O IVA zero já se faz sentir no bolso das famílias e, embora represente uma descida de apenas 6% sobre um cabaz específico de 46 alimentos essenciais - e, portanto, com um impacto limitado na fatura total -, está a gerar uma "dinâmica diferente" no mercado de bens de consumo. As cestas estão a sair mais cheias dos supermercados e o preço médio pago está a baixar. Mas não só. As famílias estão a aproveitar para se mimarem, comprando mais coisas que não estão abrangidas pelo IVA zero, como cerveja, marisco fresco, pastelaria e produtos para a roupa e limpeza da casa.."Apesar de toda a gente dizer que não se sente muito [o IVA zero], os dados mostram que existe e que tem um efeito de expectativa mais positiva que afeta o consumo, com as pessoas a conseguirem alguma melhoria da sua qualidade de vida", diz o diretor-geral da Centromarca..Os dados são do estudo Shopper Insights da Kantar Portugal, analisado pela Centromarca, segundo os quais, nos primeiros seis meses do ano, as famílias portuguesas foram mais vezes às compras, mas comparam menos coisas, embora deixassem mais dinheiro no supermercado em cada compra. Ou seja, a frequência de compra aumentou, em termos homólogos, 5,4%, mas o volume em cada compra foi 10,1% mais baixo, embora a fatura tenha sido 3,7% mais alta..Mas é na análise dos dados por trimestre - recorde-se que a isenção do IVA para um cabaz de 26 alimentos considerados "essenciais" entrou em vigor a 18 de abril - que se percebe melhor como é que o IVA zero impactou o consumo das famílias: a estabilização dos preços levou a uma redução em 1,4% no número de idas ao supermercado entre abril e junho, comparativamente aos três meses anteriores, com os portugueses a trazerem mais 4,1% de artigos na sua cesta, embora só estejam a pagar mais 2,1% pelas compras que estão a fazer.."Com a descida de preço nos bens mais essenciais, os portugueses conseguem agora comprar mais produtos fora deste cabaz", refere Marta Santos, diretora de clients & analytics da Kantar Portugal. A prová-lo está o facto de o volume por ato de compra "crescer bastante mais acentuadamente" fora do cabaz do IVA zero do que dentro deste. Os dados do estudo mostram que, no segundo trimestre, os portugueses compraram mais 1% de artigos do cabaz de IVA zero, mas gastaram, em média, 4% menos. Em contrapartida, as suas compras de produtos não abrangidos pelo IVA zero cresceram 6% em volume e 2,8% em valor médio..As categorias mais beneficiadas são as cervejas, os produtos para a roupa e limpeza da casa, mas também o marisco fresco e a pastelaria..Poupança redirecionada "O efeito do IVA zero faz-se a vários níveis. Tem um impacto direto nos produtos afetados, mas fez-se sentir, por arrasto, em todos os outros produtos à venda nos supermercados. Ou seja, baixou uns e evitou o aumento de outros e isso faz com que os consumidores se sintam mentalmente mais predispostos a comprar", diz o diretor-geral da Centromarca. Pedro Pimentel acrescenta: "Por muito ligeira que seja a poupança, já se começa a sentir que ela é redirecionada não para os mesmos produtos, mas para outros, o que significa que as pessoas estão a aproveitar para comprar uma melhor alimentação, com mais quantidade ou melhor qualidade, ou eventualmente ambas"..E porque os estudos da Kantar são feitos a partir das compras feitas por um painel de lares portugueses, e não as vendas do retalho alimentar, não se pode sequer atribuir este efeito ao turismo..Para o responsável da Centromarca, estes dados mostram que o governo "foi muito inteligente" na forma como implementou o IVA zero em Portugal, tirando partido da experiência espanhola, que implementou a redução do imposto numa altura em que a inflação continuava a subir, anulando o efeito da mesma. "Em Portugal, ela é aplicada em contraciclo, numa altura em que é relativamente fácil conseguir resultados, não só porque a inflação ia começar a baixar, comparativamente ao período homólogo, mas também porque a redução dos custos energéticos se foram sentido a nível do preço dos alimentos", sustenta..Impacto nas marcas O estudo da Kantar mostra, ainda, que o IVA zero veio "dar alento" às marcas de fabricantes dentro deste cabaz de produtos, mas nem todas as categorias beneficiam da mesma forma. No leite e bebidas vegetais, arroz, óleo e atum em lata, as marcas estão a ganhar quota outra vez. Em contrapartida, no azeite, iogurtes, manteiga e massa não conseguem tirar partido do abaixamento do preço.."No caso de atum em conserva, vemos que com a medida do IVA 0% o comprador voltou às marcas de fabricantes mais fortes, que reconquistam mais compradores e pontos de contacto com a redução do gap de preço para as marcas da distribuição, e assim conquistam quota", explica o estudo. No azeite, a subida dos preços levou os consumidores a polarizarem os segmentos nos quais compram este produto, com a "redução da diferença de preço entre marcas da distribuição e de fabricantes dentro do azeite virgem extra a levar a uma reconquista de espaço das marcas de fabricantes mais fortes, que conquistam compradores face ao trimestre anterior"..Ilídia Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo