A goiabeira contra a política que lhe fazem nos galhos
Não sei como catalogar o assunto deste meu texto. Geopolítica ou um encolher de ombros? Compaixão ou colete de forças? Ou relembrar, adaptando para tema mais grave, a velha máxima do humorismo, "podemos rir de tudo, mas não com toda a gente." Para o caso presente: posso atoleimar sobre tudo, mas não se fui indigitado para ministro.
Falemos, então, da goiabeira. Uma goiabeira no quintal deveria livrar-nos da maluquice varrida - mas já veremos que hoje nada está garantido. A goiabeira não é uma árvore, é um pé de goiaba, coisa modesta. Está aí uma das grandezas dela, ser uma arvorezinha, um arbusto próprio para ensinar os garotos a trepar pelo seu caule liso, difícil de esgalhar e logo repartido em mais ramos. A goiabeira são vários patamares, baixos e sempre seguros. A goiabeira é um incentivo aos pés na terra mesmo quando a subimos.
Outra grandeza é o cheiro do seu fruto, tão bom só talvez o da pitanga. Mas volto à beleza de subir - aprendizagem sem risco, já o disse - a um ramo de pé de goiaba. Dá para ver de mais perto um rabo-de-junto, ou uma celeste, a debicar a goiaba. Bom de ver, mas também de aprender. As goiabeiras não se plantam, reproduzem-se pelo casamento da goiaba com o passarinho. Generoso encontro. Engolida a polpa, a semente (há muitas lá no meio) parte naturalmente - a natureza nunca é feia - e, quentinha e fecunda, vai fazer nascer outro pé de goiaba em quintal próximo.
A goiabeira é um milagre, dos melhores (únicos?), daqueles que não precisam de invocar seres sobrenaturais que nunca são vistos. Está ali - humilde, cheirosa, saborosa, educadora e generosa. Ali, palpável. E abrindo novos mundos ao mundo. Sabem que o sociólogo Gilberto Freyre, tão esquecido e sábio, nordestino, conhecedor do brasileiro - saído da semente portuguesa, negra e índia -, sabem que ele achou necessário escrever sobre o encontro da goiaba com o queijo? Maravilha simples de juntar e saborear. "Todo o mundo é composto de mudança/ Tomando sempre novas qualidades"..., escreveu, não esse mas outro sábio.
A goiaba, a goiabeira, o pé de goiaba... - ali, palpáveis. À mão de semear, semear mais goiaba, goiabeiras, pé de goiabeira. Coisas. Factos. Substantivos... Há dias, Damara Alves, futura ministra, pastora evangélica indigitada pelo presidente Jair Bolsonaro para a pasta de Mulheres, Família e Direitos Humanos, falou publicamente de um drama seu. Coisa. Facto. Substantivo. Ela foi violentada em criança. Coisa, facto, substantivo - um drama quantificado, percentualizado, vulgarizado e exigindo medidas eficazes e políticas. Mas, logo que o aludiu, ela abandonou o abuso. A já indigitada ministra e contumaz pastora evangélica enveredou pela seguinte maluquice.
"Aos 10 anos de idade eu quis me matar. Eu estava em cima do pé de goiaba com o veneno na mão e quando eu ia comer o veneno, eu vi Jesus se aproximando do pé de goiaba. Eu tive uma revelação extraordinária. Quando eu vi Jesus, irmãos, eu esqueci o veneno. Não tomei o veneno. Daqui a pouco, Jesus Cristo começou a se aproximar do pé de goiaba, e ele olhava para mim. Ele era tão lindo, tinha uma roupa comprida, uma barba comprida. Aquela visão que a criança tem de Jesus."
Continuou pregando a futura ministra, a pastora religiosa, sempre: "Jesus Cristo começou a subir no pé de goiaba. E quando eu vi Jesus subindo o pé de goiaba e eu pensava assim na minha cabeça: não sobe Jesus, você não sabe subir em pé de goiaba. Você vai cair, e você vai se machucar. Já te machucaram tanto na cruz. Eu amava tanto Jesus, irmãos. Eu amava tanto e eu não ia mais para o céu, mas eu não queria que Jesus se machucasse caindo do pé de goiaba. Mas eu vou contar algo que a igreja não sabe. Jesus é tão poderoso, tão poderoso, que ele conseguiu subir no pé de goiaba sem cair. E ele foi para o galho onde eu estava. E, lá naquele galho do pé de goiaba, Jesus Cristo me deu o abraço que a igreja não deu." Fim de excitação maluca.
Voltando ao mundo real, e já que se fala de Jesus, disse ele (citado por Mateus, Marcos e Lucas): "Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." O governo do mundo, uma coisa; o que quisermos crer (e sobretudo malucar), outra. Jesus disse isso para atacar os sumo-sacerdotes, como então se chamava aos fariseus que o tentavam enganar. Bons tempos em que os fariseus só tentavam enganar gente e, além disso, não insistiam também em ser mentecaptos. Voltando ao mundo real: a goiabeira (a coisa, a Psidium guajava, não as maluquices que se lhe inventam nos galhos) tanto podia ensinar sobre uma boa política de Mulheres, Família e Direitos Humanos!