Novos concursos não agradam a sindicatos médicos. "Questão de fundo está a ser maquilhada", dizem

Há uma semana o Ministério da Saúde anunciou a abertura de 1180 vagas para fixar médicos especialistas nas áreas hospitalares, Medicina Geral e Familiar e Saúde Pública. Mas as estruturas que representam a classe são perentórias: "Abrir vagas é positivo, mas não chega". E acusam a tutela de "não estar a fazer o que deve ser feito". Enquanto isso as escalas de urgência ficam piores do que há um ano, dizem.
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No dia 28 de abril, um despacho conjunto dos ministérios da Saúde e das Finanças formalizava um concurso de 1186 vagas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para contratar médicos especialistas para os hospitais, Medicina Geral e Familiar e Saúde Pública. Uma semana antes tinha sido anunciado também que 1500 médicos tinham passado no exame da especialidade. O ministério classificou esta medida, abertura de 1186 vagas, como um passo importante na reorganização do SNS, mas os sindicatos da classe discordam e dizem que não é bem assim.

Os dirigentes da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) são categóricos ao afirmarem que a tutela está "a tentar camuflar a questão de fundo" e que, enquanto isto, "as escalas de urgência estão piores do que há um ano", afirmava Jorge Paulo Roque da Cunha do SIM, explicando que "o problema das escalas não se esgota nas férias dos profissionais", a preocupação é qualidade das equipas a prestar cuidados. "São poucas as urgências que atualmente funcionam com equipas completas e a perspetiva é de que o número de médicos no SNS continue a diminuir."

A dirigente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, concorda que a tutela "não está a fazer o que deveria ser feito", que é avançar com a negociação pela valorização remuneratória e das carreiras, argumentando mesmo "não se percebe o que pretende com o concurso agora lançado".

A médica reafirma que "é positivo que se abram vagas, mas isto só por si não chega, pois não é a abertura de concursos que vai funcionar como elemento de motivação para que os médicos fiquem no SNS". Por isso, critica, "esta medida é uma artimanha e uma forma de estar a maquilhar a realidade do SNS".

Para Joana Bordalo e Sá "estas vagas, basicamente, não vêm resolver nada, muitas vão ser preenchidas por médicos que já estão nos serviços. E as vagas para os que faltam?", questiona, acrescentando: "Já cansa estar sempre a dizer o mesmo, mas o mais importante não está a ser resolvido e o tempo de negociação com os sindicatos está a acabar".

De acordo com a informação constante no despacho da Saúde e das Finanças, foi autorizada a abertura de vagas para a contratação de 978 médicos para a área da Medicina Geral e Familiar, 29 para a de Saúde Pública e 179 para contratar médicos de especialidades que não asseguram serviço de urgência. Só aqui estão 1186 vagas, mas os hospitais têm autorização para contratar diretamente mais médicos, de acordo com as necessidades das especialidades presentes no serviço de urgência. Ao todo, e segundo informação do ministério, esta contratação pode abranger a nível nacional mais 1562 médicos.

Mas é esta contratação em simultâneo e os moldes em que está a decorrer que os sindicatos criticam, dizendo não perceber "onde é que a tutela quer chegar". A dirigente da FNAM comenta mesmo: "Há duas semanas abriram as vagas para contratação direta por parte dos hospitais para médicos de especialidades presentes nas urgências, mas depois o despacho deixa algumas destas áreas de fora, como a Dermatologia e a Anatomia Patológica - e, por exemplo, um hospital não funciona sem anatomia, é essencial para o diagnóstico. Ou seja, logo à partida o concurso para contratação direta já trazia um problema, não se percebendo quais eram os seus critérios, podendo promover o amiguismo, e agora lançam outro?", argumenta a médica, recordando que "a FNAM já tinha dito não ser contra os concursos institucionais, mas têm que ter regras rigorosas. Até pode ser a nota final do internato, pelo menos é mais justo, mas tem de haver regras".

Em relação ao concurso para as 1186 vagas, a FNAM também diz ser "uma grande confusão, porque o que a tutela está a fazer é uma espécie de maquilhagem. Abre vagas na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas com a garantia de que ao fim de três anos o médico pode regressar ao Norte ou a outra área onde haja uma vaga que lhe seja mais conveniente. Ora, se abre uma vaga num local que está identificado com falta de médicos e se ao fim de três anos pode sair, quer dizer que já deixou de fazer falta? Assim não se pode dar continuidade ao trabalho com os utentes. Isto não tem qualquer lógica".

Joana Bordalo e Sá concorda que o ministério fez bem ao abrir vagas para Medicina Geral e Familiar em todas as regiões com carência de médicos, mas o permitir que saiam ao fim de três anos "não é a forma correta de seduzir os médicos". Nem para resolver os problemas dos utentes, que "vão ficar outra vez na mão e sem médico". Em relação à Saúde Pública, diz que "as vagas lançadas não representam os serviços com maiores carências, o que também não se percebe". A dirigente da FNAM reforça que "a abertura de vagas tem pontos positivos, mas há uma grande inércia da tutela para resolver o principal e faltam menos de dois meses para acabar a negociação".

Do lado do SIM, Jorge Roque da Cunha alerta para o mesmo, destacando que, este ano, acabaram a especialidade cerca de 700 médicos hospitalares e cerca de 300 médicos de família, mas "como o governo ainda não resolveu a questão da revalorização da grelha salarial e das carreiras, o impacto destes concursos vai ser igual ao dos últimos três anos, mais de metade das vagas ficaram por ocupar nos hospitais e nos centros de saúde".

O secretário-geral considera também que "a possibilidade de um médico poder voltar para o local de preferência, ao fim de três anos, é algo falaciosa. Esta possibilidade já existe nos concursos de mobilidade, desde há quatro anos". Roque da Cunha diz mesmo que a ideia foi lançada "para o ministério dar a ideia de inovação, mas enquanto não investir a sério no SNS todas estas medidas são propaganda e pensos rápidos".

No comunicado lançado, o ministério de Manuel Pizarro destaca que este concurso permitiu antecipar em três meses o "tempo de espera entre o momento em que os jovens médicos terminaram o seu internato na época normal de 2023 e a contratação pelas unidades hospitalares", potenciando assim "o preenchimento de vagas em zonas ou unidades especialmente carenciadas", que receberão "incentivos à mobilidade geográfica".

Mais. O ministério assume mesmo que "este instrumento, associado ao trabalho que está em curso no terreno, nomeadamente de investimento e requalificação de infraestruturas e equipamentos, e de valorização dos profissionais, dá as condições necessárias para fortalecer e preparar o SNS para os desafios do presente e do futuro."

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