Sporting recusa adiamento, V. Setúbal fala em saúde pública e Liga mantém jogo
O Vitória de Setúbal está dependente da boa vontade do Sporting para conseguir adiar o jogo entre as duas equipas marcado para sábado às 20.30, no Estádio do Bonfim, a contar para a 16.ª jornada da I Liga, devido a um vírus que está a afetar 20 futebolistas do plantel principal dos sadinos. Os leões já responderam que não estão disponíveis para adiar a partida e, à luz dos regulamentos, a Liga nada pode fazer nem tem autoridade para decidir contra uma das partes. Ou seja, só perante um recuo do Sporting o jogo pode ser adiado. O que não irá acontecer.
Os leões assumiram, em comunicado, que não estão disponíveis para o adiamento da partida, o que de acordo com o regulamento de competições da Liga inviabiliza desde logo que haja uma remarcação do jogo. "Tem de haver a concordância dos dois clubes para que o jogo possa ser adiado, de acordo com o regulamento", assumiu ao DN Emanuel Calçada, especialista em direito desportivo, acrescentando que "o regulamento não prevê situações como aquela por que passa o Vitória".
Fonte da Liga confirmou ao DN que o adiamento do jogo terá sempre de passar por um entendimento entre os dois clubes, conforme está estipulado nos regulamentos, e que num caso desta natureza o organismo que rege as competições profissionais de futebol tem uma "função de mediação, de falar com os dois clubes e perceber se pode haver um entendimento". Ou seja, nesta situação particular, a entidade presidida por Pedro Proença nunca irá tomar uma decisão por sua livre iniciativa. O organismo lembrou ainda que o Vitória de Setúbal tem 36 jogadores inscritos na Liga, contando com os atletas da equipa de sub-23.
Numa nota oficial enviada às redações ao final da tarde, a Liga garantiu que recebeu o pedido do V. Setúbal e a oposição do Sporting, informando que fez diligências "junto dos dois clubes com vista à solução da questão e verificando que estes não chegam a um consenso, o adiamento não está em condições de ser determinado".
O artigo 46.º do Regulamento de Competições relativo a "jogos adiados ou interrompidos devido a caso fortuito ou de força maior", estabelece que quando não se verifiquem condições para que um jogo se inicie, este terá de realizar-se nas 30 horas seguintes, a não ser que, segundo a alínea a), "ambos os clubes acordem a respetiva realização ou conclusão em outra data". Este artigo fala, no entanto, em situações "de força maior", o que na opinião de Emanuel Calçada "não é enquadrável" neste caso dos sadinos, mas sim "em casos excecionais, como por exemplo de catástrofes ou tragédias".
E, nesse sentido, nem o facto de Vítor Hugo Valente, presidente do Vitória, ter dito nesta quinta-feira que estamos perante "um caso de saúde pública" poderá valer aos setubalenses para conseguir o adiamento do jogo sem a anuência do Sporting. "Desde logo teriam de conseguir um atestado do delegado de saúde pública que determinasse isso mesmo, mas como é uma doença que abrange um número limitado de pessoas, muito dificilmente conseguiriam o adiamento do jogo, até porque os casos de perigo para a saúde normalmente afetam milhares de pessoas", justificou Emanuel Calçada.
Os sadinos, através do seu presidente, advogaram que sugeriram à Liga que o jogo fosse remarcado para as datas correspondentes às meias-finais da Taça de Portugal, uma vez que os dois clubes já foram eliminados dessa prova, marcados para os dias 4 e 6 de fevereiro (a primeira mão) e 11 e 13 de fevereiro (a segunda mão).
Neste caso, o artigo 42.º, no seu ponto 2, diz que "os jogos das competições oficiais adiados no decurso da primeira volta têm de ser realizados obrigatoriamente no decurso das seis semanas que se seguirem à data inicialmente fixada para o jogo, salvo casos de força maior devidamente comprovados e reconhecidos pela Liga Portugal". Neste caso, não haveria qualquer impedimento legal, caso o Sporting aceitasse o adiamento, o que não foi o caso.
De acordo com Vítor Hugo Valente, os sadinos têm 20 jogadores com a virose ou com sintomas, a saber: João Meira, Sílvio, Carlinhos, José Semedo, Artur Jorge, Éber Bessa, Brian Mansilla, Nabil Ghilas, Nuno Valente, Hachadi, Makaridze, Bruno Pirri, André Sousa, Jubal, Hildeberto Pereira, Zequinha, Nuno Pinto, Mano, Milton Raphael e Leandrinho. Como o V. Setúbal tem 36 jogadores inscritos na Liga, teria apenas 16 disponíveis para a partida com os leões, sendo que a maioria deles são da equipa de sub-23 que, curiosamente, tem jogo marcado também para sábado frente ao Estoril.
O caso rebentou na quarta-feira ao final da tarde, quando se soube que o Vitória de Setúbal estava a ponderar pedir o adiamento do jogo com o Sporting, relativo à 16.ª jornada da I Liga, agendado para sábado às 20.30, no Bonfim, alegando ter 80% do plantel afetado com um vírus gripal.
Nesta quinta-feira, os acontecimentos precipitaram-se, até porque o quadro clínico dos jogadores piorou e nem sequer houve treino, à semelhança do sucedido na véspera. Os responsáveis sadinos passaram então das palavras à ação e pediram o adiamento do jogo. Mas sem sucesso.
A meio da tarde, e já depois de o presidente Vítor Hugo Valente ter admitido que o Sporting não estava disponível para alterar a data do jogo, os leões confirmaram essa indisponibilidade através de um comunicado. "Os calendários de competições estão sobrecarregados e inviabilizam que o Sporting possa anuir ao pedido de adiamento da próxima jornada feito pelo Vitória Futebol Clube."
De acordo com o clube leonino, o Vitória de Setúbal propôs a realização do jogo durante a semana de 3 a 7 de fevereiro, quando vão ser disputados os jogos da primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal, competição em que nenhum dos clubes está envolvido. E explicou a recusa. "A data indicada pelo Vitória como alternativa surge num momento em que o Sporting vem de um jogo em Braga, depois de receber o Benfica, jogar a final four da Taça da Liga, em Braga, e receber o Marítimo (...). Posteriormente à data proposta, existe a receção ao Portimonense, seguida de uma deslocação ao terreno do Rio Ave. A semana seguinte será de competições europeias."
Na sequência da nega do Sporting, o V. Setúbal agendou uma conferência de imprensa, na qual o presidente Vítor Hugo Valente admitiu que a situação do plantel "é de emergência", e apelou ao bom senso dos dirigentes do Sporting e da Liga para aceitarem adiar o jogo. "É uma situação de saúde pública. Não brincamos com situações de saúde, de saúde pública, nem com a saúde dos nossos atletas. Mandámos isolar o balneário, temos um fisioterapeuta no hospital, um vice-presidente que não pode sair de casa. Temos de tomar providências para que não alastre a quem venha aqui ao estádio. Estamos de boa-fé. Queríamos jogar e ganhar, agora não queremos acreditar que alguém queira ganhar na secretaria", atirou.
"Os jogadores estão doentes, inibidos de jogar por indicação médica. Não acredito que o presidente do Sporting, que até é meu amigo e é médico, seja insensível a uma situação destas. Eu não acredito que o Sporting se queira aproveitar para ganhar três pontos sem jogadores do Vitória", acrescentou, deixando depois uma ameaça, mas sem especificar: "Demos conta à Liga, ao Sindicato dos Jogadores e contactámos o Sporting. Não imagino este cenário [de o jogo se realizar]. Se acontecer, teremos de reagir. O Vitória defende os seus atletas. Se acontecer, estaremos cá para tomar medidas. Há regulamentos na Liga para este tipo de situação, pensamos que estas situações se resolvem com bom senso, vamos ver se ele prevalece."
O antigo internacional português António Simões garantiu ao DN que não tem memória sobre uma situação idêntica àquela que afeta o Vitória de Setúbal no campeonato nacional ou em provas internacionais, mas lança o alerta aos clubes e à Liga de que "esta é uma situação que é preciso regulamentar" para o futuro, até porque o mais natural será que "surjam mais situações de viroses".
"É perfeitamente natural que, coabitando num espaço pequeno como é um balneário, haja situações de contágio quando surgem viroses em alguns elementos de um plantel", assume, acrescentando que "ninguém sabe lidar com um caso destes porque não há legislação" e como tal "é importante pensar sobre isto e prevenir situações" que possam repetir-se.
Curiosamente no último domingo, num jogo relativo ao Campeonato de Portugal, entre o Marítimo B e o Fafe, vários jogadores do plantel minhoto foram afetados por um surto gripal. Mas como a equipa insultar recusou adiar o jogo, a partida realizou-se mesmo e terminou com o triunfo do Marítimo B (2-1). Um desafio em que além de alguns jogadores indisponíveis, os minhotos atuaram com alguns atletas debilitados.
"Neste jogo tivemos dois jogadores indisponíveis devido à gripe, quatro jogaram com sintomas febris e seis estavam debilitados devido à doença. Obviamente que isto influenciou o nosso rendimento. Cometemos erros por falta de posicionamento, a fadiga dos jogadores é maior... até porque às tantas ficámos reduzidos a dez e isso obrigou a um esforço maior. Aguentámos mais ou menos até aos 40 minutos, mas depois as forças começaram a faltar. Até a própria estratégia que tínhamos para o jogo foi alterada", referiu ao ao DN Ricardo Silva, treinador do Fafe.
O técnico do Fafe não tem dúvidas de que numa situação destas "a verdade desportiva é adulterada". "Obviamente que sim, estávamos muito limitados. A nossa situação foi ainda mais complicada porque além de na quinta-feira não termos treinado, na sexta-feira apenas o fizemos com cinco jogadores, meteu ainda uma viagem para a Madeira. Fomos obrigados a levantar-nos às 03.00 da manhã para apanhar o avião às 06.00. Houve jogadores que chegaram com febre", disse.
Ricardo Silva, contudo, não quer estabelecer paralelismos entre a situação que viveu no domingo e o caso atual do jogo entre o V. Setúbal e o Sporting, de sábado. "São contextos diferentes. O Campeonato de Portugal só tem um jogo por semana, por isso o Marítimo podia ter aceitado jogar num outro dia, por exemplo a meio da semana. Na I Liga as equipas têm calendários mais apertados, com mais jogos e inclusivamente outras competições. Por isso não me quero pronunciar."
Em 2009, a Associação de Futebol de Lisboa (AFL) adiou um jogo da Liga Intercalar (competição entre clubes da mesma região) entre o Mafra, da II Divisão, e o Benfica, por causa da gripe A. Eram apenas três os jogadores impedidos de jogar (Joãozinho, Márcio Santos e Dabao), mas o risco de contágio levou a AFL a adiar o jogo.
Dias antes, os jogadores do Mafra entraram em campo com máscaras protetoras, em protesto pelo facto de a Federação Portuguesa de Futebol não ter adiado o jogo da Taça de Portugal com o União da Madeira (vitória por 3-2, nas grandes penalidades). Segundo o treinador da equipa na altura, Filipe Moreira, o organismo exigiu um relatório com a situação médica e declarações de quarentena horas antes do jogo, o que tornou o adiamento impossível.
Um caso diferente aconteceu no início do ano na II Liga espanhola. O jogo entre o Saragoça e o Sporting de Gijón, que estava agendado para 3 de janeiro, referente à 22.ª jornada, foi adiado devido ao elevado número de jogadores do Gijón afetados pela gripe. Mas aqui a decisão coube à Federação espanhola.
O Comité de Competição da Federação Espanhola de Futebol atendeu aos pedidos dos asturianos para adiar a partida, alegando que tinha 11 jogadores com gripe, outros cinco com sintomas, e apenas dez em condições de jogar. A partida acabou por ser disputada na passada terça-feira, e terminou com o triunfo do Saragoça por 2-0.
Mas também aqui houve alguma polémica, já que o Saragoça, apesar de ter acatado a decisão, queria jogar no dia inicialmente previsto. E num comunicado chegou a questionar o facto de o Comité de Competição da Federação Espanhola de Futebol se limitar a aceitar os relatórios médicos feitos pelo Sp. Gijón e não ter recorrido a profissionais de saúde externos.
Também já neste ano, um jogo do principal escalão do futebol feminino do campeonato inglês, entre o West Ham e o Everton, foi adiado devido a uma "significativa síndrome gripal" que afetou as jogadoras do clube sediado em Londres. Mas também aqui a decisão de adiar a partida foi da responsabilidade da Federação Inglesa de Futebol (FA), que alegou a necessidade de defender "o bem-estar das jogadoras".