Os computadores, sobretudo os pessoais e caseiros, também nos trouxeram isto: a acessibilidade da "memória", através do armazenamento, cronológico e quantificado. O que me permite - sem esforço - concluir, e partilhar, que este é o meu texto número 500 no Diário de Notícias. Tendo trabalhado a tempo inteiro e colaborado em muitas outras publicações, "mais do que prometia a força humana", nunca tive, em quatro décadas de peças assinadas, uma oportunidade semelhante de festejar algo de semelhante, fosse pela premência do tempo útil sobre o "ato contemplativo" ou pela velocidade inusitada com que ia perdendo os trabalhinhos, nem por isso merecedores de prolongamento do tempo de "vida útil". Permitam-me, pelo ineditismo da situação, esta rápida viagem que, noutro quadro e noutras plataformas, receberia a designação (problemática, reconheça-se) de egosurfing..Em novembro de 2014, telefonou-me a Ana Sousa Dias, a quem coube lançar o desafio de uma colaboração - a primeira tarefa consistiu numa abordagem ao livro O Osso da Borboleta, de Rui Cardoso Martins - que, atravessando fases distintas, cresceu e se multiplicou. Quase sempre nesta área "estranha" que é a das artes e espetáculos, mas com algumas saudáveis extensões pela política, pela reportagem, pela entrevista, pelas datas, relativas a pessoas ou acontecimentos. Com uma sorte, aqui enunciada sem camuflar uma declaração de interesses: neste exercício, fui chamado a "conviver" - à distância, muito mais do que geográfica, que vai da Póvoa de Varzim a Lisboa, ou vice-versa - com dois amigos como diretores, o André Macedo e o Ferreira Fernandes. Foram muito poucas as vezes que, neste período, falei com um e com o outro, entregue aos cuidados de quem esteve ou está incumbido de "tomar conta" de mim (Marina Almeida, Marina Marques, Filipe Garcia, João Céu e Silva, Joana Petiz, por ordem cronológica e não exclusiva, tendo em conta os ocasionais). Tem sido estimulante esta participação, com tarefas sugeridas "de cima" ou com propostas minhas, confluência que não se alterou demasiado com a mais radical das transformações do centenário DN, a que levou à passagem - com a exceção dominical - do papel ao online..Fintemos a hipocrisia: as edições impressas ainda me fazem falta. Mas como só "os burros velhos não aprendem línguas" (espero que a adaptação não fira por aí além os fundamentalistas do politicamente correto, ainda por cima manuseando um velho dito que envolve animais, cada vez mais atirados para um estatuto de "vacas sagradas"...), luto pela adaptação. Percebo a necessidade da transformação, e saúdo a coragem da iniciativa, mais ainda neste jornal que não pode nem deve desbaratar um património singular. Vivemos numa fase peculiar do jornalismo, em que se confunde investigação com mexerico, em que se esquecem as notícias, em que o peso desmedido - muitas vezes irresponsável e gratuito, no pior dos sentidos - das redes sociais parece assumir o papel de fonte inquestionável (ou base de copy paste) para algo que nos é apresentado como "facto", em que a promiscuidade, as limitações orçamentais, as agendas próprias e a irresponsabilidade ignorante ou mal-intencionada espartilham e desvirtuam uma profissão e, mais importante do que isso, o resultado que ela visa..O recente alerta do Presidente da República parece-me certeiro e genuinamente preocupado. Custa-me noites de sono e sessões de suores frios perceber que aquele que é o chefe de Estado porventura mais poderoso do mundo opta por atropelar sistematicamente a comunicação social e comunicar, unilateralmente, sem contraditório e sem ponderação, através do Twitter. Ou que uma eleição presidencial no Brasil se desenrole tendo as referidas redes sociais como principal plataforma de "informação", sem códigos deontológicos, sem limites, invariavelmente mais chegadas à propagação do ódio mentiroso do que a qualquer tentativa de debate ou até de apuramento da verdade. Temo que qualquer destes flagelos se torne, e rapidamente, uma realidade nacional, com todos os prejuízos daí decorrentes, em matérias de manipulação e de troca do essencial pelo supérfluo..Vivemos um turbilhão, um vendaval, a uma velocidade que poucos suspeitariam que pudesse ganhar o lugar de ritmo dominante. Cabe, também, aos jornalistas não se precipitarem no pânico, não se deixarem enredar numa lógica primária de sobrevivência. Cabe, a quem investe, a quem regulamenta, a quem lê, ouve e vê, uma prática de avaliação contínua, mais do que um consumismo acéfalo e indiscriminado. Por mim, continuo a acreditar no desempenho insubstituível dos jornais, sobretudo se não forem pensados como uma via rápida e cega para o lucro de uns quantos. Por isso, chegado aos 500, quero fazer fé de que este "interlúdio" mais não é do que uma etapa. A caminho dos mil ou do que for - o céu ainda é um bom limite.
Os computadores, sobretudo os pessoais e caseiros, também nos trouxeram isto: a acessibilidade da "memória", através do armazenamento, cronológico e quantificado. O que me permite - sem esforço - concluir, e partilhar, que este é o meu texto número 500 no Diário de Notícias. Tendo trabalhado a tempo inteiro e colaborado em muitas outras publicações, "mais do que prometia a força humana", nunca tive, em quatro décadas de peças assinadas, uma oportunidade semelhante de festejar algo de semelhante, fosse pela premência do tempo útil sobre o "ato contemplativo" ou pela velocidade inusitada com que ia perdendo os trabalhinhos, nem por isso merecedores de prolongamento do tempo de "vida útil". Permitam-me, pelo ineditismo da situação, esta rápida viagem que, noutro quadro e noutras plataformas, receberia a designação (problemática, reconheça-se) de egosurfing..Em novembro de 2014, telefonou-me a Ana Sousa Dias, a quem coube lançar o desafio de uma colaboração - a primeira tarefa consistiu numa abordagem ao livro O Osso da Borboleta, de Rui Cardoso Martins - que, atravessando fases distintas, cresceu e se multiplicou. Quase sempre nesta área "estranha" que é a das artes e espetáculos, mas com algumas saudáveis extensões pela política, pela reportagem, pela entrevista, pelas datas, relativas a pessoas ou acontecimentos. Com uma sorte, aqui enunciada sem camuflar uma declaração de interesses: neste exercício, fui chamado a "conviver" - à distância, muito mais do que geográfica, que vai da Póvoa de Varzim a Lisboa, ou vice-versa - com dois amigos como diretores, o André Macedo e o Ferreira Fernandes. Foram muito poucas as vezes que, neste período, falei com um e com o outro, entregue aos cuidados de quem esteve ou está incumbido de "tomar conta" de mim (Marina Almeida, Marina Marques, Filipe Garcia, João Céu e Silva, Joana Petiz, por ordem cronológica e não exclusiva, tendo em conta os ocasionais). Tem sido estimulante esta participação, com tarefas sugeridas "de cima" ou com propostas minhas, confluência que não se alterou demasiado com a mais radical das transformações do centenário DN, a que levou à passagem - com a exceção dominical - do papel ao online..Fintemos a hipocrisia: as edições impressas ainda me fazem falta. Mas como só "os burros velhos não aprendem línguas" (espero que a adaptação não fira por aí além os fundamentalistas do politicamente correto, ainda por cima manuseando um velho dito que envolve animais, cada vez mais atirados para um estatuto de "vacas sagradas"...), luto pela adaptação. Percebo a necessidade da transformação, e saúdo a coragem da iniciativa, mais ainda neste jornal que não pode nem deve desbaratar um património singular. Vivemos numa fase peculiar do jornalismo, em que se confunde investigação com mexerico, em que se esquecem as notícias, em que o peso desmedido - muitas vezes irresponsável e gratuito, no pior dos sentidos - das redes sociais parece assumir o papel de fonte inquestionável (ou base de copy paste) para algo que nos é apresentado como "facto", em que a promiscuidade, as limitações orçamentais, as agendas próprias e a irresponsabilidade ignorante ou mal-intencionada espartilham e desvirtuam uma profissão e, mais importante do que isso, o resultado que ela visa..O recente alerta do Presidente da República parece-me certeiro e genuinamente preocupado. Custa-me noites de sono e sessões de suores frios perceber que aquele que é o chefe de Estado porventura mais poderoso do mundo opta por atropelar sistematicamente a comunicação social e comunicar, unilateralmente, sem contraditório e sem ponderação, através do Twitter. Ou que uma eleição presidencial no Brasil se desenrole tendo as referidas redes sociais como principal plataforma de "informação", sem códigos deontológicos, sem limites, invariavelmente mais chegadas à propagação do ódio mentiroso do que a qualquer tentativa de debate ou até de apuramento da verdade. Temo que qualquer destes flagelos se torne, e rapidamente, uma realidade nacional, com todos os prejuízos daí decorrentes, em matérias de manipulação e de troca do essencial pelo supérfluo..Vivemos um turbilhão, um vendaval, a uma velocidade que poucos suspeitariam que pudesse ganhar o lugar de ritmo dominante. Cabe, também, aos jornalistas não se precipitarem no pânico, não se deixarem enredar numa lógica primária de sobrevivência. Cabe, a quem investe, a quem regulamenta, a quem lê, ouve e vê, uma prática de avaliação contínua, mais do que um consumismo acéfalo e indiscriminado. Por mim, continuo a acreditar no desempenho insubstituível dos jornais, sobretudo se não forem pensados como uma via rápida e cega para o lucro de uns quantos. Por isso, chegado aos 500, quero fazer fé de que este "interlúdio" mais não é do que uma etapa. A caminho dos mil ou do que for - o céu ainda é um bom limite.