Politólogos não acreditam que morte política de Costa possa ser revertida

Juiz considera suspeitas de pressões sobre o primeiro-ministro pouco fundamentadas, mas a lentidão da justiça e historial dos partidos na reabilitação de políticos são fortes entraves. Presidenciais de 2026 podem ser a hipótese.
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As notícias acerca da morte política de António Costa tornaram-se manifestamente exageradas a partir do momento em que o juiz de instrução criminal Nuno Costa considerou pouco fundamentadas as suspeitas do Ministério Público quanto a pressões exercidas sobre o primeiro-ministro demissionário em prol de um centro de dados em Sines? Alerta de spoiler: os politólogos ouvidos pelo Diário de Notícias duvidam que o homem que parecia destinado a suplantar a longevidade no poder de Cavaco Silva tenha um caminho de volta, por tudo o que entretanto foi posto em marcha na política portuguesa, e ainda mais pela expectável lentidão da justiça que foi invocada pelo próprio Costa para dizer, no sábado, que "com grande probabilidade não exercerei nunca mais qualquer cargo público".

Quanto à primeira questão, que já se traduziu no anúncio de legislativas antecipadas para 10 de março e na apresentação das candidaturas de José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos à liderança do PS, poderá dizer-se que António Costa se precipitou ao apresentar a demissão ao Presidente da República, com a tese de que o fazia por estar a ser alvo de um processo-crime? António Costa Pinto é taxativo quanto a uma eventual precipitação: "Não, antes pelo contrário". Em sua opinião, Costa "iria ser, de uma forma ou de outra, forçado a demitir-se", não havendo outra rota possível para "um primeiro-ministro em funções a sofrer um inquérito judicial, mesmo que possam existir poucos indícios".

Contra Costa concorre ainda, na opinião do politólogo, "a cultura do PS no poder no pós-recuperação do caso Sócrates", repetindo-se desde então, como palavra de ordem: "À justiça o que é da justiça". Uma frase que também foi referida por Pedro Nuno Santos na hora de poder avançar para a sucessão do secretário-geral do PS muitos anos antes do que estaria nas suas previsões.

Pelo contrário, para José Adelino Maltez, António Costa "foi muito impulsivo" ao avançar para a demissão, apresentada a Marcelo Rebelo de Sousa e comunicada aos portugueses a 7 de novembro. Mas o politólogo admite que o primeiro-ministro tenha tomado essa decisão por conhecer "muito melhor a realidade da Operação Influencer, o que é terrível, porque leva a teorias da conspiração".

A possibilidade de um regresso à vida política ainda antes de a deixar de vez é cenário que, assumindo um papel de "analista de personagens", Adelino Maltez afasta num momento em que dois candidatos disputam a liderança do PS. Até porque concorda que "provavelmente Costa não poderá exercer cargos públicos porque este processo vai demorar anos".

Quanto à mudança de circunstâncias decorrente dos desenvolvimentos do processo judicial, a politóloga Patrícia Calca reconhece que "a informação disponível já não é a que pensávamos na semana passada, a realidade hoje não é a mesma e a narrativa conta muito". E identifica uma "campanha mediática" iniciada com a comunicação televisiva na noite de sábado, na qual António Costa marcou distância em relação ao seu ex-chefe de gabinete, Vítor Escária, e ao gestor Diogo Lacerda Machado, a quem revogou o estatuto de "melhor amigo".

No entanto, a politóloga também não esquece a situação complexa em que se encontra o primeiro-ministro demissionário. "Se por um lado tem de procurar defender o seu nome, não pode deixar o seu partido no abismo". Uma ameaça que se já vai traduzindo nas intenções de voto, com um partido que chegou à maioria absoluta há menos de dois anos, com 41,37% dos votos, sempre abaixo dos 30% nas sondagens mais recentes.

"Quem é responsável pelas crises é responsabilizado no momento eleitoral seguinte", diz Patrícia Calca, para quem uma perceção generalizada de que as suspeitas do Ministério Público têm indícios relevantes, envolvendo António Costa e outros atuais ou anteriores membros dos seus governos poderá ser tão penalizadora para o PS como o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 foi para o PCP e para o Bloco de Esquerda.

Para António Costa resta a compensação de que, "da esquerda à direita, ninguém pôs em causa a seriedade do primeiro-ministro", no que Patrícia Calca encara como "um descolar da situação de José Sócrates". Algo que poderá levar a que "volte a ter uma posição relevante". E que até poderá ser a poucos quilómetros da Presidência do Conselho de Ministros.

Sendo António Costa hábil com as palavras, prática refinada ao longo de décadas dedicadas à política e oito anos como primeiro-ministro, tendo de comunicar aos portugueses assuntos que foram desde o entendimento que "derrubou o muro" que separava o PS dos partidos à esquerda até ao combate à pandemia que chegou a matar diariamente centenas de portugueses, passou relativamente despercebida uma nuance no discurso de sábado. Ao manter a previsão de que não voltará a exercer cargos públicos, acabou por acrescentar a palavra "executivos". Algo que poderá fazer uma grande diferença à medida que se for aproximando do fim o segundo mandato presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa

A hipótese da total ilibação de António Costa poder abrir caminho para a sua candidatura nas presidenciais de 2026, ainda que no campo socialista existam alternativas como Augusto Santos Silva ou Francisco Assis, poderá ser mais plausível do que um alto cargo na União Europeia. "Poderá acontecer se, como Marcelo sugeriu, a justiça for célere", reconhece António Costa Pinto.

O politólogo ressalva, no entanto, que "nunca houve um caso de um primeiro-ministro inocentado" e que "os partidos tendem a não recuperar politicamente aqueles que foram vítimas de suspeitas judiciais que não se comprovaram", apontando exemplos como os do socialista Paulo Pedroso e do social-democrata Miguel Macedo.

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