Não, não vai melhorar
"Os preços dos combustíveis só descem quando acabar a guerra", disse ontem António Costa, entre um almoço com Macron e a visita às exposições portuguesas em Paris. "É preciso ser claro para todos", frisou, ainda assim esforçando-se por usar um tom menos agressivo do que aquele com que nos avisou a todos, após a morte de 70 pessoas nos incêndios de 2017, que nos habituássemos ao problema porque "não há soluções mágicas", "os portugueses são adultos" e "têm de entender que os governos não têm varinhas de condão". A mensagem, porém, mantém-se: "Habituem-se!"
A escalada nos custos da energia não se resolve tão cedo e vai continuar a contagiar todos os outros preços. E não há dinheiro nem margem para apoios ou aumentos que possam fazer realmente a diferença. "Habituem-se!"
A ver as nuvens acumularem-se num horizonte cada vez mais negro e mais perto, faz-se por convencer o povo, a partir de São Bento, que os trocos que restam para dispensar são medidas sérias para mitigar a brutal perda de compra que os portugueses enfrentam, para aplacar as dificuldades incomensuráveis com que todos os setores de atividade se confrontam. "Habituem-se!"
Afinal, o problema não é de hoje. Em 2020, desviadas as atenções para a subida sustentada do salário mínimo, Portugal chegou ao lugar de sexto salário médio mais baixo entre 35 países da OCDE. Desde 2015, quando Costa montou a geringonça para expulsar Passos Coelho e os fantasmas da troika, fomos ultrapassados por Lituânia, Letónia, Estónia, República Checa. A valorização salarial nas carreiras da função pública diluiu-se quase até à inexistência. A perda de poder de compra das famílias minguou mais um pouco - e a pandemia e a guerra só explicam os dois últimos anos. "Habituem-se!"
O PIB português cresceu no primeiro trimestre mais do que todos os países do euro, mas nos últimos dois anos Portugal não conseguiu sequer convergir com a média europeia: perdeu muito mais em 2020 (8,4%, a maior queda desde 1954 e quase mais dois pontos do que a economia europeia) e recuperou menos, mais devagar. Nada que afete um OE baseado em previsões de inflação e preços da energia que já estavam desatualizadas no momento em que foram publicadas. Não há cá retificativos, garantiu o governo, insistindo na inflação de 4% para este ano, metade do que já atingiu: 8%. "Habituem-se!"
Afinal, parece que os problemas não são conjunturais e as crises que se foram empilhando não vão desaparecer tão cedo, nem mesmo se a guerra terminar depressa. Já nem o BCE acredita que a coisa vai passar com suavidade e enquanto antecipa uma retoma em velocidades mínimas vai alertando para que nos preparemos para a subida dos juros. Valha-nos o défice, que se deve manter controlado, porque a recuperação vai abrandar, a torneira de dinheiro de Bruxelas vai afinal pingar a conta-gotas, a inflação vai agravar-se e os juros já estão mesmo a subir. O que deixa em maus lençóis os países mais endividados do euro, como Portugal.
A coisa está preta e é mais provável que piore do que fique melhor. "Habituem-se!"