O preço do europeísmo português 

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Quando Portugal assinou a adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), a 12 de Junho de 1985, fê-lo com enorme consenso político interno, à exceção de comunistas e de alguns isolacionistas de direita, e por duas razões principais: ancorar a recém-democracia portuguesa no Ocidente e receber os fundos europeus. Passados 35 anos, a pertença ao Ocidente é inequívoca, o consenso europeu nacional está diferente mas a dependência dos fundos mantém-se. Nas vésperas de mais uma transformação da Europa, precisamos de fazer estes balanços para nos pormos de acordo quanto ao que aí vem. Ou não.

Mário Soares, acima de tudo, mas também Sá Carneiro e Freitas do Amaral tinham a noção clara de que Portugal precisava de aderir à CEE para não correr o risco de escorregar para o universo dos Não Alinhados ou mesmo dos satélites da União Soviética. De um lado, só a direita com saudades do Estado Novo era contra. Do outro, o Partido Comunista Português recusava a adesão porque considerava, e considera, a CEE parte da Internacional Capitalista. Com razão.

No início dos ano 90, o reforço da integração com redução de soberania e aumento dos poderes da União Europeia (uma espécie de federalismo em curso) do Tratado de Maastricht alimentou uma divisão na Europa, e interna. À direita, um CDS transformado por Manuel Monteiro (e Paulo Portas, n"O Independente e não só) começa a levantar objeções, inspiradas por Thatcher que entretanto saíra do governo mas não deixava de declarar que (obviamente) era contra o Tratado.

O anti-europeísmo (como era cunhado pelo consenso maioritário) de direita dizia que a Europa pós Maastricht seria mais alemã, menos soberana, porque os Estados Membros não poderiam escolher as suas políticas e acabariam a importar mais das indústrias europeias e a produzir menos na agricultura e nas pescas, e que Portugal perderia por deixar de poder usar a política monetária como instrumento de política económica. O tempo deu-lhes alguma razão, até onde menos se esperaria.

Quase 30 anos depois dessa divisão, as críticas que agora surgem à esquerda vão em parte nessa direção. Invocam, contra a forretice dos frugais, que foram os países ricos do norte que mais beneficiaram com o mercado interno, que enquanto nós estávamos em crise, na verdade eram os bancos alemães que eram resgatados, e que a moeda única nos impediu de ter políticas próprias. Nos congressos socialistas já não basta dizer "Viva a Europa" para ter palmas. É preciso dizer "a Europa social".

À direita, pelo contrário, ainda há os soberanistas, claro, mas há cada vez mais quem reconheça que a Europa nos faz a economia muito mais liberal do que de outro modo seria. O consenso político interno sobre a Europa já não é o que era. Exceto num tema: os fundos. Precisamos muito.

A resposta europeia a esta crise, incluindo os fundos que aí podem vir, tem várias consequências. Vai aumentar a integração económica e a coordenação de políticas nacionais, comprimindo necessariamente soberania. E vai, centralizadamente, definir prioridades e políticas públicas com enorme impacto económico.

Desta vez devíamos discutir para onde e como vai ser gasto o "dinheiro da Europa" e, aceitando as consequências políticas e institucionais, definir como as queremos influenciar. Para que daqui a 35 anos não venhamos a dizer que os outros, malandros, é que ficaram ricos às nossas custas.

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