'90 Segundos de Ciência'. Os cientistas portugueses na primeira pessoa
Tudo se joga em minuto e meio. É esse o tempo exato para a explicação de uma descoberta ou da sua busca, que tanto pode transportar-nos ao universo dos buracos negros e das estrelas, como ao mundo invisível da biologia molecular e ao futurismo da inteligência artificial, revelar-nos os segredos bioquímicos da vida e dos oceanos ou os do nosso passado comum, mostrar-nos as maravilhas da biodiversidade ou alertar-nos para as incertezas do clima e do seu futuro.
Os temas não findam. Afinal, são tantos quantos os seus protagonistas, porque estas são histórias contadas na primeira pessoa pelos próprios cientistas, numa rubrica de rádio que vai para o ar na Antena 1 diariamente, antes do sinal horário das 11.00 e das 19.00, há já quase três anos - cumprem-se em novembro.
Este é o programa 90 Segundos de Ciência , uma ideia que nasceu no âmbito do mestrado de Comunicação de Ciência da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) e do ITQB - Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova de Lisboa, ganhou asas pelas mãos de uma equipa de cinco pessoas da FCSH e do ITQB, e é uma aposta ganha na divulgação da ciência em Portugal. Tanto que foi o escolhido para receber, em julho, o Prémio Gulbenkian Conhecimento 2019.
"Foi espetacular", diz Joana Lobo Antunes, especialista em comunicação de ciência que integra a equipa que criou e faz o programa, estreado a 21 de novembro de 2016. "Estava num congresso, na Dinamarca, quando recebi um telefonema da Gulbenkian, mas nunca pensei que fosse para me comunicarem que tínhamos ganho o prémio", conta. Mas tinham, e isso "foi uma felicidade enorme", reconhece. Além do prestígio e do reconhecimento público com a marca da Gulbenkian que a distinção representa, a verba de 50 mil euros do prémio vai ser importante para a própria continuidade do programa.
"Vamos aproveitar para fazer algo especial, mas ainda não sabemos bem o quê, estamos a estudar hipóteses", adianta Joana Lobo Antunes. O que é já certo é que parte da verba vai permitir um contrato de trabalho para um dos membros da equipa, Adriano Cerqueira, que é quem prepara, faz, e edita as entrevistas, transformando-as naquele minuto e meio mágico que é a marca inconfundível de 90 Segundos de Ciência.
Apesar de ter nascido pela mão de uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, o programa ambicionou desde o início ser uma montra da "ciência que se faz por todo o país, nas suas universidades e centros de investigação", sublinha por seu turno António Granado, um dos coordenadores do mestrado em Comunicação de Ciência da FCSH que integra a equipa do 90 Segundos de Ciência. E isso tem sido uma das suas marcas distintivas.
Não foi por acaso que o primeiro programa de todos, que foi para o ar antes do noticiário das 19.00 do dia 21 de novembro de 2016 - cada novo programa estreia-se diariamente àquela hora e repete no dia seguinte às 10.58 - foi dedicado à investigação sobre a contaminação por microplásticos das aves marinhas, a que o investigador João Frias se dedica na Universidade dos Açores. Naqueles 90 segundos iniciais que fizeram o arranque da rubrica, o cientista explicou que a sua equipa estudou uma ave local, os cagarros, e que em 93% dos casos encontrou contaminação por microplásticos.
Hoje o programa já vai em cerca de 700 episódios emitidos, o que significa outros tantos estudos e projetos nas mais variadas áreas científicas, da agricultura à história, da robótica à saúde, da geologia à literatura, da matemática à engenharia e muito mais, num panorama que é diversificado a todos os níveis: nas áreas científicas, na origem geográfica dos investigadores e na própria paridade, entre cientistas homens e mulheres. António Granado, que faz o alinhamento dos programas a cada semana, sublinha que a tónica "é sempre a maior variedade possível".
Cabe a Joana Lobo Antunes, que dirigia o gabinete de comunicação do ITQB e está agora na comunicação do Instituto Superior Técnico, procurar os entrevistados, e a Adriano Cerqueira realizar e montar as entrevistas. Este último é um trabalho mais complexo do que à primeira vista poderia parecer.
"Faço uma entrevista preparatória com o cientista que pode levar em média 40 minutos, uma hora, ou um pouco mais, e em seguida fazemos 15 minutos de gravação", explica Adriano Cerqueira. Reduzir esses 15 minutos a 90 segundos é trabalho para meia hora de edição, a que se segue o trabalho final de sonoplastia, para inclusão de ruídos e música, por Paulo Castanheiro, outro dos membros da equipa. Para assegurar uma estreia diária, a equipa trabalha com 40 episódios de avanço.
Os resultados não podiam ser mais positivos. "A universidade está contente, nós, a rádio e os cientistas estamos contentes", resume Joana Lobo Antunes. E, por parte do público, as reações também são encorajadoras. "Em geral as pessoas gostam", sublinha. E há quem se surpreenda - "não sabia que em Portugal também se fazia isto", já escreveram ouvintes no site e na página de Facebook do programa.
Para os investigadores é também uma experiência gratificante, garante Joana Lobo Antunes. "Para muitos, é uma experiência nova, de que gostam, e com a qual aprendem a comunicar melhor o seu próprio trabalho."
Aposta ganha, o programa vai continuar, claro. Afinal, há cerca de 50 mil cientistas em Portugal, e tanta ciência para contar.