"Agradecemos a Mandela por nos ter feito vencer o Mundial de 1995"
Chester Williams conheceu Nelson Mandela em 1993, dois anos antes do Mundial de Râguebi na África do Sul. "A sua assistente pessoal, Zelda La Grange, telefonou-me. Eu, ao princípio, pensei que era brincadeira. Depois vi que era verdade e ele convidou-me para jantar em sua casa. Gostei muito de estar com ele, eu falei das minhas experiências, ele falou das suas e de como tencionava unir o país", contou ao DN em junho Chester Williams, quando esteve em Portugal para participar no Mandela Legends Cup.
O jogo, que decorreu no Jamor, juntou algumas das grandes estrelas do râguebi mundial e as receitas reverteram para a Escolinha de Râguebi da Galiza, um projeto social que tem o objetivo de promover a modalidade junto de várias escolas de Cascais. "Fiquei muito amigo dele, aprendi muito, com a sua personalidade e honestidade. O seu amor pelas crianças era impressionante porque acreditava que elas eram o futuro da África do Sul. Eu acho que são o futuro do mundo. As crianças, se ninguém olhar por elas, serão negligenciadas. É importante tentar ser como Mandela onde quer que vamos."
Chester, de 47 anos, foi uma das figuras chave da final daquele mundial a 24 de junho de 1995. Era o único jogador negro da seleção Springboks. "Estou muito orgulhoso de ti. Agora vai lá e faz toda a África do Sul ter orgulho", disse-lhe Mandela ao ouvido. A vitória dos sul-africanos sobre os neozelandeses All Blacks uniu a África do Sul num só país, durante anos dividido pelo regime racista branco do Apartheid. A história foi imortalizada no filme 'Invictus' de Clint Eastwood.
"Mandela queria unir o país, para que todos vivessem em paz e harmonia na África do Sul. Quando ganhámos o Mundial, celebrámos com ele, agradecemos-lhe por nos ter feito ganhar o campeonato pelo país", recordou Chester Williams ao DN em Cascais. Dando alegremente autógrafos às crianças que o rodearam. O ex-presidente sul-africano foi um dos convidados de honra do primeiro casamento do jogador.
"Assinalar o seu centenário, apesar de só ter vivido até aos 95 anos, é algo muito especial para nós sul-africanos. Aprendemos com a sua humildade e honestidade. Enquanto esteve preso as únicas pessoas que via eram adultos, por isso acho que também se preocupou mais com as crianças, com o facto de saber como poderia melhorar as suas vidas. Quando saiu em liberdade fez exatamente aquilo que tinha pensado fazer enquanto estava preso", sublinhou Chester.
O ícone do râguebi sul-africano explicou como é que o histórico líder da luta contra o Apartheid o inspira: "Como indivíduo, pois alguém passar tanto tempo na prisão e, depois sair, tentar agir de forma agradável com toda a gente, mostra que estamos perante um ser humano especial. Por mais que nos esforcemos por ser como ele, acho que nunca vamos sê-lo, por isso ele é ícone mundial e nós somos apenas lendas do râguebi. Mas é importante, no râguebi, seguir o exemplo dele nas equipas".
Na sua biografia, em 2002, o Chester Williams dá, porém, uma versão sobre o Mundial de Rugby de 1995 que não é assim tão romântica. No fim de contas, o que foi genuíno, o que foi puro marketing? "O jogo, em si, foi genuíno, porque nós tínhamos que ganhar para fazer com que o país se tornasse no que é hoje. Não podemos dizer que nada foi genuíno, porque tudo foi tão perfeito para nós sul-africanos: Nelson Mandela a entrar no campo, motivando-nos ao dizer que o país tinha orgulho em nós, a cumprimentar e a agradecer às pessoas, isso foi genuíno. Ele queria fazer isso, unir o país, para que todos vivessem em paz e harmonia na África do Sul. Quando ganhámos o Mundial, celebrámos com ele, agradecemos-lhe por nos ter feito ganhar o campeonato pelo país", disse o sul-africano em entrevista ao DN.
Apesar disso, Chester admite que se sentiu fortemente pressionado na altura. Por ser o único negro dos Springboks. "A pressão esteve sempre mais em mim. Não interessa se foi antes do Mundial, durante ou depois. Houve sempre pressão porque eu era a única pessoa negra na equipa e o mundo tinha os olhos postos em mim e questionava-se: "ele está ali porque é mesmo bom ou só por causa da sua cor de pele?". Tive sempre que estar a dar provas. Mas não tanto pelos outros, mais por mim, queria provar a mim próprio que era bom o suficiente. E creio que a minha história de sucesso se deve ao facto de eu ter provado a mim próprio que era bom antes de o provar aos outros".
Só agora, 23 anos depois do Mundial na África do Sul, é que um negro, Siya Kolisi, foi nomeado capitão da seleção de râguebi sul-africana. Porque é que demorou tanto tempo? "Talvez não houvesse líderes, porque leva tempo a definir um bom líder, pois ao longo desses 23 anos também tivemos líderes brancos maus. Não é fácil encontrar um superlíder como por exemplo François Pienaar [capitão em 1995]. É preciso identificar a pessoa certa. Talvez tenha vindo agora também na altura certa para a África do Sul a nomeação de Siya Kolisi".
Depois de Mandela, a África do Sul teve três presidentes: Thabo Mbeki, Jacob Zuma e Cyril Ramaphosa. Muito se tem discutido sobre se honraram ou não da melhor forma o legado de Mandela. "Todos eles têm as suas fraquezas e forças. O melhor a fazer é pegar no positivo e melhorar onde houve fraquezas", admitiu Chester, calculando que, se fosse vivo, Madiba daria ao presidente dos EUA, Donald Trump, o seguinte conselho: "Fazer a paz com toda a gente no mundo. Os EUA são muito poderosos. É preciso ultrapassar as lutas de poder para viver em paz e harmonia. Era o que Nelson queria: paz e harmonia".
Mandela, o preso número 46664 da Robben Island, não se punha a si próprio em primeiro lugar. Ao contrário do que faz Trump e outros líderes mundiais da atualidade. Para já não falar de uma grande parte da humanidade em geral. "E quando vinha para primeiro plano", fez questão de assinalar Chester Williams, "era por boas razões..."