A discussão em praça pública sobre a afirmação do primeiro-ministro de que hoje não gosta de ver touradas ao vivo ou na televisão, quando elogiou o que classificou como "arte" e homenageou um toureiro quando era presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não deve afastar-nos da questão de fundo - a económica e fiscal - que desencadeou esta polémica, por muito que se goste ou deteste a tauromaquia..O governo chegou a admitir alterar a taxa do IVA de 13% sobre as corridas de touros, por pressão do PAN e do BE (que defenderam a alteração para 23% e o fim da isenção de IVA para os toureiros), com base no argumento de que não se trata de um espetáculo comparável ao teatro ou ao cinema, por questões civilizacionais e de respeito pela vida animal, o que enfureceu os aficionados e agitou os movimentos antitouradas..Dito isto, vale a pena lembrar que, em Portugal continental, há três taxas do imposto de valor acrescentado (IVA): normal (23%), intermédia (13%) e reduzida (6%). É assim que o Estado diferencia os produtos essenciais (ex: bens alimentares e água ou alguns medicamentos) dos supostamente supérfluos, que, na maioria, pagam mais imposto..Se for ao cinema ou ao teatro ou a um espetáculo musical ou de dança ou à tourada, a taxa é de 13%. Pode ser discutível, mas o legislador considerou que não se trata de um bem ou serviço essencial e concedeu um benefício. Se comprar leite, peixe, carne, pão, arroz ou farinha, o IVA cobrado é de 6%, o que faz sentido na listagem dos bens essenciais de consumo alimentar, mas já será controverso manter a taxa reduzida se pagar uma estada num hotel..Se for ao restaurante, o IVA que incide sobre a refeição é de 13%. Os exemplos são inúmeros e os fiscalistas têm teorias sobre o que deveria ou não ser essencial (taxa de 6%) para se perceber qual o critério e o princípio de justiça quando se atribui um benefício sobre um bem ou serviço que pagaria a taxa normal..O que valeria a pena discutir, fora do debate e da votação do Orçamento do Estado, seria a necessidade de reduzir a taxa de 23% para 21% ou 18%, por exemplo, para combater a economia paralela, a fuga fiscal e a injustiça face a outros países europeus. O que poderia ser uma discussão útil era perceber quais os critérios racionais (e não do jogo político, partidário e corporativo) para a inclusão de produtos na taxa intermédia - cuja existência é discutível..O que seria estimulante era perceber o racional e detalhar os gastos da administração pública central, regional e local para sabermos para onde vai grande parte dos impostos cobrados ao cidadão. Na verdade, o contribuinte é o verdadeiro alvo das bandarilhas dos governos, sob o capote da máquina fiscal. Pouco importa se o ferro é comprido ou curto, porque o contribuinte é sempre espetado sem perceber verdadeiramente qual o motivo da faena e da estocada..Afinal, antes dos aplausos aos cavaleiros e forcados, a corrida acaba sempre com o jogo de cabrestos a recolher o touro da arena.