Angola e o Acordo Ortográfico

Como observei no meu artigo anterior, Angola é o segundo maior falante de português em todo o mundo, depois do Brasil, o que lhe atribui responsabilidades acrescidas no que diz respeito às respetivas políticas, não apenas internas mas igualmente externas. Na minha opinião, que é rigorosamente individual e vale o que vale, o país tem negligenciado tais responsabilidades.
A persistente ambiguidade e hesitação em tomar uma posição definitiva em relação ao Acordo Ortográfico de 1990, por exemplo, confirma essa atitude. Pela parte que me cabe, tenho muita dificuldade em entender a relutância de alguns setores em ratificar o referido acordo.

Do ponto de vista interno, Angola tem todos os motivos para ratificá-lo, desde logo, pela seguinte razão de base: o acordo prioriza a fonética em detrimento da etimologia (ou seja, tende a grafar as palavras tal como elas são pronunciadas), o que facilita enormemente a sua difusão junto de uma população para a qual, originariamente, a língua portuguesa é uma língua segunda. Em relação à grafia, essa é a tendência da maioria das línguas contemporâneas: quanto mais simples, melhor.

Acresce a isso uma razão adicional: a grafia com K, W e Y, no contexto da língua portuguesa, das palavras angolanas de origem africana, defendida por alguns como condição para a ratificação do acordo em questão, só é possível, precisamente, se Angola o implementar, pois o mesmo voltou a incorporá-las. A norma antiga, que continua a vigorar em Angola, não prevê o uso de tais letras.
Além da referida ausência, no Acordo Ortográfico de 1990, de qualquer previsão de inclusão das palavras de origem africana, costumam ser utilizados mais dois argumentos principais para questionar a ratificação desse acordo por parte de Angola: o risco de uma "colonização linguística" por parte do Brasil e a ameaça da dependência de Angola em relação à indústria gráfica estrangeira (portuguesa e brasileira). Com todo o respeito pelos seus defensores, nenhum desses argumentos faz sentido.

Começando pela alegada necessidade de o Acordo Ortográfico incluir a questão das palavras angolanas de origem africana (processo que, na verdade, já ocorre há séculos), tal argumento é, quanto a mim, um falso problema. De facto, esse não é um tema do referido acordo, mas do vocabulário ortográfico comum. Segundo sei, este deverá ser elaborado com base nos vocabulários ortográficos nacionais, pelo que, em princípio, a bola está do nosso lado. É preciso elaborar primeiro o vocabulário ortográfico nacional e, depois disso, negociar a sua inclusão no vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa.

Quanto à hipotética "colonização linguística" brasileira, os números mostram, desde logo, que o Brasil fez mais concessões do que Portugal no que concerne ao novo Acordo Ortográfico. Por outro lado, este é apenas um acordo sobre o modo de grafar as palavras, não tem nada que ver com o vocabulário, a fonética ou a sintaxe, ou seja, é falso que seremos todos obrigados a falar ou escrever "como os brasileiros". Por fim, no nosso caso, angolanos, não deixa de ser esquisito recear uma hipotética "colonização linguística" do Brasil. A variante brasileira da língua portuguesa foi fortemente influenciada, em termos fonéticos, lexicais e sintáticos, pelas línguas angolanas de origem africana e não se vê ninguém, nesse caso, a falar em "colonização linguística" por parte de Angola.

A verdade é que as línguas transformam-se, viajam, cruzam-se, interpenetram-se e, se "caírem na boca do povo" (assim como na literatura ou no jornalismo), não serão os puristas ou os sebastianistas que impedirão as mudanças, influências e apropriações mútuas.

Finalmente, o que dizer da alegada ameaça da dependência de Angola, se ratificar o Acordo Ortográfico, relativamente à indústria gráfica portuguesa e brasileira? Mais do que um falso problema, tal argumento é um autêntico mito. Com efeito, o que o nosso país precisa, com ou sem Acordo Ortográfico, é de desenvolver a sua própria indústria gráfica. O resto é confundir os assuntos.
Angola tem igualmente responsabilidades externas em relação à língua portuguesa, o que inclui, entre outras, as seguintes questões: uso efetivo do português nos organismos regionais e internacionais, assim como na internet; ensino da língua portuguesa no estrangeiro, desde logo no continente africano, onde vários países anglófonos e francófonos têm demonstrado interesse nisso; e internacionalização das literaturas em língua portuguesa, começando por promover os autores nacionais.

A propósito, aliás, não posso deixar de evocar a relação entre alguns desses processos e o Acordo Ortográfico: a existência de uma grafia única facilitará, quanto a mim, o uso do português nos organismos internacionais e na internet, bem como o seu ensino em países estrangeiros.

Jornalista e escritor angolano. Diretor da revista África 21.

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