Reflexões no Advento: o que faz mudar o mundo?
Uma das respostas, pessoais, que encontrei para esta magna questão foi a política. Pela ação política, pela mobilização do que somos e do que sabemos fazer, de forma informada e responsável, vamos influenciando o rumo das coisas, o rumo da polis, do país, do mundo.
A minha filha, adolescente, também encontrou uma resposta, pessoal. É uma das voluntárias no centro do Serviço de Jesuítas aos Refugiados, onde dá explicações. Do encontro continuado com uma realidade tão diversa da sua, a tantos níveis, tem resultado uma transformação do mundo. Mesmo. Tem epicentro ali, com escala que não tem nome, um sismo que aproxima gentes, em vez de as separar, que regenera em vez de ignorar, que salva em vez de condenar.
A partir de um ponto de vida, que se une a outros pontos de vida, a minha filha, a sua amiga, a nossa família, a família dela, os que se aproximam, vão tecendo uma nova teia, na qual vivemos todos.
Em tempo de Advento, tempo de esperança por definição, fica aqui o registo de um localizado epicentro de mudança no mundo, descrito por quem o sente, a minha filha:
"'Se morrermos, morremos todos.'
"Estudámos em conjunto para o teste, por isso, se sair outra matéria, correr-nos-á mal a todos. Uma metáfora, uma hipérbole, uma expressão que usamos tantas vezes...
"Mas agora imaginem que estão num barco. O barco é muito pequeno, estão apertados, cheios de frio. À vossa volta só há mar e escuridão a perder de vista. A frase assume um novo sentido...
"'Se morrermos, morremos todos.' Isto foi o que a minha mãe me disse quando saímos da Síria. Viemos da Turquia para Grécia, de barco, a meio da noite, e a viagem demorou cinco horas. Tive muito medo.
"Fui apanhada de surpresa. Não era isto que estava à espera de ouvir numa quinta-feira, numa habitual explicação de Português e muito menos vindo de uma menina de 12 anos. Porque é que eu não estava à espera? Eu sei que ela lá esteve, que viveu, viu e sentiu tudo aquilo. Mas a verdade é que até sermos confrontados assim, olhos nos olhos, a compaixão é distante e, agora, para mim, isto foi o mal que aconteceu a uma amiga, não a mais uma refugiada.
"Ela tem 12 anos. Aos 12 anos já perdeu o pai, já viu o seu país a ser bombardeado, já teve de fugir da guerra, já atravessou o mar Mediterrâneo num barco lotado, já foi encaminhada para vários países da Europa, e agora está em Portugal. Aqui, mesmo ao pé de nossa casa. E vai à escola todos os dias, faz os trabalhos de casa, estuda Português, História, Geografia, como todas as outras crianças de 12 anos da sua turma.
"Mas está tão longe de ser como todas as outras crianças... E apesar disso consegue ter o coração e a cabeça no sítio certo. Tem uma vontade extraordinária de aprender, de conhecer, de saber, põe aquela grande inteligência ao dispor do outro, com grande primazia pela família. Ela, sim, é uma mulher de (boas) armas. Tem uma coragem inacreditável e cada sorriso que mostra lembra-me disso. O que os olhos dela já viram e o que o coração dela já sentiu fazem-me sentir pequena.
'Se morrermos, morremos todos.'
"Desumana a situação real em que uma mãe tem de dizer isso aos filhos. Tenho muita sorte, a minha mãe nunca me disse isto. Mas isso sou eu."
Ana Rita Bessa, deputada do CDS, e Mariana Bessa, aluna