Querer turistas, adiar o aeroporto
Se pensava que já tinha ouvido tudo sobre o novo Orçamento do Estado - que afinal nem sequer é novo, é uma recauchutagem do que vem de outubro com peças extra feitas à medida da crise trazida pela guerra ainda antes de passarem as dores da pandemia -, talvez lhe tenha passado o episódio Dr. Jekyll, Mr. Hyde do governo que o montou. A ver.
Há um ano, depois de Seixal e Montijo inviabilizarem a localização para a construção do novo aeroporto de Lisboa, o governo desdobrava-se em contactos e iniciativas para conseguir levar por diante um projeto urgente e fundamental para o futuro de uma das áreas mais relevantes para a economia portuguesa. Mesmo numa altura em que a covid obrigava os aviões a ficarem em terra e os turistas em casa - para ruína das contas nacionais e desespero de quem fazia deste negócio vida - rever a legislação que garantia aos municípios poder de veto era uma urgência para António Costa e Pedro Nuno Santos, obrigados a rever projetos e a atrasar ainda mais uma obra amplamente reconhecida como de absoluta urgência, face a uma Portela a rebentar pelas costuras. Com o consequente prejuízo para a imagem do país e dano no serviço prestado aos que nos visitam.
Nesta semana, enquanto explicava o primeiro Orçamento do Estado pelo qual dava a cara enquanto ministro das Finanças, Fernando Medina sublinhava a importância que o setor voltará a assumir na recuperação, antecipando um ano "robusto", com "valores possivelmente acima até dos níveis de 2019". E desejando até que assim seja: "o melhor ano de sempre do turismo".
Os números ontem revelados pelo INE mostraram que as coisas estão bem encaminhadas, com mais meio milhão de passageiros a chegar aqui em fevereiro, o segundo mês consecutivo de aumento e num total que é dez vezes superior ao registado no ano passado. E enquanto o tráfego aéreo na União Europeia disparou 156%, Portugal conseguiu um dos melhores resultados, sendo o segundo país com melhor recuperação de voos comerciais face a 2019.
Vitórias e desejos de Costa, Pedro Nuno e Medina a cumprir-se. Ou não... a teoria diverge, parece.
É que no mesmo OE2022 apresentado por Costa, Pedro Nuno e Medina no seu governo de maioria absoluta, inscreve-se que a construção de um novo aeroporto "deixou de ter a mesma pressão que sentia face a um crescimento galopante da procura", dando tempo e oportunidade para "estudar cenários" que vão além das localizações apontadas.
Portanto: o governo espera e acredita que poderá conseguir o melhor ano de sempre no turismo. Porém, o governo agora não considera urgente reforçar as infraestruturas que antes da pandemia já estavam esgotadas.
A urgência reclamada há décadas, com argumentos reforçados pelo número de visitantes a bater recordes a cada nova época, deixou de o ser, apesar de se apostar que este ano trará a Portugal mais turistas do que nunca. E de inclusivamente se contar que isso aconteça para ajudar à tão necessária recuperação económica.