UE-EUA.Tarifas comerciais, covid-19 e clima na agenda em Bruxelas

Depois da cimeira de ontem da NATO e antes do encontro de amanhã com Vladimir Putin, Biden reúne com Charles Michel e Von der Leyen para continuar a construir a relação com os aliados europeus.
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Depois de conseguir que os aliados da NATO designem a China como um "desafio sistémico" e antes de reunir com o presidente russo, Vladimir Putin, na esperança de que as relações entre Washington e Moscovo voltem a ser "previsíveis", o presidente dos EUA, Joe Biden, tem hoje encontro marcado com os líderes da União Europeia (UE). Na agenda da cimeira com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Bruxelas, estão as tarifas, e o desejo de pôr fim a uma guerra comercial que já dura há anos, a pandemia da covid-19 (nomeadamente as suas origens) e não só.

"Gostaríamos de utilizar esta cimeira para chegar a acordo com os EUA sobre uma ambiciosa agenda de cooperação em quatro áreas-chave: combater a pandemia da covid-19 e impulsionar uma recuperação global sustentável, proteger o nosso planeta e fomentar o crescimento verde, reforçar o comércio, o investimento e a cooperação tecnológica, e construir um mundo mais democrático, pacífico e seguro", disse a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, intervindo na semana passada, em representação do Conselho da UE, num debate no Parlamento Europeu. A cimeira, acrescentou, tem "potencial para ser um marco fundamental na renovação e revitalização" das relações transatlânticas.

Quatro anos depois da última cimeira UE-EUA, quando na Casa Branca estava então Donald Trump, Biden está em Bruxelas para continuar a reconstruir as relações com os aliados. E se há um espinho nas relações entre Washington e Bruxelas, esse espinho são as tarifas comerciais retaliatórias impostas nos últimos anos, de 25% sobre as importações de aço da UE e de 10% sobre o alumínio.

Em março, os dois blocos concordaram em suspender as tarifas impostas após limitações comerciais norte-americanas aos produtos siderúrgicos europeus, no rescaldo do problema das ajudas públicas à aviação - a Boeing no caso dos EUA e a Airbus no da UE. Segundo um rascunho do texto que será assinado hoje, ambos os blocos concordam pôr fim à disputa sobre os subsídios à aviação entes de 11 de julho, estabelecendo a data de 1 de dezembro para acabar de vez com as tarifas retaliatórias ao aço e alumínio.

Na cimeira, estarão também em cima da mesa as questões climáticas, com EUA e União Europeia a defender uma maior cooperação global para enfrentar as alterações climáticas. Trump levou os EUA a deixar o Acordo de Paris, mas Biden comprometeu-se em abril em cortar até 2030 pelo menos metade das emissões de carbono, dos níveis de 2005. A União Europeia comprometeu-se em cortar, também em menos de uma década, 55% das emissões (sendo os valores de referência os de 1990).

Outro dos temas será a covid-19, com ambos os lados a defender um novo estudo "livre de interferências" sobre as origens da pandemia, detetada inicialmente na cidade chinesa de Wuhan. Uma das hipóteses que tem sido estudada é o vírus ter tido origem num laboratório da cidade, e não ter passado dos animais para os humanos. Os peritos da Organização Mundial de Saúde que estiveram no terreno (já este ano) queixam-se de que não tiveram acesso a todos os dados. Em relação às vacinas, o rascunho das conclusões finais ao qual a Reuters teve acesso não menciona a questão do levantamento das patentes - que os EUA defendem, mas alguns países europeus contestam.

Biden chega ao encontro desta terça-feira em Bruxelas depois de uma cimeira do G7 e de uma da NATO onde o foco foi para a China. No Reino Unido, o presidente convenceu os líderes das outras seis maiores economias do mundo a apostar numa iniciativa para servir de contrapeso à nova rota da seda chinesa ("Um Cinturão, Uma Rota" que tem permitido a Pequim apostar numa rede quase global de infraestruturas), tendo liderado também o grupo nos apelos ao respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais na China.

Já diante dos parceiros da Aliança Atlântica, na cimeira de ontem em Bruxelas, Biden conseguiu uma posição comum face a Pequim. "As declaradas ambições da China e o comportamento assertivo da China representam desafios sistémicos à ordem internacional baseada em regras e a outras áreas relevantes para a segurança da Aliança. Preocupam-nos as políticas coercivas que contrastam com os valores fundamentais que preserva o Tratado de Washington", dizia o comunicado final, onde Pequim surge como um permanente desafio à segurança e é acusada de tentar alterar a "ordem mundial".

A velha némesis, Rússia, também não foi esquecida, alegando-se que o "crescente reforço" da sua capacidade militar, para além "da sua postura mais afirmativa, as suas inovadoras capacidades militares e as suas atividades provocadoras, designadamente na proximidade das fronteiras da NATO (...) constituem uma crescente ameaça para a segurança da zona euro-atlântica".

Na quarta-feira, Biden viaja para Genebra, na Suíça, para o primeiro encontro com o homólogo russo - que descreveu recentemente como um "assassino". Mas mesmo se o objetivo de Washington é ter uma relação mais estável e previsível com Moscovo, dificilmente esse será o resultado da cimeira. Numa entrevista à NBC, Putin considerou "ridículas" as acusações de que a Rússia está por detrás dos ataques informáticos contra os EUA - uma das acusações que Biden tem feito. "Onde está a prova? Está a tornar-se uma farsa", disse Putin, dizendo que Moscovo está a tornar-se no bode expiatório para tudo.

Na mesma entrevista, o presidente russo mostrou-se disposto a negociar uma troca de prisioneiros, sendo que Biden já levava o tema na bagagem. A conversa não será mais harmoniosa quando o presidente norte-americano questionar, por exemplo, a perseguição aos opositores russos ou o envenenamento de Alexei Navalny. Biden está também a ser pressionado para abordar o apoio de Putin ao regime na Bielorrússia ou a anexação da Crimeia, com o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, a lamentar que Biden não se tenha reunido primeiro com ele.

susana.f.salvador@dn.pt

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