Há três razões para Portugal ser o país europeu que mais arde

Paulo Pimenta de Castro chama-lhe "um triângulo" difícil de limar. Portugal tem à cabeça três condições favoráveis à ocorrência do maior número de fogos e em consequência a ter mais área ardida: meteorologia, ocupação do território e comportamento das pessoas.
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Os dados de todos os organismos indicam o mesmo: Portugal é o país que mais arde na União Europeia. "Fomos o que mais ardeu em 2016, em 2017 e em 2018 - neste ano parece estranho, porque houve aquele incêndio com muitas vítimas na Grécia, e houve aquele incêndio na Suécia que foi acabado à bomba, mas mesmo assim Portugal conseguiu, com o incêndio de Monchique, superar em área essas ocorrências".

Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo, professor, engenheiro silvicultor e autor de "Portugal em Chamas", não se espanta com os dados: durante três anos seguidos fomos o país que mais ardeu na União Europeia. Ainda assim, acredita que "temos tido imensa sorte, nestes últimos anos, com o fator meteorológico". Não se cansa de lembrar que os incêndios dependem de três fatores: meteorologia, ocupação do território e comportamentos. "Ora, ao nível dos comportamentos, o nosso palmarés é péssimo, sobretudo com o índice de queimas e queimadas na ocorrência de incêndios". E por isso, não tem dúvida de que "temos um uso exagerado do fogo".

No dia em que falamos com Pimenta de Castro, a serra da Estrela arde, mais uma vez. "E não tem eucaliptos". O que deita por terra a teoria crua da monocultura, embora o fator da ocupação da floresta pese bastante. "Nós temos uma condição meteorológica que nos é benéfica, se quisermos dividir o país ao meio, na parte do litoral", enfatiza. "Mas na parte da raia sofremos um pouco daquilo que está a sofrer Espanha.

"Neste país, grande parte da área ardida resulta de reacendimentos. E esta é uma fragilidade que temos no combate. Assim foi em 2018 em Monchique, e aparentemente foi o que aconteceu agora na Serra da Estrela. Não se justifica que passemos tantos dias a arder", considera o engenheiro silvicultor, autor do livro "Portugal em Chamas".

Nos últimos dias, quando analisamos o risco de incêndio, do serviço que vem da Comissão Europeia, "nós vemos que Portugal tem estado praticamente dividido ao meio", sublinha o investigador, explicando que "temos risco elevado na zona litoral, mas risco máximo só na zona mais raiana". "Apesar de tudo, comparativamente com Espanha, temos tido aqui alguma sorte", considera. "Mas quando temos dias mais quentes, como tivemos em julho, o nosso comportamento é igual ou pior do que acontece em Espanha. E por isso, tendo em conta o tal triângulo de fatores de que falo, "beneficiamos" de termos apenas 60 mil hectares ardidos", afirma o presidente da Acréscimo. "Se apanharmos novo golpe de calor, estes números disparam automaticamente".

Portugal foi o país com maior número de fogos em 2020, segundo o relatório de fogos florestais na Europa, Médio Oriente e Norte de África, elaborada pela Comissão Europeia, com uma área ardida de 67.170 hectares.

Espanha secundou-nos em número de fogos em 2020, atingindo os 65.923 hectares de área ardida. Seguiu-se a França, com 7.373 incêndios, mas muito menos área ardida: 17.077 hectares.

Macedónia do Norte registou o número mais baixo de fogos na União Europeia no ano de 2020. Desses incêndios resultaram apenas 68 hectares de área ardida.

"Embora se tente fazer passar que a questão do cadastro é uma medida de política de ordenamento florestal, não é. É uma medida de política de ordenamento do território. E quando uma medida de ordenamento florestal, seja qual for, não sabe quem é o seu público-alvo, é óbvio que o risco de falhar é grande", afirma o professor. Recorda que no caso da agricultura "tivemos a Comissão Europeia, que nos obrigou a fazer o parcelário, porque queria saber a quem é que dava dinheiro. No caso das florestas, temos essa questão, de não se saber o que é de quem. Mas considerar que pelo facto de se resolver o cadastro se resolve o problema dos incêndios...ou reduz o impacto dos mesmos em Portugal, também não é verdade. Porque isso depende depois de um outro conjunto de políticas. E se não houver expectativa por parte das famílias em obter algum ganho relativamente ao seu património, o que fazem é o que se vê: abandoná-lo".

Também Helena Freitas aponta essa condicionante: "98% do território é privado, e nunca tivemos o cuidado de identificar solos e territórios que deveriam ser propriedade do Estado". A bióloga, catedrática na área da Biodiversidade e Ecologia no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, lembra que em Portugal conseguimos fazer o cruzamento de vários pontos cruciais e preocupantes: "Somos, de facto, o país que mais arde, temos a maioria dos terrenos na mão dos privados; mantemos o problema da herança indivisa, e poucos países considerados desenvolvidos têm esta questão do cadastro por resolver".

"Há um conjuntos de aspetos que permanecem por resolver, e que agora num quadro climático mais favorável aos fogos, quando o nosso território está mais abandonado, não havendo valorização do rural, coloca-nos numa espiral de destruição brutal que começa a ter impactos muito preocupantes".

A atual diretora do Parque de Serralves, no Porto, lembra que mesmo ao nível da recuperação da área verde estamos num plano complicado: "Quando arde a biomassa à superfície há também muita degradação dos solos, que perdem capacidade regenerativa. Começamos também a diminuir a própria produtividade dos nossos ecossistema", considera a a antiga coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.

Outra singularidade portuguesa reside no aumento do mato - e na diminuição da mancha florestal. "Isto acontece porque estamos a perder qualidade na regeneração da floresta", considera Helena Freitas, que ainda assim considera positivas algumas iniciativas que têm vindo a ser feitas. "O problema é que são muito lentas. E o fogo muito rápido". Aponta como exemplo a criação de uma estrutura criada para os fogos florestais - "com a preocupação de envolver as comunidades, o que foi muito positivo. Claro que foi uma resposta direta a Pedrógão, mas foi importante". De resto, foi ela a responsável pelo programa para a coesão territorial, e fala por isso com orgulho do BUPI (Balcão Único do Prédio). Ainda que seja esse também um exemplo da lentidão de que fala: "Foi iniciado em 2017, e a norte do Tejo nem 20% temos ainda feito".

Olhando para o resto da Europa, estabelece termos de comparação. "Há países que também têm problemas embora não tão graves, como França ou Espanha, e que estão a introduzir medidas mais drásticas. Designadamente no que respeita à questão da propriedade abandonada, que transita para o Estado". Helena Freitas defende, em primeira instância, que se promova o ordenamento da floresta, o cadastro, e se torne mais robusta a estrutura de missão que tem esse encargo. Outra questão importante é envolver as populações. "Temos de reconectar comunidades com os territórios. Hoje quase que vivemos em guerra com o mundo rural. Quem vive no meio urbano vai descansado de férias para a praia, e quem vive no mundo rural já sabe que tem a desgraça dos incêndios à porta. E isto é insustentável. Só temos essa saída, trabalhar o ordenamento da floresta. Os cenários climáticos graves que temos podem escalar rapidamente".

No que respeita às alterações climáticas, a investigadora deixa um alerta: "Penso que o país também precisa de criar uma estrutura de avaliação da condição climática mais atuante, mais disponível até para o próprio Estado. Nós temos o IPMA, que tem um trabalho notável, mas é preciso que esse conhecimento técnico-científico seja mais atuante, e mais disponível", defende. Helena Freitas fala da criação "de um interface entre a comunidade científica, capaz de produzir esta informação, e as entidades que depois a colocam no terreno", ao mesmo tempo que invoca a importância da literacia das comunidades, "que devem saber como reagir perante um fogo.

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