerda para atrair o voto dos moderados e dessa classe média que em 2016 se virou para Trump, acusando os democratas de ignorarem os seus problemas.
Caso decida mesmo avançar - muito em reação contra as políticas fiscais de Warren, decidida a criar impostos pesados sobre as grandes fortunas -, Bloomberg irá posicionar-se ao centro. Nada que espante de um homem que toda a vida foi democrata, tendo deixado o partido em 2001 para se candidatar à presidência da Câmara de Nova Iorque pelos republicanos, apenas para mais tarde se registar como independente e vencer um segundo mandato, tendo conseguido ainda um terceiro - o que o colocou à frente da cidade entre 2002 e 2013.
Oitavo homem mais rico dos EUA, com uma fortuna que a Forbes avalia em mais de 53 mil milhões de dólares, o que faz dele a 14.ª pessoa mais rica do mundo, Bloomberg construiu um império dos media a partir do nada. Um passado que faz dele o homem ideal para destruir os argumentos de Trump quando usa o seu passado de empresário como prova do seu sucesso e capacidade negocial. Nascido em Boston, Bloomberg cresceu numa família judia de classe média. Filho de um contabilista, formou-se na Universidade Johns Hopkins e começou a carreira na banca de investimento, antes de usar o dinheiro que ganhara para fundar a sua própria empresa, a Bloomberg LP.
Com uma vasta experiência de gestão executiva nos oito anos em que esteve à frente da Câmara de Nova Iorque - um colosso que gere um orçamento anual de mais de 90 mil milhões de dólares e organiza a vida de quase 8,5 milhões de pessoas -, se avançar com a candidatura, Bloomberg vai destacar-se entre rivais com muita experiência política mas menos habituados a lidar com os problemas do dia-a-dia.
Acusado de falta de carisma, o frio e calculista Bloomberg seria com certeza um contraste em relação aos episódios de raiva a que Trump já habituou a América e o mundo no Twitter.
Mas o milionário também tem os seus pontos fracos. Muitos não lhe perdoam a forma "paternalista" como geriu Nova Iorque, proibindo não só o fumo até em alguns espaços públicos, como baniu os refrigerantes grandes por serem demasiado açucarados. Os afro-americanos não esquecem o seu apoio ao stop and frisk, que permitia à polícia da cidade parar um suspeito na rua e revistá-lo sem qualquer acusação. Operações que acabariam por ser proibidas por um juiz federal que considerou que violavam os direitos das minorias, uma vez que tinham muitas vezes como alvo afro-americanos ou hispânicos.
Homem, branco e velho (dos candidatos democratas, só Bernie Sanders, aos 78 anos, é mais velho do que ele), Bloomberg terá dificuldades em apelar ao voto da ala mais à esquerda e liberal do partido, muito focada nos direitos das minorias. Mas serão talvez as mulheres o seu maior desafio. Ao longo das últimas décadas, o milionário tem sido acusado de fomentar uma cultura misógina nas suas empresas. Várias funcionárias da Bloomberg LP apresentaram queixa por discriminação e assédio sexual nos anos 1990. E o próprio Bloomberg confessa na sua autobiografia ter "uma namorada em cada cidade". Casado entre 1975 e 1993, Bloomberg mantém uma relação com Diane Taylor desde 2000. Mas nos seus anos de solteiro, o empresário confessa que "gostava de ir jantar, ir ao cinema e de perseguir mulheres". "Deixem-me pôr as coisas desta forma", disse aos jornalistas, "sou um homem solteiro, heterossexual e milionário que vive em Manhattan. O que é que acham? É um sonho molhado!".
Para já, as reações à eventual entrada de Bloomberg na corrida foram bastante duras. Sanders acusou o milionário de estar a tentar "comprar" a eleição para a Casa Branca, Warren afirmou-se "chocada" com a possibilidade. Já Biden, quem talvez mais fique prejudicado com a entrada de Bloomberg na corrida, limitou-se a dizer que da última vez que olhou para as sondagens: "Eu aparecia bem à frente dele..
Fiel a si próprio, Donald Trump reagiu atribuindo logo uma alcunha ao potencial adversário: "O pequeno Michael vai falhar!", garantiu, referindo-se à pequena estatura daquele que muitos analistas apontam, no entanto, como o melhor antídoto dos democratas para tirar Trump da Casa Branca.