Estónia. O que é que faz um carvalho no meio de um campo de futebol?

Mala de viagem (63). Um retrato muito pessoal da Estónia.

A Estónia era a menor das repúblicas bálticas soviéticas. É constituída por terras baixas e mais de 800 ilhas. Historicamente, teve sete séculos de domínio estrangeiro, excluindo de 1920 a 1940, em que foi independente, depois da guerra com a Alemanha (1918-1920). Após o fim da União Soviética, constituiu-se novamente como país independente (1991). Da comida espacial ao campeonato de carregamento das respetivas mulheres pelos homens; da liderança mundial em número de "startups" ao maior número de "spas" e de modelos de moda "per capita"; do primeiro país a liberalizar o transporte público à realização pioneira de eleições pelo telemóvel, a Estónia possui um conjunto de singularidades. Nada, porém, se assemelha àquilo que presenciei na povoação rural de Orissaare: assisti a um jogo de futebol, em cujo centro do recinto existe um carvalho com 500 anos, depois de o campo ter sido ampliado. Consta que nem a forte tecnologia soviética conseguiu arrancar o poderoso carvalho. A árvore passou a ser um "jogador" extra nos desafios de futebol. Foi assim que eu vi a mais extraordinária partida de futebol da minha vida, na ilha de Saaremaa, a oeste do continente, que é a maior das ilhas da Estónia. É caso para dizer que quanto maior for a dificuldade de vencer, maior será a satisfação. O que vi foi um jogo animado, muitas vezes a bola tocou no carvalho e ludibriou os jogadores; houve golos com fartura e abraços no fim, até porque o jogo acabou empatado. Para a população local, esta singularidade é uma coisa comum. A árvore de que vos falo está não só no meio do relvado, como também no coração da comunidade. É um património. A relação afetiva dos cidadãos com o seu património é reconhecida em todo o mundo como uma condição imprescindível, quer para a salvaguarda do património, quer para a identidade das suas comunidades. Faz parte da vida, e esta é como um jogo de futebol, cada lance define a sua trajetória.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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