"O mais importante é ser googlado e os meus filhos não se envergonharem"

Tim Vieira, de 42 anos, é um empreendedor e empresário nascido em Joanesburgo. A propósito do centenário de Mandela, que se assinala dia 18, diz ao DN que a sua maior preocupação é dar o exemplo - tal como ele fez - e não se limitar a acumular dinheiro só porque sim
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Na Tim"s Garage, escritório sui generis do empresário lusodescendente Tim Vieira em Cascais, há pelo menos duas dezenas de carros e motos de luxo, de Porsche a Harley Davidson ou Vespa. E mais um sem número de máquinas de jogos (pinball ou flippers).

"Guardo o espírito de uma pessoa jovem, não levo a vida muito a sério. Tenho aqui um bocado das minhas paixões e partilho também isso com outros. Eu podia ter mais dinheiro, mas divertia-me menos, então foi uma escolha de vida: tentar coisas diferentes, negócios diferentes, conhecer mercados e pessoas igualmente diferentes", conta ao DN o homem que tem negócios em áreas que vão desde as plantações de framboesas em herdades da Zambujeira do Mar, às agências de publicidade em Angola, passando pelo imobiliário, até uma produtora de filmes.

"Começámos com 1 hectare e agora temos 30. Portugal é um país que dá para isso, temos água, sol, boa temperatura, é um país que dá para fazer agricultura o ano todo. Tenho algumas start-ups, projetos no imobiliário e dois filmes a sair este ano, da produtora Caracol: 'As Linhas de Sangue' e 'Carga', conta ao DN, na Tim's Garage em Cascais.

Nascido em Joanesburgo, na África do Sul, há 42 anos, Tim Vieira está de forma mais permanente em Portugal há quatro (depois de ter passado uma temporada em Angola). "Eu na África do Sul não acabei o curso de Business, por isso não sou, like, como é que dizem, licenciado, não é?! O meu pai começou a trabalhar na aviação, depois abriu uma loja, eu comecei logo a trabalhar lá. Depois sempre foi de um negócio para o outro. Foi sempre a tentar ver oportunidades. Foi a universidade da vida [risos]. Na África do Sul, tive um negócio que ficou grande e que era de cerveja. Cresceu muito e, depois, perdi tudo. Aos 26 anos comecei do zero. Bem, já tinha a minha mulher, mãe dos meus três filhos, por isso não foi do zero. Foi do um [risos]".

Em Angola, onde esteve entre 2001 e 2014, montou um grupo de media, que teve "uma agência de publicidade, outdoors, impressão, digital" e conta hoje em dia com cerca de 400 empregados. "Estamos em Angola, em Portugal, temos que ter uma visão global. Mesmo se estamos a produzir em Portugal, temos que estar a vender para fora, não podemos ter um cliente, mas sim vários. Não podemos estar à espera da próxima crise. E começo a ver em Portugal que as coisas estão a mudar. Mais empreendedorismo. Não estar à espera do governo para avançar. Os empreendedores estão de parabéns, conseguiram superar a crise, até fazer com que Portugal tenha um nome muito melhor. Por todo o lado onde vou ouço boas coisas de Portugal e isso é bom".

Tim Vieira, que se assume como um homem positivo, foi um dos financiadores do programa da SIC Shark Tank. É um empreendedor, self made man, gosta de apoiar empreendedores. "Fiz uma temporada. Foi uma experiência muito boa numa altura de crise. Então veio dar um bocadinho de esperança, mostrar pessoas que têm um Plano A, B,C, D...e que não há só uma maneira de chegar ao sonho. Há negócios que correram bem, compraram de volta a participação que eu tinha, outros que não correram bem e já fecharam. Há outros que estão a crescer".

O lusodescendente organizou já também, por duas vezes, o Mandela Legends Cup. Um jogo solidário que junta algumas das grandes estrelas do râguebi mundial. As receitas do de junho, no estádio do Jamor, reverteram para a Escolinha de Râguebi da Galiza. Este é um projeto social que tem o objetivo de promover a modalidade junto de várias escolas de Cascais. Tim trouxe a Portugal, jogadores sul-africanos emblemáticos, como por exemplo Chester Williams.

"O râguebi é um desporto que diz muito sobre as lições da vida. No râguebi há espaço para todos, todos conseguem ser parte de uma equipa, há lugar para rápidos, mais vagarosos, grandes, fininhos, gordos, magros. Na vida é um bocadinho isso, há espaço para cada um de nós, para o talento de cada um. O râguebi é aquele desporto em que se não trabalharmos em equipa não chegamos a nenhum lado. É difícil alguém, sozinho, destacar-se. É um desporto em que para andar para a frente temos que passar a bola para trás e a outra pessoa é que vai para a frente. Então é mesmo como na vida: temos que andar para a atrás, às vezes, para depois poder voltar a andar para a frente. Ou então, dar a alguém uma parte do nosso projeto ou da nossa vida que é para as coisas andarem para a frente", constata o empresário.

Recorda-se onde estava a 24 de junho de 1995? O dia da final do Mundial de Râguebi na África do Sul? Em que a seleção sul-africana Springboks venceu os neozelandeses All Blacks no estádio de Ellis Park? "Lembro-me muito bem de onde estava nesse dia: em casa com amigos a ver o jogo. Logo que ganhámos fomos de carro para o estádio. Era um pandemónio. Levámos aí quatro horas para conseguir chegar perto do estádio mas era festa por todo o lado pelo caminho. Não havia cor. Era mesmo a Nação Arco-Íris. Todos contentes a acreditar que tudo era possível. O Mundial começou com as pessoas divididas e acabou com elas unidas. Daí eu falar no poder do desporto e no poder dos bons líderes políticos. Ganhámos o jogo, não éramos favoritos, a Nova Zelândia tinha a melhor equipa de sempre. Foi algo que mudou o país. Foi uma coisa espetacular".

Tim, que tem nacionalidade portuguesa e sul-africana, esteve perto de Mandela duas vezes. Não falou com ele. Mas também não precisou. O exemplo que ele deixou, para si, é tudo. "Para mim, Nelson é um homem muito especial, que marcou não só a África do Sul mas o mundo inteiro. É um líder que soube sair da prisão 27 anos depois e, em vez de querer vingança, o que fez foi construir e unir. Isso só mostra que ele era alguém que sabia que não podia mudar o passado, mas que o futuro também não ia ser muito longo, porque já tinha uma idade avançada. Sabia que esses quatro anos [em que esteve na presidência] iam ser importantes e usou o amor e o perdão para mudar o país. Às vezes é fácil nós falarmos de liderar a partir do exemplo, mas ele fez mesmo isso. Conseguiu fazer muita gente pensar que é possível perdoar e viver em união".

Como empresário, uma das lições de Mandela que aplica é, precisamente, a de liderar a partir do exemplo. "Sim, defendo os meus valores, aquilo em que acredito. Se seguirmos os nossos valores fortes, acreditarmos em coisas sólidas, se tivermos que tomar uma decisão difícil então as coisas normalmente vão dar certo". Essa é também a máxima de vida que usa também como pai de três filhos. "Quero deixar-lhes exemplo e experiências. O resto, o dinheiro, às vezes até é um problema. A prioridade é ensinar-lhes valores". O mais importante, sublinha, de novo entre risos, "é um dia sermos gloogados e os nossos filhos não se envergonharem do que vão encontrar sobre nós".

Quanto à realidade do seu país de origem - onde ainda vai duas ou três vezes por ano e tem muita família - Tim admite que esta não é a África do Sul que Mandela deixou quando saiu da presidência a 16 de junho de 1999. "[Os seus sucessores] não têm nada a ver com ele e é por isso que as pessoas estão a perder a confiança. Por causa dos líderes. No final vai tudo ter aos líderes. Se Mandela fosse vivo hoje ele veria que não foi isto que ele deixou. Não foi este o ANC nem o futuro que ele deixou. Não está a ser bom nem para negros, nem para brancos, nem para ninguém. Está a ser péssimo para todos. As pessoas parece que só pensam nelas próprias. A verdade é que vamos todos morrer. Ninguém vai ficar para sempre. E o mais importante é pensar no que vamos deixar. E não vejo muito disso a acontecer. Para mim é muito triste. Porque é um país espetacular com pessoas espetaculares".

O empresário diz que o que faz falta não é nada de extraordinário. "É preciso um líder forte e com valores. Não precisa ser um super-homem", afirma, sublinhando que a crise de liderança não é específica da África do Sul. Existe no mundo todo. Basta olhar para a Europa. "Nós não conseguimos mudar tudo. Mas claro que se cada um de nós, individualmente, conseguisse fazer só um bocadinho, as coisas melhoravam. Mas às vezes é mais fácil ficar só a falar, sobre o que os outros fazem. Nós devíamos ter mais responsabilidade, até nas escolhas que fazemos ou não. Muitas pessoas em Portugal não votam, por exemplo. Mandela esteve 27 anos na prisão para ter um voto. Um voto. Isso mostra como é que devíamos encarar as coisas".

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