O Orçamento bom em tempo de guerra
Não fosse a guerra na Europa e não veríamos uma vírgula mudar no Orçamento do Estado que o governo se prepara para apresentar. E não haveria, de facto, razão para alterações ou surpresas: as contas que António Costa levou a votos considerando serem as melhores alguma vez apresentadas no Parlamento não estavam feitas para agradar à oposição nem aos parceiros de geringonça - como se viu pelo chumbo que derrubou o governo para o conduzir à maioria absoluta. Eram desenhadas pela pena de João Leão para cumprir o desígnio das contas certas, aproveitando a torneira aberta do dinheiro europeu para adoçar a boca aos que mais amargaram com a crise pandémica. Não havia portanto razão para alterar o que quer que fosse, agora que o PS se governa sem precisar de bengalas.
Não fosse o pormaior da guerra, que introduziu enorme incerteza e trouxe convulsões económicas nunca vistas à conjuntura mundial - e como sabemos, sempre que o mundo abana, as economias mais frágeis, como a portuguesa, tendem a ir ao charco.
Com a invasão da Ucrânia a fazer rebentar nova crise, de uma gravidade sem precedentes, quando ainda mal abrandava a da pandemia, deixando famílias e empresas sem saber o que fazer perante os sucessivos aumentos de preços e de custos - sem a menor correspondência do lado dos rendimentos e das receitas -, seria de esperar medidas mais musculadas de estímulo e apoio à atividade económica e de respaldo às dificuldades dos portugueses.
Pretender que este OE tem o cunho do ministro das Finanças que tomou posse há duas semanas não é de todo realista, mas é Fernando Medina que dá agora a cara pelas contas e que assumirá a responsabilidade - à luz do que ontem ouvimos aos partidos aos quais foram apresentadas as grandes linhas da proposta que chegará ao Parlamento na quarta-feira - de meia dúzia de medidas coladas a cuspo ao documento que Leão teceu e Costa vincou ser "bom para Portugal e para os portugueses".
O mesmo OE que, ainda antes da guerra e do consequente disparar de preços, do tremendo risco de inflação ou estagflação ameaçar a sobrevivência de muitos, de os custos da energia atingirem patamares nunca vistos e da carência de matérias-primas exasperar quem tenta produzir alguma riqueza, já era considerado "tímido", "poucochinho" e "manifestamente insuficiente" para levantar o país arrasado pela pandemia.
Agora injetado de esteroides de curta duração para o que o primeiro-ministro considera efeitos passageiros da guerra, o OE que Costa e Medina farão aprovar na Assembleia decorre de um programa de governo que não pretende responder a "problemas de curto prazo" mas antes servir toda a legislatura. E por isso traz ajustes nos grandes números, mas não nas opções.
Com menos receitas e mais custos, a retração económica é inevitável. Os apoios não chegarão a todos - o próprio ministro da Economia já o disse assim mesmo - e estão longe de ser suficientes para equilibrar as contas que famílias e empresas mantêm no fio da navalha. A fatura pública na Saúde disparou com a covid, a da Defesa vai duplicar por efeito da guerra, os juros da dívida estão a subir com a inflação e o fim progressivo dos programas do BCE - e a exigência de manter as contas certas não deixa margem para delírios antes conseguidos à custa de reformas que teriam sido fundamentais para Portugal ser hoje mais resiliente.
Resta saber se haverá país para governar quando passar o furacão que hoje ameaça arrancar pela raiz as bases do crescimento. Ou se Costa e Medina serão obrigados a tomar o caminho da austeridade.