Uma questão humana

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Há um ano, a ex-deputada do PAN Cristina Rodrigues apresentava uma proposta à Assembleia que pretendia garantir por lei que qualquer empregador fosse obrigado a permitir sete dias de faltas justificadas a funcionários que precisassem de prestar "assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente" aos seus animais de estimação e mais um dia de luto em caso de morte. Também a provedora do animal da Câmara Municipal de Lisboa já tinha lançado esse debate, pretendendo que fosse amplificado a nível nacional, há quatro anos. A razão invocada era simples: para muitos, os animais tornaram-se família e a dor da sua perda devia ser equiparada a tal.

Seria uma lei inovadora a nível mundial, já que nenhum outro país teve a pretensão de obrigar um patrão a dispensar um trabalhador das suas funções por morte de um animal.

Mas seria sobretudo uma decisão inacreditável num país onde a morte de um filho por nascer não dá direito a tempo para chorar a perda, no qual o desaparecimento de um tio ou avô é limitada a dois dias e a do companheiro ou de um pai garante igualmente cinco dias seguidos de afastamento. Exatamente o mesmo que se prevê pela morte de um filho. Um terço do tempo que está garantido por lei para quem se casa poder estar afastado do trabalho.

Simplificando, por ridículo, o Código do Trabalho obriga as empresas a dar duas semanas de férias extra a quem decide casar-se mas especifica que uma mãe ou um pai que veem morrer um filho têm de voltar ao trabalho cinco dias depois da mais violenta perda que se pode sofrer.

Até agora, porém, a sociedade portuguesa - decisores incluídos mas não exclusivamente - viveu sem aparente inquietação perante um quadro legal que não distingue a dor de perder a sogra e a destruição de perder um filho. É esta a realidade para que todos acabamos de acordar - a maioria dos países europeus, aliás, exceção feita a casos raros como o da Irlanda, o do Reino Unido ou o da Dinamarca, também não faz esta distinção - e que os partidos parecem estar de acordo para enfim alterar.

Por uma vez, há consenso quanto a um projeto que chega à Assembleia também pela mão do PAN, na sequência de uma petição lançada pela Associação Acreditar, que reuniu mais de 50 mil assinaturas em uma semana, e que é encarado como um caso de "elementar justiça social". Que só peca por tardio.

Vinte dias não chegam para chorar um filho, nem 20 anos chegarão - é a dor de uma amputação que permanece para sempre. Mas alargar o tempo de luto é fundamental para permitir que se ganhe espaço para mais do que simplesmente resolver as horríveis burocracias e poder encarar a dor, chorar a perda.

Uma em cada dez gravidezes termina muito antes do nascimento - mas nem por isso a dor é menor. Assegurar que esse reconhecimento de fragilidade emocional chega também às mães e pais cujos filhos ficaram por nascer é igualmente uma questão de humanidade.

Subdiretora do Diário de Notícias

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