Clima não é compatível com procrastinação 

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Poucas vezes vimos António Guterres irritado. Quando era primeiro-ministro de Portugal era conhecido como o político do diálogo, mais tarde o do pântano. Calmo, paciente, ouvinte, mas, nos últimos anos, António Guterres tem-se irritado com maior frequência. É certo que tem em mãos uma missão hercúlea, e talvez o papel da sua vida: ser secretário-geral das Nações Unidas em plena guerra na Europa e num quadro de crise climática, após uma pandemia mortífera. Um caderno de encargos pesado que atravessa os seus dois mandatos.

Guterres cansou-se das acusações de Trump, desgasta-se com Putin e agasta-se com a inação e a falta de compromisso das nações em relação às alterações climáticas. E compreende-se. Não é por falta de aviso, de estudos e diagnósticos que os países não caminham mais rápido nessa matéria. Os interesses económicos e falta de vontade política têm vindo a sobrepor-se ao tema e também, por exemplo, a todas as Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP).

Governar pelo clima ainda não é sexy. É um slogan que não se traduz, para já, em mais intenções de voto nas sondagens ou em votos reais nas urnas. Liderar pelo ambiente tem sido, regra geral, uma prioridade dos países. O que vai sendo feito é, muitas vezes, apenas por pressão internacional, para cumprir as métricas e ficar bem na fotografia.

O mundo tem-se atrasado a cuidar de si mesmo. As alterações climáticas previstas para 2030 foram já antecipadas sete anos e estão a ocorrer hoje mesmo. Correm mais rápido do que os decisores e não são compatíveis com a procrastinação. Como o DN já escreveu nos últimos dias, este ano será, muito provavelmente, o mais quente da história da Humanidade. Os períodos prolongados de temperaturas elevadas estão a tornar-se mais frequentes e, no Hemisfério Norte, foram os mais quentes de que há registo, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

"O colapso climático global já começou", grita o secretário-geral das Nações Unidas. Muitos líderes encolhem os ombros, mas Guterres insiste: o fenómeno está a "piorar drasticamente". Ondas de calor, secas, inundações, incêndios e tornados avançam sobre a Ásia, América do Norte e a Europa. Aqui bem perto, na Grécia aos incêndios de agosto seguiram-se chuvadas torrenciais e que atingiram a Bulgária e a Turquia. Mais recentemente, Madrid ficou debaixo de água com chuvas fortes. Perderam-se muitas vidas e culturas.

Nas últimas décadas também se perdeu tempo, muito tempo, bem como a oportunidade de atuar preventivamente quando começaram a ecoar os primeiros alertas em relação às alterações ambientais. Hoje, tapar o sol (ou a chuva torrencial) com a peneira já não resulta. As nações têm de munir-se de planos de emergência ambiental e definir investimentos estratégicos que sejam um escudo protetor contra as agressões do clima. Encaremos de frente este sobressalto climático e económico, antes que sejamos engolidos por ele.

Diretora do Diário de Notícias

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