Moçambique. Um país à espera de recuperar da crise e com a paz por um fio
As eleições gerais de Moçambique, que decorrem nesta terça-feira, vão ser um teste à popularidade de Filipe Nyusi, no cargo como presidente há cinco anos, mas também à paz, decidida por acordo, assinado a 6 de agosto, entre a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o partido do chefe de Estado em funções, e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
Dos quase 30 milhões de habitantes (29,6 milhões), serão 12,9 milhões os eleitores, a maioria deles na pobreza, que vão decidir o presente e o futuro do país da África Austral.
O acordo de paz, um dos maiores feitos políticos de Nyusi, foi ensombrado logo a seguir pela "campanha eleitoral mais sangrenta" desde que o país entrou no multipartidarismo, como observou ao Plataforma o professor de Estudos Africanos Elísio Macamo, da Universidade de Basileia (Suíça). O ato mais violento foi o homicídio a tiro do observador eleitoral Anastácio Matável, na passada segunda-feira, em Xai Xai, Gaza, sul do país.
São quatro os candidatos presidenciais mas apenas dois estão na linha da frente: Filipe Nyusi, previsível vencedor, e Ossufo Momade, o líder da Renamo que sucedeu ao histórico Afonso Dhlakama, que morreu a 3 de maio de 2018. Dhlakama candidatou-se às presidenciais de 1994, 1999, 2004, 2009 e 2014, tendo perdido todas, sem reconhecer a derrota em nenhuma. A Renamo já fez saber que a forma como vão decorrer as eleições gerais vai ditar o sucesso do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, exigindo que o escrutínio seja livre, justo e transparente para que o país não resvale para a instabilidade, como aconteceu várias vezes, após um ciclo eleitoral.
Os outros dois candidatos presidenciais são Daviz Simango, líder do terceiro maior partido, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), e Mário Albino, do partido extraparlamentar Ação do Movimento Unido para a Salvação Integral (AMUSI).
No conjunto, são 26 partidos a disputar o poder em 11 círculos eleitorais. Uma disputa que se pautou por vários incidentes e pelo menos 38 mortos nos 45 dias que durou a campanha eleitoral. A grande novidade é que pela primeira vez os dez governadores provinciais serão eleitos e não escolhidos por Maputo.
Resolver o problema da segurança em Moçambique deve ser encarado como uma das prioridades do novo presidente eleito e do seu executivo, defende o politólogo português Jaime Nogueira Pinto, especialista em assuntos africanos.
O eterno espectro da guerra civil paira no ar. Mas, além do compromisso em manter a paz, o país enfrenta outro grande desafio: recuperar da crise económica em que mergulhou em 2014 devido ao processo das dívidas ocultas e também dos efeitos devastadores de dois ciclones neste ano.
Esse, que foi o maior escândalo político e financeiro da história recente do país, lançou uma mancha de descrédito no início do primeiro mandato de Filipe Nyusi. É preciso lembrar que o discurso de tomada de posse de Nyusi em janeiro de 2015 era o mais desejado desde a declaração de independência do país feita por Samora Machel em 1975, como frisou o siteAfrican Arguments num artigo de 7 de outubro intitulado "As tensas eleições em Moçambique. Como chegámos aqui".
Muitos tinham esperança no novo líder da Frelimo, que fez campanha a favor da paz e sucedeu a Armando Guebuza, que era extremamente impopular quando deixou o cargo. Mas logo depois vieram as revelações que chocaram o país: durante o consulado de Guebuza, o executivo deu garantias, entre 2013 a 2014, a favor de empréstimos de dois mil milhões de euros para empresas com projetos duvidosos. A justiça moçambicana e a justiça norte-americana consideram que parte desse dinheiro foi usado para o pagamento de subornos a cidadãos moçambicanos e estrangeiros. O antigo ministro das Finanças Manuel Chang está detido na África do Sul por causa do processo movido pela justiça americana.
A recente decisão de um tribunal em Maputo de levar a julgamento os 20 arguidos do processo das dívidas ocultas caiu bem na opinião pública mas não é certo que seja decisiva para reabilitar a imagem de Nyusi, o delfim de Guebuza que começou por negar a existência desses empréstimos e só reconheceu erros do executivo do seu antecessor quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou o apoio financeiro ao país e instruiu os doadores a fazerem o mesmo.
Os partidos tradicionais, Frelimo e Renamo, estão desgastados e não atraem o eleitorado jovem, comentou a investigadora moçambicana Maria Paula Meneses, doutorada em Antropologia e investigadora coordenadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Novas formações políticas como o Podemos, criado por antigos membros da Frelimo desiludidos com o partido no poder, parecem responder mais às aspirações da juventude.
Na Renamo, a morte do carismático e histórico líder Afonso Dhlakama deixou um vazio difícil de superar. A inabilidade de Dhlakama em estabelecer coligações com outros partidos da oposição, especialmente nos pontos da reforma eleitoral e na descentralização, enfraqueceu a Renamo nas perspetivas que pode ter para estas eleições, escreveu o African Arguments. As prioridades do sucessor Ossufo Momade centraram-se mais em gerir as negociações com a Frelimo do que em desafiá-los nas urnas. Um pequeno grupo de soldados do partido, autoproclamados Junta Militar da Renamo, rejeitou a liderança de Momade e ameaçou inclusive a realização das eleições.
O crescente avanço do islamismo radical na província de Cabo Delgado, no norte do país, também prejudicou a ação de campanha de alguns partidos da oposição na região, assolada por ataques terroristas, dois dos quais reivindicados pelo Estado Islâmico (Daesh). Já Nyusi capitalizou no discurso otimista sobre a riqueza das explorações de gás natural e a promessa de trazer segurança para a região em ações de campanha, a última delas no dia 10. Parece haver uma ligação entre os ataques e o facto de as concessões de gás natural da região estarem nas mãos de companhias estrangeiras, como observa a investigadora Maria Paula Meneses. Ou o resultado de ter populações pobres numa região rica, como observa Jaime Nogueira Pinto, falando num "problema sério de terrorismo".