Não me parece que haja qualquer fragilização da imagem do ministro Gomes Cravinho no plano internacional. Creio que esta tem sido uma questão luso-portuguesa", afirma ao DN o antigo embaixador na ONU Francisco Seixas da Costa, "utilizando um pleonasmo" para comentar o estado político do atual ministro dos Negócios Estrangeiros, alvo dos estilhaços de sucessivas polémicas que envolvem figuras que orbitavam o seu antigo ministério, quando era responsável pela pasta da Defesa..Na mais recente revelação ligada à operação "Tempestade Perfeita", noticiada há uma semana pelo Expresso, um dos arguidos, o diretor de serviços de gestão financeira da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, Paulo Branco, apontou o dedo a João Gomes Cravinho. De acordo com Paulo Branco, interrogado no âmbito da investigação em torno de várias acusações de corrupção, branqueamento de capitais e peculato no Ministério da Defesa, que já conta com mais de sete dezenas de acusados, Gomes Cravinho estaria implicado no caso do contrato de assessoria no valor de cerca de 50 mil euros assinado com o ex-secretário de Estado Marco Capitão Ferreira, que também é arguido na operação e que, por isso, deixou o Governo..Como reação a esta notícia, as vozes de vários partidos insurgiram-se, mais uma vez, contra João Gomes Cravinho e contra o Governo. O PSD, apesar de não haver nenhum processo judicial que envolva o ministro dos Negócios Estrangeiros, desafiou o primeiro-ministro, António Costa, a avaliar se o governante tem condições para se manter no cargo. Também o líder do Chega, André Ventura, propôs que Gomes Cravinho e a atual ministra da Defesa, Helena Carreiras, regressem ao Parlamento para esclarecerem dúvidas no Ministério, sugerindo que, se não o fizerem, "não terá outra opção senão avançar com uma comissão de inquérito"..Já dentro do seu partido, Cravinho foi amparado pelo grupo parlamentar. "Custa-me que as pessoas não leiam a notícia toda daquilo que saiu num jornal semanário na sexta-feira. A notícia diz, preto no branco, que a personalidade em causa, arguido nesse processo, é uma personalidade [...] que foi escutada junto de outros arguidos a montar uma estratégia de envolvimento dos políticos", considerou o líder da bancada socialista, Eurico Brilhante Dias. Com uma posição semelhante, até o chefe do Governo comentou o tema durante uma entrevista dada à TVI/CNN. "Não nos deixemos intoxicar por fugas seletivas de informação, sobretudo quando depois aparecem escutas onde se percebe - que está gravado, ou pelo menos os jornais dizem que foi gravado, porque eu não conheço as escutas, só conheço aquilo que leio nos jornais - que um arguido diz: vamos lá implicar os políticos para controlarmos esta narrativa. Isto eu li num jornal. Não sei se é verdade, se não é verdade, porque eu não tenho acesso às escutas", disse António Costa..O próprio Gomes Cravinho acabaria por não conter um comentário sobre a notícia do semanário, sem grandes esclarecimentos. "Repudio de forma veemente e inequívoca a sugestão feita na manchete do jornal Expresso", disse..A pergunta impõe-se: qual é a importância do ministro dos Negócios Estrangeiros e o que está em causa para Portugal quando o protagonista do cargo está rodeado por controvérsias? "É uma das pastas mais importantes do Governo, é a ponte fundamental que se estabelece entre Portugal e o exterior. No plano das relações internacionais, e sabendo que estamos a falar num Estado democrático, é fundamental que haja um Ministério dos Negócios Estrangeiros que seja forte, que tenha uma imagem de credibilidade, quer a nível interno quer a nível externo, e é um cargo que depende muito de um suporte institucional, que deve vir por parte do primeiro-ministro, mas também do reconhecimento dos seus pares, do Governo, e também dos seus pares no plano externo", explica ao DN a professora e investigadora de ciência política no ISCSP/Universidade de Lisboa Paula do Espírito Santo. "Se calhar é uma das pastas mais importantes no plano da coesão nacional e também da relação de Portugal com o exterior, porque nós não vivemos sozinhos e não podemos olhar-nos enquanto regime como um Estado pária", acrescenta..A ideia é complementada pelo deputado do PSD Tiago Moreira de Sá, que coordena o grupo social-democrata na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. "No caso específico dos Negócios Estrangeiros são uma função de soberania absolutamente crucial. Cito muito aquela expressão de John F. Kennedy em que dizia que a política interna apenas pode derrotar-nos, enquanto a política externa poder matar-nos", diz o deputado, esclarecendo que nos Negócios Estrangeiros lida-se "com assuntos que, no extremo, podem levar à paz e à guerra". É aqui que cabem, na perspetiva do social-democrata, retificações à tutela de Cravinho. "Nós não podemos ter, mas em certo sentido temos um meio Ministério dos Negócios Estrangeiros e um meio ministro dos Negócios Estrangeiros", considera, relembrando que a pasta dos assuntos europeus está nas mãos do primeiro-ministro. "A ideia até pode ter algumas virtudes, porque isto são cada vez mais assuntos que tocam em cada vez mais ministérios ao mesmo tempo, mas na prática retalhou significativamente as funções do Ministério dos Negócios Estrangeiros", critica Moreira de Sá. O deputado aponta que é "um pouco estranho" que os assuntos europeus tenham ficado de fora dos Negócios Estrangeiros, quando a chamada "opção europeia" é "a prioridade da política externa portuguesa". É aqui que volta a referir "a dimensão de meio Ministério" dos Negócios Estrangeiros assumida pelo Governo, que é "agravada pelo Orçamento do Estado para os Negócios Estrangeiros ser indigno", por ser muito baixo, "de uma função de soberania e da mais importante função de soberania do país", frisa. À fragilidade da falta de verbas para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desequilibra a posição de Gomes Cravinho, Tiago Moreira de Sá adiciona-lhe a "pesadíssima herança que vem do Ministério da Defesa"..A posição de João Gomes Cravinho enquanto governante "está comprometida, na medida em que há uma suspeição que o envolve num plano indireto, pelo menos em termos de responsabilidade política e que acaba por fragilizar a sua situação. Claro que nós sabemos que não há em curso absolutamente nada contra ele no plano jurídico", analisa Paulo do Espírito Santo. O que se pode apontar ao ministro, para já é só no plano interno e num ministério que já não tutela, "pela proximidade que tinha, e por ter que anuir em determinadas decisões que envolviam Marco Capitão Ferreira, nos processos que ele estava a desenvolver. Pelo menos essa responsabilidade aparentemente pode ser-lhe assacada, mas com muitas questões", sugere a politóloga.."Publicamente, ele não dá sinal de que esteja desconfortável", diz Paula do Espírito Santos sobre o governante. "Ele está a desenvolver toda a sua atividade na atual pasta e não me parece que haja algum reflexo ou algum reconhecimento de eventual culpabilização política neste processo. Mas o próprio primeiro-ministro já disse também, que se ele fosse constituído arguido - ele próprio já foi arguido - isso não significa muito, até porque ser arguido também não significa que seja culpado", esclarece a investigadora.."Se e quando houver por parte da justiça alguma ação, o primeiro-ministro tirará as conclusões. Isto no plano interno. No plano internacional, não me parece que haja qualquer fragilização", continua Seixas da Costa, antes de fazer um retrato político do ministro dos Negócios Estrangeiros. "É uma pessoa que tem um estatuto no plano internacional estabilizado há muitos anos. Desde logo no tempo em que era embaixador da União Europeia, quer na Índia quer no Brasil. Depois, já agora, convém lembrar, já tinha sido secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Depois, apareceu, para surpresa de muita gente, no quadro do Ministério da Defesa Nacional. E, depois, apareceu com total e completa naturalidade no quadro dos Negócios Estrangeiros, onde é hoje, na área política onde se move, no quadro do Partido Socialista e zonas adjacentes, talvez uma das personalidades mais reconhecidas no âmbito nacional, na parte de política externa. Não acredito que lá fora os seus contrapartes estejam preocupados com a notícia A ou a notícia B. Ainda por cima, não corresponde, até agora, a nenhuma concretização de qualquer tipo de ação de natureza judiciária que o possa tocar", conclui Seixas da Costa..Na passada terça-feira, João Gomes Cravinho, participou numa reunião inédita em Kiev com os seus homólogos da União Europeia, para demonstrar "total solidariedade com a luta do povo ucraniano pela sua soberania e integridade territorial", de acordo com o que o governante publicou na rede social X (antigo Twitter). Na sequência do encontro, ainda deu uma entrevista à CNN internacional, ainda na Ucrânia. Antes disso, entre 14 e 22 de setembro, acompanhou o Presidente da República ao Canadá e a Nova Iorque, para a Assembleia Geral da ONU. Depois, teve um encontro bilateral no México. A 28 de setembro, acompanhou António Costa ao Vaticano e um dia depois estava em Malta, para a cimeira MED9..vitor.cordeiro@dn.pt