Parlamento acaba com taxas moderadoras nos centros de saúde
PS, PSD, BE e PCP preparam-se para aprovar, esta sexta-feira, em plenário na Assembleia da República, uma proposta do Bloco de Esquerda que põe fim à cobrança da taxa moderadora nos centros de saúde e noutros serviços complementares, como consultas hospitalares, desde que o utente seja referenciado por um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A matéria começou por ser discutida no âmbito da nova Lei de Bases da Saúde, mas acabou por se autonomizada, devendo agora ser aprovada na generalidade e aprofundada pelos partidos na especialidade.
"Consideramos que tudo o que é prescrito deve ser feito pelos utentes e por isso não há aqui nada a moderar. Tem de ser gratuito. É um cinismo dizer-se que cobrar uma taxa sobre um raio-X que foi prescrito é moderar a procura", disse o deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira, ao DN. "As taxas de moderação nos cuidados de saúde primários são uma barreira e propomos que isso acabe".
Na proposta de alteração apresentada pelo Bloco ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, pode ler-se que a dispensa da cobrança das taxas abrange "atendimento, consultas e outras prestações de saúde no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários", ou seja, nos centros de saúde. Isto quando "a origem de referenciação para estes for o Serviço Nacional de Saúde".
PS e PSD afirmaram ao DN que irão votar a favor, mas já a pensar nas alterações que vão propor na fase da discussão em comissão parlamentar, depois da votação na generalidade esta sexta-feira. A deputada socialista Jamila Madeira indica que o documento que será votado "é uma continuação do projeto do PS, com o espírito da proposta do partido durante o debate da lei de Bases". "Mas temos aqui umas nuances para discutir na especialidade", antevê.
O mesmo acontece com o PSD, que esteve quase para pedir uma votação separada das duas alíneas que compõem a proposta do Bloco, por não estar de acordo com a primeira (referente à isenção dos cuidados de saúde primários). "Não nos podemos esquecer de que neste momento já há seis milhões de portugueses como isenção de taxas moderadoras; aqueles [utentes] que mais precisam já estão dispensados. Se não existir regulação, há pessoas que vão marcar todos os dias consultas", afirmou o deputado social-democrata José Matos Rosa.
Apesar disto, o grupo parlamentar acabou por decidir aprovar a medida a pensar na possibilidade de alteração do texto final durante a discussão na especialidade. "O PSD vai viabilizar a proposta do Bloco de Esquerda". Até porque a segunda parte da proposta (abolição das taxas nas consultas e exames que se seguem ao primeiro diagnóstico) é do agrado do partido. "Existe uma duplicação de pagamentos que deve ser dispensada".
O PCP reafirma a sua posição: "O Partido Comunista é desde a sua criação contra as taxas moderadoras. Aliás, ao longo do tempo temos apresentado em diferentes sedes a revogação da lei que institui as taxas moderadoras", segundo a deputada comunista Carla Cruz. E por isso, "naturalmente, acompanhamos as iniciativas que vão no sentido da remoção de obstáculos aos cuidados de saúde. Votaremos favoravelmente a proposta do Bloco e apresentaremos também uma iniciativa para alargar ainda mais a isenção dos cuidados de saúde, não só para os doentes crónicos".
Contra a proposta está o CDS-PP, que acusa o Bloco de inventar uma "manobra para voltarem a discutir aquilo que apresentaram no âmbito da Lei de Bases. A proposta foi chumbada no grupo de trabalho. Ou seja, não aprovaram pela porta, agora querem aprovar pela janela", aponta a deputada Isabel Galriça Neto. Para os centristas, o importante "não é abolir as taxas moderadoras. É moderar a procura e garantir que ninguém possa ser prejudicado por insuficiência económica. Nós consideramos que está acautelado o interesse público".
Para a deputada do CDS-PP, "o PS, o PCP e o BE estão a lançar cortinas de fumo sobre o estado real do país. E não apresentam medidas concretas". "O debate que se tem de fazer é sobre o desinvestimento que este Governo tem tido na saúde. Isso é que é de facto preocupante", refere.
De acordo com a informação prestada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) ao DN, no ano passado existiam 5 770 804 cidadãos isentos de pagar taxas moderadoras. A maioria (2 671 330) por razões económicas. Mas há também um número significativo de pessoas que não pagou estas taxas por ter menos de 17 anos (1 685 129 cidadãos) ou por ter um comprovativo de incapacidade igual ou superior a 60% (260 836).
Para o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares quer isto dizer que "as pessoas que realmente têm necessidade já estão isentas. Mais de 50% da população está isenta destas taxas". Alexandre Lourenço admite que tem conhecimento de "muitas taxas moderadores em dívida aos hospitais", mas que as unidades hospitalares "têm tido uma atitude muito tolerante quanto a esta matéria; até de acordo com as instruções do ministério da Saúde. Por isso, não existe ninguém a quem fique limitado o acesso por via das taxas moderadoras", afirma.
Carlos Martins, administrador do maior centro hospitalar do país (Centro Hospitalar Lisboa Norte) até ao início do mês passado, concorda. Lembra-se também das "dívidas substanciais" causadas pelas taxas moderadoras (que prescrevem passados três anos do fim dos serviços médicos prestados), mas estas "nunca impediram ninguém de ser atendido no serviço público".
Tanto para Alexandre Lourenço como para Carlos Martins a questão em discussão está descentrada, embora por razões diferentes. O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares considera que "há um conjunto de barreiras muito mais elevadas do que a taxa moderadora". Refere-se, a título de exemplo, ao custo da deslocação até às unidades de saúde, à dificuldade em conciliar a ida ao médico com a situação profissional ou à comparticipação insuficiente dos medicamentos prescritos.
"Creio que as nossas atenções deviam estar mais focadas em alargar a comparticipação dos medicamentos e não com esta matéria [abolição das taxas de moderação]. Não existe nenhum estudo que diga que isto é benéfico. E é vulgar ver as dificuldades das famílias por causa dos medicamentos", diz Alexandre Lourenço.
Já Carlos Martins olha para a proposta do Bloco de Esquerda como "uma medida simpática, que não vai resolver coisa alguma do ponto de vista prático". "Entendo que queiram estimular o acesso, mas não é assim que se regula - é com investimento e confiança".
"Metade da nossa urgência do Hospital de Santa Maria - que tinha sempre entre seiscentos e mil episódios diários - eram pessoas com pulseiras verdes e azuis. Ou seja, mais de metade eram doentes fora de área. O cidadão não procura em determinadas circunstâncias o seu centro de saúde, a sua equipa clínica de família", indica o administrador hospitalar. E a abolição das taxas não vai resolver esta questão, segundo Carlos Martins.