EUA. No corredor da morte federal, a vida volta a extinguir-se 17 anos depois
No país com maior número de presos do mundo, 60 caminham por um corredor da morte federal que está fechado há quase duas décadas. Esta semana, essas portas voltam a abrir-se de rompante, empurradas pelo procurador-geral dos Estados Unidos da América, William P. Barr. Depois de uma longa batalha legal, que chegou até ao Tribunal Supremo, o Departamento de Justiça voltou a agendar a execução de presos condenados à morte. Desde 2003 que tal não acontece a mando do governo federal, embora vários estados executem presos todos os anos.
"O Departamento de Justiça defende o estado de direito - e devemos às vítimas e às suas famílias levar adiante as sentenças impostas pelo nosso sistema de justiça", afirmou o procurador-geral em 2019, quando foi anunciado o agendamento das primeiras execuções federais em 17 anos.
Mas este regresso das injeções letais sob a alçada do governo federal, que vai acontecer na prisão de segurança máxima Terre Heute, Indiana, é controverso. As execuções federais tinham sido consideradas inconstitucionais em 1972, sendo que a pena de morte foi reestabelecida em 1988 para um grupo limitado de ofensas. Em 1994, este número foi alargado, mas a autoridade do governo federal de executar presos em estados onde não há pena capital é altamente contestada.
O Departamento de Justiça de Barr escolheu prisioneiros com crimes particularmente hediondos para este retorno das execuções. Estas são as suas histórias.
13 de julho
Nas imagens que foram captadas aquando da sua prisão e condenação, em 1999, sobressaem as tatuagens com símbolos nazis no pescoço, as patilhas longas e o olhar esgazeado, por ter perdido o olho esquerdo numa briga de bar. Daniel Lewis Lee foi sentenciado à morte pelo assassinato de uma família inteira em 1996, em conluio com Chevie Kahoe, que recebeu prisão perpétua. Ambos são supremacistas brancos e queriam formar uma comunidade exclusivamente branca no nordeste dos EUA.
O crime aconteceu na pequena comunidade de Tilly, Arkansas, a 9 de janeiro de 1996. Lee e Kahoe entraram na casa de Nancy Mueller, de 28 anos, da sua filha Sarah Powell, de 8 anos, e do marido William Mueller, de 52 anos, envergando equipamento tático com etiqueta de forças da autoridade. Kehoe já tinha roubado aquela mesma casa um ano antes e sabia que o casal negociava a venda de armas. Os intrusos esperaram que a família chegasse a casa e gritaram que era um raide do ATF (gabinete de controlo de álcool, tabaco, armas de fogo e explosivos). Uma vez que William desconfiou da autenticidade da investida, os atacantes usaram armas de choque para imobilizarem a família e conseguiram que a criança dissesse onde estavam as armas e o dinheiro do negócio. Conseguiram roubar mais de 50 mil dólares em numerário e diversas armas.
Com sacos de plástico selados nas cabeças, as vítimas ficaram sem oxigénio. De mãos e pernas atadas, foram atirados ao lago Illinois Bayou com pedras coladas ao corpo. Os cadáveres só seriam recuperados seis meses depois.
As autoridades chegaram até aos assassinos quando uma espingarda que tinha sido roubada da casa de Mueller foi encontrada na posse de um homem que apontou para Kahoe.
Apesar de Kahoe ser considerado o líder do grupo de supremacistas brancos e o responsável direto pela morte da criança neste crime, ele foi condenado a prisão perpétua enquanto Lee - que tinha sido classificado como psicopata perigoso - recebeu uma sentença de morte.
O procurador-geral William Barr frisou a importância de levar justiça às famílias das vítimas, mas neste caso acontece o oposto. A família de Nancy Mueller pediu ao governo que não avançasse com a execução, pugnando antes por prisão perpétua. Na sexta-feira, um pedido de adiamento da família por causa da pandemia de covid-19 - que os impediria de estar presentes para protestar contra a execução - foi aceite por um tribunal do Indiana, mas a decisão foi revertida depois pelo tribunal de apelo. Ainda assim, a família anunciou que iria apresentar um recurso ao Supremo, o qual deve ser decidido até às 20.00 GMT (21.00 em Portugal).
15 de julho
Wesley Ira Purkey tinha passado quase duas décadas na cadeia depois de roubar e alvejar na cabeça um homem em Wichita. A sua sentença fora de 15 anos a prisão perpétua, mas passados 17 anos saiu em liberdade condicional. Com 46 anos e metade da vida passada atrás das grades, Purkey vagueava pelas ruas de Kansas City, Missouri, em más companhias e sem conseguir manter um emprego. A 22 de janeiro de 1998, Purkey esbarrou com a jovem Jennifer Long, de 16 anos, que tinha feito gazeta às aulas. Segundo a sua confissão, raptou a adolescente, violou-a e matou-a à facada. Usou uma motosserra para desmembrar e queimar o cadáver na lareira e deitou as cinzas numa fossa séptica, a 300 km do local.
O FBI nunca encontrou qualquer vestígio da rapariga. As autoridades não teriam sequer solucionado o seu desaparecimento se Wesley Ira Purkey não tivesse voluntariado uma confissão. Fê-lo como parte de um acordo, porque queria ser transferido da prisão no Kansas para uma prisão federal, depois de ser apanhado por outro homicídio, que aconteceu a 27 de outubro de 1998.
Esta segunda vítima chamava-se Mary Bales e tinha 80 anos. Num estado físico fragilizado, contratou Purkey para arranjar a torneira da cozinha. Deu-lhe dinheiro e viu Purkey sair para ir alegadamente comprar um componente que era necessário ao arranjo. Mas o que o ex-presidiário fez foi comprar droga e ir buscar uma prostituta, que levou de volta à casa da octagenária. Novamente dentro de portas, atacou Mary Bales e espancou-a até à morte com um martelo.
A sentença que recebeu pelo crime foi prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional antes de 32 anos. Mas como queria ir para uma prisão federal, onde calculou que teria uma vida mais fácil, fez um acordo com as autoridades para os ajudar a resolver o desaparecimento de Jennifer Long. Os procuradores federais acusaram-no pelo homicídio da adolescente e ele foi condenado à pena de morte.
É essa execução por injeção letal, com o novo cocktail que o governo federal desenvolveu, que está marcada para esta quarta-feira, 15 de julho. A prossecução da sentença foi temporariamente protelada, segundo o Death Penalty Information Center, mas ainda é possível que venha a acontecer no dia previsto.
17 de julho
A longa caminhada de Dustin Lee Honken no corredor da morte federal começou em 2005, quando foi condenado à injeção letal. Mas a história começou muito antes.
Durante os anos de faculdade, Honken era considerado um génio da química. Só que os conhecimentos que adquiriu foram aplicados numa atividade tão ilícita quanto lucrativa: a produção de metanfetaminas, que iniciou em 1992 com a ajuda do irmão e de um amigo de infância.
A curta carreira de traficante embateu nas autoridades em março de 1993, quando Honken foi preso e acusado de vender a substância proibida. Nessa altura, com 25 anos, descobriu que um dos homens a quem tinha vendido droga, Greg Nicholson, era na verdade um informador federal. Com a ajuda do seu advogado, chegou a acordo com as autoridades e concordou em dar-se como culpado em julho de 1993.
Foi nessa altura que os homicídios aconteceram. Uma semana antes da data em tribunal, a 25 de julho de 1993, o informador Greg Nicholson desapareceu juntamente com a sua namorada Lori Ann Duncan, de 31 anos, e as filhas dela, Amber Duncan de 6 anos e Kandace Duncan de 10. Sem a testemunha principal, a acusação caiu por terra.
Honken tinha conseguido proteger a sua operação de tráfico de metanfetaminas e voltou a fazê-lo pouco depois. Meses após o desaparecimento das primeiras quatro vítimas, outro informador federal, Terry DeGeus, desapareceu sem deixar rasto.
Em 1996, Honken acabaria por ser apanhado na teia da justiça, que descobriu um laboratório de metanfetaminas em sua casa, e foi condenado a 27 anos de prisão. Mas o traficante teria escapado incólume dos homicídios que cometeu se não tivesse falado das mortes a outros presidiários.
Na verdade, demoraria muito tempo até que as autoridades conseguissem encontrar os corpos das vítimas, que estavam enterrados numa zona de floresta. Foi apenas em 2000 que um recluso que conseguiu as informações a partir da ex-namorada de Honken, Angela Johnson, deu às autoridades um mapa com a localização dos corpos.
O envolvimento da ex-namorada acabaria por levar à condenação à morte de Honken. Angela Johnson foi o isco usado para que Lori Ann Duncan abrisse a porta de sua casa naquele dia de julho, fingindo ser uma vendedora de cosméticos que se tinha perdido. Honken entrou atrás dela com uma arma e juntou a família num quarto, onde obrigou Nicholson a filmar uma declaração que exonerava o traficante. Depois, prendeu-os, torturou-os e executou-os com um tiro na nuca. As crianças viram a mãe e o padrasto serem executados antes de morrerem.
A quinta vítima, Terry DeGeus, 32, era um ex-namorado de Angela Johnson que também agia como informador federal. Johnson atraiu-o para uma emboscada, onde foi espancado com um taco de beisebol e levou vários tiros.
Ao falar dos homicídios na prisão, Honken disse que se livrou de "ratos" e que matar era tão bom como estar pedrado. Levará a injeção letal esta sexta-feira.
28 Agosto
No dia em que foi condenado à morte pela violação e homicídio de uma menina de 10 anos, Keith Dwayne Nelson não mostrou qualquer remorso. Lançou uma tirada de insultos ao tribunal e, apesar de se ter dado como culpado, interpôs recurso atrás de recurso contra a condenação. A sua caminhada no corredor da morte federal começou nesse dia, em outubro de 2001, dois anos depois do crime.
A vítima fora Pamela Butler, que Nelson raptou a 12 de outubro de 1999 quando a menina andava de patins em frente à sua casa. A irmã Casey assistiu ao rapto e tentou correr atrás da carrinha que levava Pamela. Não conseguiu, mas um transeunte anotou a matrícula. Três dias depois, o corpo de Pamela foi encontrado numa zona rural do Kansas. Nelson foi perseguido e preso, com provas conclusivas de ADN a ligarem-no ao crime. Confessou que tinha violado a menina numa zona de floresta atrás de uma igreja antes de a estrangular com um arame. Segundo o FBI, um ex-colega de trabalho de Nelson testemunhou que o homicida dissera, duas semanas antes do crime, que gostaria de raptar, violar e torturar uma menina.
A família de Pamela viria a sofrer um novo golpe em 2017, quando Casey, que tinha assistido ao rapto quase vinte anos antes, foi morta a tiro no mesmo bairro.
Agora, com o agendamento da execução de Keith Dwayne Nelson, a mãe de Pamela, Cherri West, disse que será feita justiça. "Estarei em paz ao assistir à pessoa que matou a minha filha a respirar pela última vez".
* atualizada às 12.20