É fácil falar a favor dos "pobres", difícil é mudar os nossos hábitos. Os cidadãos das grandes cidades têm na mão ferramentas simples para mudar este sistema, mas não as usam. Vejamos a seguinte conta: cada euro que um português coloca num transporte público vale por dois. Esse euro diminui o astronómico défice das empresas de transporte público. Esse mesmo euro fica em Portugal e não vai direto para a Arábia Saudita, Rússia ou outro produtor de petróleo - quase todos eles cleptodemocracias..Os transportes públicos são caríssimos e pagos pelos que não têm dinheiro para ir de carro. Precisavam de mais utilizadores para terem frequências ajustadas e descerem os preços. E porquê? Porque sem isso não se dá um significativo recuo das emissões de carbono, mas também porque, sem isso, os que menos ganham são os que têm de suportar a manutenção dos transportes públicos..Em paralelo, nas pequenas cidades e vilas portuguesas, a densidade da rede de transportes públicos é fraquíssima ou inexistente. Tal como percebemos pela revolta dos coletes amarelos em França, aquelas pessoas só podem ir trabalhar, estudar ou fazer as compras usando o automóvel. Se aumentarmos significativamente o custo dos combustíveis, ficam cada vez mais excluídas do acesso a centros de trabalho, bens ou serviços educativos..Ao contrário, apesar da significativa oferta de transportes nas grandes cidades, quem reina é o automóvel, sobretudo os de uso individual. (É preciso excluir aqui as famílias que têm crianças pequenas ou que conseguem pôr três ou quatro elementos numa viagem. Mas a esmagadora maioria não atua socialmente assim.) Ou seja: as pessoas que conseguem andar de carro não são chamadas ao esforço de descarbonização das cidades nem de contribuição para transportes coletivos de qualidade para todos..Acrescente-se a isto a absurda dicotomia entre grandes centros e interior - onde as portagens tornam o quotidiano destas pessoas alvo de confisco permanente quando querem usar autoestradas. Claro, podem não as usar, já que não têm dinheiro... Mas não ocorre a ninguém não usar o Eixo Norte-Sul, o IC19 ou a Via de Cintura Interna..Está tudo ao contrário. Coragem é decidir pelo fim das portagens no interior (onde não há votos). Isto ajudaria a fixar mais população em regiões cada vez mais despovoadas. Equidade seria também torná-las significativamente mais baixas fora dos grandes centros..Por contraponto, deviam existir portagens (em cêntimos, por exemplo) no centro das cidades - e não apenas nas entradas - cuja receita fosse diretamente para melhores transportes públicos, incluindo os de média dimensão (comboios e autocarros que comutam pessoas das periferias). E para compensar o fim das portagens no interior (onde nem sequer há passes sociais)..É absolutamente correta a medida do governo em garantir que, a partir de 2019, um passe social de uma família tenha um valor máximo, independentemente de onde vive. Não por acaso, o Luxemburgo (país rico) decidiu torná-los gratuitos. Em Barcelona, um passe social tem versões sem fotografia. O que conta é que seja usado por alguém que não está a entupir alguma rua com a sua viatura..É absolutamente lógico que os metropolitanos de Lisboa e Porto cresçam, como ontem o governo aprovou, porque isso também dá melhores condições de trabalho e vida a quem mora ou chega a essas cidades para trabalhar, estudar ou ir a um serviço de saúde. Mas se o dinheiro tem de vir de algum lado, não podemos continuar a fazer de conta que os centros onde se concentra o essencial da riqueza per capita sejam os que têm os melhores serviços públicos e não participam nesse esforço quotidiano com um pequeno contributo - pagar uma portagem citadina..Caso contrário, olhe-se para o que começa a acontecer hoje: transportes públicos velhos não permitem a quem usa a linha ferroviária do Algarve saber se vai ter comboio, tal o nível de supressões. Aliás, o grosso do Portugal interior já nem sequer tem comboios. E os que ainda funcionam, mal, (exemplo: Linha do Douro) só têm os utentes que não conseguem fugir a esse pesadelo. Até porque os transportes passam a ter frequências baixíssimas nos horários fora das horas de ponta, retirando oportunidades profissionais e de educação a quem lá vive..Entretanto, para se perceber como estamos longe da "nova civilização europeia", repare-se neste contraste: todos os dias vemos carros com fumo negro a sair dos canos de escape. Nunca vi um polícia multar uma viatura destas. Admito que só haja aparelhos de medição de partículas em operações stop. Nunca vi nenhuma com este fim. O mesmo para motos e veículos ruidosos. Nunca vi alguém ser multado por infração ao ruído. No entanto, a PSP achou que a sua missão era multar ciclistas ou utentes de trotinetas sem capacetes, com multas até 300 euros... Alguma daquelas cabeças se interrogou porque será que estas pessoas vão de bicicleta ou trotineta? Seria melhor que fossem de carro?.A poluição torna as cidades e o mundo irrespiráveis. O combustível é um fator de desigualdade. Está na hora de mudar o jogo. Sim, os protestos dos sindicatos nas cidades são duros de suportar. Mas se as pessoas que vivem fora do "sistema" - os excluídos do perímetro de luxo de Lisboa e Porto - resolvem um dia exprimir a sua raiva pelas ruas da capital, bom, então também cá veremos sem surpresa um "Je suis Paris".
É fácil falar a favor dos "pobres", difícil é mudar os nossos hábitos. Os cidadãos das grandes cidades têm na mão ferramentas simples para mudar este sistema, mas não as usam. Vejamos a seguinte conta: cada euro que um português coloca num transporte público vale por dois. Esse euro diminui o astronómico défice das empresas de transporte público. Esse mesmo euro fica em Portugal e não vai direto para a Arábia Saudita, Rússia ou outro produtor de petróleo - quase todos eles cleptodemocracias..Os transportes públicos são caríssimos e pagos pelos que não têm dinheiro para ir de carro. Precisavam de mais utilizadores para terem frequências ajustadas e descerem os preços. E porquê? Porque sem isso não se dá um significativo recuo das emissões de carbono, mas também porque, sem isso, os que menos ganham são os que têm de suportar a manutenção dos transportes públicos..Em paralelo, nas pequenas cidades e vilas portuguesas, a densidade da rede de transportes públicos é fraquíssima ou inexistente. Tal como percebemos pela revolta dos coletes amarelos em França, aquelas pessoas só podem ir trabalhar, estudar ou fazer as compras usando o automóvel. Se aumentarmos significativamente o custo dos combustíveis, ficam cada vez mais excluídas do acesso a centros de trabalho, bens ou serviços educativos..Ao contrário, apesar da significativa oferta de transportes nas grandes cidades, quem reina é o automóvel, sobretudo os de uso individual. (É preciso excluir aqui as famílias que têm crianças pequenas ou que conseguem pôr três ou quatro elementos numa viagem. Mas a esmagadora maioria não atua socialmente assim.) Ou seja: as pessoas que conseguem andar de carro não são chamadas ao esforço de descarbonização das cidades nem de contribuição para transportes coletivos de qualidade para todos..Acrescente-se a isto a absurda dicotomia entre grandes centros e interior - onde as portagens tornam o quotidiano destas pessoas alvo de confisco permanente quando querem usar autoestradas. Claro, podem não as usar, já que não têm dinheiro... Mas não ocorre a ninguém não usar o Eixo Norte-Sul, o IC19 ou a Via de Cintura Interna..Está tudo ao contrário. Coragem é decidir pelo fim das portagens no interior (onde não há votos). Isto ajudaria a fixar mais população em regiões cada vez mais despovoadas. Equidade seria também torná-las significativamente mais baixas fora dos grandes centros..Por contraponto, deviam existir portagens (em cêntimos, por exemplo) no centro das cidades - e não apenas nas entradas - cuja receita fosse diretamente para melhores transportes públicos, incluindo os de média dimensão (comboios e autocarros que comutam pessoas das periferias). E para compensar o fim das portagens no interior (onde nem sequer há passes sociais)..É absolutamente correta a medida do governo em garantir que, a partir de 2019, um passe social de uma família tenha um valor máximo, independentemente de onde vive. Não por acaso, o Luxemburgo (país rico) decidiu torná-los gratuitos. Em Barcelona, um passe social tem versões sem fotografia. O que conta é que seja usado por alguém que não está a entupir alguma rua com a sua viatura..É absolutamente lógico que os metropolitanos de Lisboa e Porto cresçam, como ontem o governo aprovou, porque isso também dá melhores condições de trabalho e vida a quem mora ou chega a essas cidades para trabalhar, estudar ou ir a um serviço de saúde. Mas se o dinheiro tem de vir de algum lado, não podemos continuar a fazer de conta que os centros onde se concentra o essencial da riqueza per capita sejam os que têm os melhores serviços públicos e não participam nesse esforço quotidiano com um pequeno contributo - pagar uma portagem citadina..Caso contrário, olhe-se para o que começa a acontecer hoje: transportes públicos velhos não permitem a quem usa a linha ferroviária do Algarve saber se vai ter comboio, tal o nível de supressões. Aliás, o grosso do Portugal interior já nem sequer tem comboios. E os que ainda funcionam, mal, (exemplo: Linha do Douro) só têm os utentes que não conseguem fugir a esse pesadelo. Até porque os transportes passam a ter frequências baixíssimas nos horários fora das horas de ponta, retirando oportunidades profissionais e de educação a quem lá vive..Entretanto, para se perceber como estamos longe da "nova civilização europeia", repare-se neste contraste: todos os dias vemos carros com fumo negro a sair dos canos de escape. Nunca vi um polícia multar uma viatura destas. Admito que só haja aparelhos de medição de partículas em operações stop. Nunca vi nenhuma com este fim. O mesmo para motos e veículos ruidosos. Nunca vi alguém ser multado por infração ao ruído. No entanto, a PSP achou que a sua missão era multar ciclistas ou utentes de trotinetas sem capacetes, com multas até 300 euros... Alguma daquelas cabeças se interrogou porque será que estas pessoas vão de bicicleta ou trotineta? Seria melhor que fossem de carro?.A poluição torna as cidades e o mundo irrespiráveis. O combustível é um fator de desigualdade. Está na hora de mudar o jogo. Sim, os protestos dos sindicatos nas cidades são duros de suportar. Mas se as pessoas que vivem fora do "sistema" - os excluídos do perímetro de luxo de Lisboa e Porto - resolvem um dia exprimir a sua raiva pelas ruas da capital, bom, então também cá veremos sem surpresa um "Je suis Paris".